segunda-feira, 5 de outubro de 2020

O fascismo do Teleton

 





Por Amauri Nolasco Sanches Júnior


Há um grande estigma dentro da nossa sociedade que é: pessoas com deficiência são incapazes. Ora, na Alemanha nazista, o líder Adolf Hitler assinou uma lei autorizando o massacre de milhões de pessoas com deficiência (de todo tipo) por serem consideradas pessoas incapazes e sofredoras. Mas um fato curioso aconteceu, Hitler assinou essa lei chorando. Como um ditador que matou mais de seis milhões de judeus e outras etnias, tenha chorado quando teve que matar pessoas com deficiência? Talvez, a visão que se tem das pessoas com deficiência, tenha origem da procura da perfeição grega (como uma forma perfeita, esteticamente) e também, o medo que a humanidade sente por nós sermos enigmáticos. Muitas pessoas cegas eram oráculos, assim, muitas deficiências eram tidas como sinais dos deuses. Os hebreus antigos não deixavam os “defeituosos” chegarem perto do altar, assim, adorar a Deus.

Você pode estar dizendo ao ler a primeira parte: tudo culpa da religião. Uma parte sim, mas, a ciência também fez sua parte em aumentar o preconceito. O nazismo é fruto de um cientificismo que achou que resolveria todos os sofrimentos do mundo, apenas, fazendo uma seleção dos mais fortes. Dos seres humanos aptos para viverem na face da Terra e herdar uma sociedade sem nenhuma diferença, ou seja, a ideia da seleção natural de Darwin foi, completamente, distorcida. Darwin nunca disse que o mais forte sobrevive e se reproduz, mas o mais adaptado dentro de um ambiente. E se criou a ideia da eugenia – hoje, considerada como uma pseudociência – e se teve a ideia de selecionar só seres humanos perfeitos e aptos a viverem felizes. A questão é: com o avanço científico dentro da área da genética, será que a ideia da eugenia morreu mesmo? Ou a ideia da eugenia só tem uma capa bonitinha para não parecer o monstro que é de verdade?

Vou muito mais longe. Eticamente – dentro de um pensamento humanista – você escolher entre ter um filho com deficiência e sem deficiência, seria errado porque nos dois casos, se trata de uma pessoa. Alguns acham que as pessoas devem escolher – talvez, através do aborto – e outros acham que se deve amar do mesmo modo. Acontece, que no fundo da questão, está a vaidade de ter um filho saudável (dentro de uma sociedade normativa) e mostrar para todo mundo, sem dar maiores explicações. O problema sempre foi essas “maiores explicações”. Por não saber e por isso, achar que se trata de uma doença. Por outro lado, além de uma visão religiosa que Deus teria mandado um filho com deficiência como prova de fé, como um carma, como um pecado e etc, ainda, tem a visão da medicalização que faz do médico, uma espécie de oráculo. E muitas vezes, o médico cai na besteira de se sentir um oráculo e ir até contra a ciência, pois, não dá para dizer se uma pessoa vai ou não depender da família, sem uma prova empírica (provável).

Daí se voltamos no olhar ético. Seria ético fechar pessoas com deficiência num confinamento por causa de uma visão do médico sem questionamento? Será mesmo que uma pessoa com uma deficiência severa não pode aprender com o convívio? Mesmo o porquê, a essência do ensino – educação só pode vir na questão familiar – é criar meio de aprendizado em ambientes adversos, respeitando sua individualidade. Numa escola temos que criar meios de socializar aquelas que não podem ser socializados e isso não vem de hoje, os gregos educavam através dos poetas e dos filósofos (também os sofistas), e assim, educavam com o ócio. É uma outra realidade, mas não é outra mentalidade. Paradoxalmente, os gregos que tinham uma sociedade escravocrata, se preocupavam com a liberdade. Hoje, depois de dois mil anos, diante de tantos avanços, não temos liberdade.

Talvez, a eugenia tenha pegado a questão da evolução – o mais apto – e tenha transformado esse ato de escolha do individuo, colocando em voga a questão grega clássica de perfeição e de felicidade. Mas, quem começou a distorcer essa imagem grega de perfeição através da harmonia? A igreja romana. Quando você lê um livro como Paideia, de Wener Jeager, você acaba descobrindo coisas bastante interessantes sobre a educação. Primeiro, que sim, a educação começou com Homero e assim, houve toda uma construção dentro da cultura grega, no qual, somos herdeiros. O que podemos dizer que a história de harmonia e perfeição tem muito mais a ver com o modo espiritual – portanto, bastante abstrato – do que num modo concreto. Daí vimos que a história que pessoas com o corpo imperfeito, e nem tenha a moral cristã europeia, sejam seres que não tinham alma. Só ver o filme baseado no livro homônimo do filósofo Umberto Eco, O Nome da Rosa, ou o livro do romancista Victor Hugo, O Corcunda de Notre Dame. Num caso, o rapaz “deformado” fica nas catacumbas do mosteiro pagando para transar e o outro, o corcunda não fica com a cigana.

Como temos uma cultura, completamente, católica, herdamos essa imagem que as pessoas com deficiência sejam pessoas sem almas. Será que no Brasil essa cultura de ficar trancafiando pessoas com deficiência em catacumbas vai vingar?




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