por Amauri Nolasco S. Jr
Estou refletindo bastante sobre a liberdade, tanto mais, quando
envolve pessoas com deficiência. Porque, conversando com amigos no
WhatsApp, um deles mencionou que várias pessoas com deficiência não
tem privacidade, não tem nem a possibilidade, de tomar a própria
decisão. Por quê? Muitas famílias tratam as pessoas com
deficiência com muita infantilidade como se fossem eternas crianças,
e não são. Conheço uma amiga, que os pais morreram e ela foi
internada em um asilo porque era filha única e por não saber se
virar sozinha e a desculpa das tias foi que ela tinha um “gênio
difícil”. O que valeu a mãe querer proteger ela? O que serviu de
não querer que ela namorasse ou casasse? A questão também recai na
própria pessoa com deficiência que não percebe que as pessoas não
são eternas, não se pode apoiar nos outros uma vida inteira e se
tem que pensar no futuro. Esse problema é que a nossa cultura se
venera muito os familiares e os amigos, mas, a questão vem muito
mais de uma coisa mais automática do que um amor sincero e
verdadeiro. Gostar e respeitar nada tem a ver com a veneração.
Antes de entrar no tema, quero deixar bem claro que quando eu falo
que a responsabilidade é da própria pessoa com deficiência, estou
me referindo as pessoas que tem uma consciência do que estão
fazendo, ou seja, não tenham deficiência mental grave. Porque
pessoas que sabem muito bem do que dizem, do que gostam e do que são,
não lutam pela liberdade porque não querem ou porque acham cômodo
ficarem na situação onde se encontram. Ficam, muitas vezes, o dia
inteiro sem fazer nada ou na frente de uma TV vendo programas e
aceitando o que a família lhe impõem. Porem, a sociedade trata
essas mães como “especiais” e acham que as pessoas com
deficiência deveriam sim agradecer as suas prisões, agradecer
aquilo que elas não tem, uma liberdade. Mas o que podemos chamar de
liberdade dentro da essência do termo?
Podemos começar com a questão: somos livres? Será mesmo que, na
medida do possível, temos uma liberdade verdadeira? O conceito de
liberdade pode ser concreta ou abstrata, hora podemos constatar que a
liberdade é concreta e podemos fazer o que desejamos, hora podemos
considerar a liberdade uma grande utopia (podemos chamar de
fantasia). Vamos pensar na cadeira de rodas: ao mesmo tempo que ela
me dá a possibilidade de andar em lugares, porém, em alguns casos
ela me limita em outros casos. Num modo coletivo, a cadeira de rodas
é um objeto de carregar pessoas doentes porque em hospitais há
cadeiras, mas, a cadeira de rodas foi inventada para carregar pessoas
com algumas deficiências. Exato. Ela não foi feita so para carregar
quem esta, no momento, sem poder andar e sim, ela foi fundamental
para quem tem uma deficiência. Mas, ter uma deficiência, não é
ter uma doença e sim, ter uma limitação. O problema sempre é a
generalização, porque tanto para a linguagem, como para o senso
comum (que podemos chamar de achismo), há um conforto em generalizar
para caber numa caixinha. Por milhões de anos, e isso ficou muito
enraizado com os gregos, se categoriza as coisas para não ter medo
daquilo que nos parecer familiar. Se hoje, por exemplo, haver uma
mutação na parte biológica e de repente o ser humano nascer com um
olho no meio da testa, isso vai gerar um pânico generalizado, porque
não temos uma classificação daquilo na nossa percepção
(caixinha). Isso se chama, ignorância. E do mesmo modo, se vimos
uma deficiência que não conhecemos ou nunca vimos, se tende a
classificar como doença e doença (dai vem a palavra paciente que
vem do grego pathos, ou seja, sofredor ou sofrimento), é uma forma
de sofrimento pela desarmonização do seu corpo.
Acontece, que quando se pensa que uma deficiência é uma doença, se
limita as pessoas que tem alguma limitação – porque a deficiência
é uma limitação – a não terem liberdade. Do mesmo modo que a
sociedade tem esse pensamento dentro da nossa cultura (porque se tem
uma visão católica que por seculos alimentou a ideia que pessoas
com deficiência eram imperfeitas na alma, talvez, por causa de
Platão ou Aristóteles) que ve como sofredores ou doentes. Então, o
empresário vai pensar assim, vai pensar que não temos capacidade de
trabalhar. As pessoas em geral, vão pensar assim, porque não houve
um esclarecimento e o senso comum vai pondo na caixinha. Povo que não
se educa fica preso e a prisão sempre é pensar de modo limitado,
pensar de um modo que as pessoas vão se limitando a aquilo que é
falado e é muito mais cômodo concordar, do que questionar aquilo. A
questão é: o porque devo pensar igual todo mundo? O porque eu devo
aceitar o que todo mundo acha certo ou errado? As pessoas tendem a ir
a favor da mare, porque ir contra ela é muito cansativo e
trabalhoso. Por isso mesmo, vários momentos da história, o ser
humano foi levado a fazer coisas porque uma parcela das pessoas
achava que aquilo era certo. Poderia questionar: será que temos
mesmo que matar Sócrates? Será mesmo que as intenções de tirar a
monarquia eram boas? Será mesmo que temos que escolher Barrabás?
Não há nenhuma indagação porque não há nenhuma vontade e ai
esta a questão, porque tudo que você faz existe uma vontade e essa
vontade tem que ser potencializada. Essa vontade é neutralizada pelo
medo da agressão, pelo medo de ser expulso do convívio social e
também, não ser cuidado. Estamos numa sociedade hipócrita, que
muitas famílias usam isso para dominar e ficar mandando o que as
pessoas com deficiência devem ou não fazer. A questão é: será
que essas pessoas têm liberdade? Será que elas podem namorar quem
elas quiserem? Acho que enquanto a nossa sociedade não parar de ser
hipócrita, não vamos ter liberdade nenhuma, pois, o preconceito
reina em silêncio.
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