domingo, 27 de outubro de 2019

Não vou doar nada para o Teleton


Resultado de imagem para sombra cadeira de rodas

Lutar pelos direitos dos deficientes é uma forma de superar as nossas próprias deficiências”


Minha deficiência não atrapalhou tanto a minha vida. Quando eu era pequeno, brincava com meus irmãos no mesmo modo que todo mundo. Eu era um cara que não pensava muito na deficiência, mas, não quer dizer que eu não percebia as caras de pena ou o preconceito. Desde 1983 fiz tratamento na AACD (Associação a Assistência a Criança Deficiente, mas antigamente era Defeituosa), e todo o procedimento foi lá, até a base da minha educação. Fiz até a quarta série primaria em uma das unidades da associação com convênio com o Estado. Acabamos com as classes especiais, porque não queremos depósitos de pessoas com deficiência, como ainda existem em cidades do interior e aqui também. Mas, não sou mal-agradecido e sei, muito bem, que a associação fez para eu sentar, para eu ficar em pé e ter uma vida normal. Porém, não foi de graça, meu pai pagou quantias numerosas para a associação de 1983 até 2000, quando fui desligado de vez.
Como disse, não pensava muito em minha deficiência, preferia pensar que eu era diferente como os mutantes dos HQs dos X-Mens. Adorava a figura do anti-herói do Wolverine, mas, algo sempre me incomodou: o porquê, sou assim e porque fui sorteado com uma deficiência. Aliás, a paralisia cerebral está ainda em discussão lá fora, porque muitas crianças nasceram com falta de oxigênio e não ficam com sequelas depois. O próprio Freud – pai da psicanálise – quando era médico, fez um trabalho sobre a paralisia cerebral contestando o senso comum na área, dizendo que é falta de oxigênio no parto. Freud disse o mesmo que eu escrevi, existem crianças que faltam oxigênio e não tem nenhuma sequela, então, ele (Freud) concluiu que poderia ser algo intrauterino. Sim, estudei muitas deficiências e a minha, foi movida de eu entender ela e lhe dar com ela. Então, não sou uma pessoa neurótica que fica pensando como superar as coisas, faço muitas coisas e para mim, isso é uma coisa normal. Não me acho exemplo de nada. Sou um homem que gosta o que muitas pessoas gostam, tenho desejos que todo mundo tem e vou ao banheiro como todo mundo.
Tenho um entendimento do segmento das pessoas com deficiência e não agrado, exatamente, seu conceito principal de vitimismo. Porém, eu sei que estamos em um país capacitista. Mas, por outro lado, o capacitismo só existe quando você alimenta esse tipo de atitude e isso começa em casa. O problema – vejo isso desde o Orkut – que muitos deficientes não tem coragem ou não querem frustrar sua mãe ou seu pai, dizendo um sonoro: Não! Também tem a questão de apoiar campanhas que alimentam uma atitude capacitista, que as pessoas com deficiência dependem da família e vão depender a vida toda. Existem amigos meus que moram sozinhos. Não fazem tratamento na associação em questão, não dependem de shows televisivos para viverem. E vivem muito bem. Eu também não dependo da AACD para nada, faço tratamento no Instituto Cartão Cristão. Eu e meu pai preferirmos pagar eles, do que pagar uma associação que falou a vida inteira que meu pé estava torto, mas, a fisioterapeuta disse que era minha bacia que estava torta. Abriram meu pé, tive hemorragia porque os pontos estouraram, aguentei motorista mal-educado, aguentei voluntária enchendo o saco não deixando nós fazermos nada, e outras coisas. Então, não doou nada para o Teleton e nada para a AACD.
Outra lenda que todo mundo gosta de reproduzir é que a associação doa cadeiras de rodas, mentira, o Estado compra pelo SUS a cadeira e outro aparelho e a AACD faz o trabalho de entregar a cadeira de rodas. A associação não dá nada e não doa nada. No tempo que fiquei na unidade da Mooca, aqui em São Paulo – na Oficina Abrigada de Trabalho entre 1992 até 2000 – eles vendiam até mesmo, a comida doada que as pessoas doavam. Vendiam os artefatos doados. Venderam tudo que podiam. Então, nada é de graça dentro da associação.
Assim, nem todas as pessoas com deficiência concordam com o Teleton.



Nenhum comentário:

Postar um comentário