quarta-feira, 21 de outubro de 2020

Cadeirante Psicopata e o amor odiado

 



Por Amauri Nolasco Sanches Júnior

nesses dias eu assisti ao filme “Remédio Amargo” (El Practicante), que é um triller espanhol, contando a história de um paramédico chamado Angel, que em dado momento do filme, sofre um acidente no trabalho e fica cadeirante. Dai vem o que venho repetindo a muito tempo: a deficiência não é métrica de caráter. Por quê? Ao longo do filme, você nota que não há uma mudança significativa do Angel antes do acidente e depois do acidente. Então, a questão desemboca na ética, onde vários livros especializados em psicopatias, dizem que essas pessoas não tem nenhuma. Ora, a origem do termo ética é o termo grego “ethos” que Jeager diz que era o lado espiritual do mundo grego (do lado do aretê). Vimos que o machismo embutido em Angel é bem evidente em dois momentos.

No primeiro momento vemos Angel já com uma tendência de ser uma pessoa ciumenta por causa do não poder engravidar sua namorada Vanessa, pois, se acha indigno de ser homem e não poder ter filho. Temos uma cultura que diz, homem que é homem tem muitos filhos ou um, pelo menos, porque se trata da virilidade da questão masculina. Uma coisa é você ser homem, outra coisa você ser o macho da espécie. Se pode perguntar: qual a diferença? Um macho animal é movido pelo instinto de comer (talvez, para manter o equilíbrio da fauna e flora) para crescer e reproduzir (perpetuando a espécie), pois não tem a menos consciência do que está fazendo. O ser humano sabe muito bem o que está fazendo e deveria prestar mais atenção nos afetos e seus efeitos, porque tem consciência daquilo que está fazendo. Portanto, nossa reprodução consiste em muito mais do que copularmos como os animais, mas convencer o outro que estando do seu lado, os filhos serão mais cuidados e mais saudáveis. Mas, não é só isso, parece que a evolução humana – eu arriscaria não só a biológica e sim, a espiritual também – nos deu o amor e o apego as pessoas que estão no nosso lado. Assim, entramos num outro problema que é o machismo e feminismo do mundo contemporâneo.

Somos todos seres humanos da espécie homo sapiens, isso não há dúvidas. Mas, a condição humana entre os dois polos (feminino e masculino) teve interferências socioculturais muito evidentes que no filme mostram muito bem e que entram de seculos de dominação do discurso do macho da espécie. Ser homem consiste em ser masculino e não ser macho – principalmente, alfa – porque temos consciência daquilo que somos e aquilo que nos afetam dentro de um modo geral. Voltamos a afetividade. Porque, durante seculos, se disse que o homem não pode demonstrar afetividade – por isso mesmo, se diz que homem não chora – e muitos homens desenvolveram uma visão de ser um homem-macho e não um homem masculino. A meu ver, másculo demonstra força diante de uma consciência daquilo que somos (racionais), pois, o macho não existe essa racionalidade. O macho é o lado animal (pois, é o nosso instinto reptiliano), o nosso lado biológico escondido em camadas que foram desenvolvendo durante a evolução simio-humana. Ser masculino é ser racio-afetivo sem perder a força, sem perder o poder de procriar.

Mas esse erro histórico que veio com povos indo-europeus, nasceu no século dezenove e vinte um movimento de reação com o mesmo erro. As mulheres subjugadas por seculos de opressão em vez de contrapor com o feminino, o lado racio-afetivo, reagiram com o feminismo da fêmea, o lado animal e ressentido. Dois contrapontos que se conflitam com a ideia da humanidade como seres conscientes do ambiente onde vivem, o que sentem e o que são. O penso logo existo cartesiano de se encontrar consigo. Dai sim vem a parte interessante, porque a sociedade moderna ela se colocou no meio do nada, porque tudo perdeu o sentido diante do humano, do capaz de sentir e perceber na plenitude do ser. As pessoas não assistem futebol porque gostam, mas porque os outros assistem e não querem ficar de fora. A nossa sociedade mergulhou no nada para ter um valor artificial, onde o ter é melhor do que ser. Ai sim Nietzsche tem razão, não amamos o ser desejado, mas só os momentos agradáveis. No filme se vê muito isso, pois, Angel não ama Vanessa, ele tem uma dependência e o controle de um macho com sua fêmea. Por outro lado, Vanessa não deixa ele, tem o lado de impor e de não aceitar que ele a espione, bem próprio de alguém que esconde algo. A liquides de Baumam está no controle e de querer ter razão da própria condição de ser mais um entre a multidão.

O filme é escuro por causa desse conflito entre aquilo que era belo (o amor) e aquilo que é feio (a dominação), o perseguidor, aquilo que chamamos do nada. Quando você se torna o que todo mundo é, você se torna mais um número, não tem nenhuma essência. Se você ouve o que todo mundo ouve, se você tem as mesmas crenças, os mesmos pensamentos, você só é escravo do sistema. Daí entra a minha filosofia do não. As pessoas só vão respeitar quem você é, quando você disse não, mostrar que tem vontades e sentimentos. Nietzsche diz, que de tanto olharmos para o abismo, o abismo olha para você. O abismo é o espelho, o que você mais odeia você se torna e assim, a roda da vida gira. Angel não queria aceitar que o erro foi dele, mas Vanessa queria ser o que todo mundo é, o que as pessoas são e não ser ela mesma. Claro, determinado ponto do filme ele se torna aquilo que chamamos de psicopata, mas, a questão tem a ver com o ego.

Não se trata de quem somos, mas um eu falso. O ego (self) que tanto os budistas falam não é quem somos, mas o eu falso, aquele que eu disse que é o nada porque só é mais um no meio social. Ou seja, para sairmos da ilusão, devemos negar tudo que nos impõem. Angel ficou obcecado por causa do filho que não pode ter, porque era uma exigência social. Por que deve casar e ter filhos? Por que eu deve ser homem como os outros? Daí a solidão é inevitável, a liquides do relacionamento é o nada que somos, porque colocamos sempre entraves para viver. Sempre condições morais, condições religiosas, condições familiares. Até mesmo a massa – que não sabe nem resolver seus problemas – quer moldar a vida do outro como se a sua “formula mágica” fosse a solução de todo os problemas da humanidade. Esse é o falso ego. Achar que alguém ter que viver igual ao que se acha certo e não é diferente de um psicopata. Só o psicopata tem esse sentimento até a última consequência.

No mais, é um filme bom e traz um diferencial: um psicopata cadeirante. Mostrando que a deficiência não é medida de caráter.




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