Credito: Site oficial da Netflix |
Amauri Nolasco Sanches
Júnior
Exception é uma animação (em exibição na Netflix) que tem
varias questões filosóficas interessantes dentro da biologia e dentro da
filosofia do espirito. Não por acaso, lendo o grande clássico da filosofia
ocidental, Fenomenologia do Espírito de Georg Wilhelm Friedrich Hegel
(1770-1831), em que ele investiga o saber e como o espirito (consciência) tem a
ver com a questão do mundo e das coisas. E dentro da seria – sem nenhum exagero
– a consciência e a memória é muito enfatizado.
A história se passa dentro de uma nave (podemos colocar como
nave-drone), onde tripulantes – imprimidos de uma impressora de corpos chamada
de útero – são designados a começarem a modificar o planeta para a uma
colonização humana e uma transformação para transformar em uma nova Terra. Há
ai um problema – que ao longo dos episódios, é levantado pelos tripulantes –
seres vivos não aguentam o hiperespaço e não sobrevivem a ele. Ora, por causa
disso, eles são impressos com suas memorias (que eles mesmos levantam a
hipótese de serem implantadas) com muito adiantamento – 100 anos segundo a história
– para fazer o planeta habitável. Nesse interim, há uma tempestade solar na
estrela do planeta e o corpo do engenheiro é imprimido errado, mas, decidem
deixar ele vivo e imprimir um outro com as mesmas memorias.
Voltamos a memória. Primeiro, temos que verificar que –
sempre fazendo ressalvas de se tratar de uma obra de ficção cientifica – a história
confunde memoria com consciência. Há pesquisas dizendo que há memoria nas
células e que, dentro de algumas hipóteses, gostos dos doadores dos órgãos
passaram a ser gostos dos transplantados. Será que há uma memoria ou uma
energia vital que ainda permeia – pelo menos, no momento – as células
implantadas? Daí chegamos na questão de Hegel quando ele diz que “O verdadeiro
é o todo”, pois, a totalidade que vai construir um tipo de realidade. Mas, o
que seria a verdade de fato? Esse tipo de pergunta permeia a filosofia desde
seu nascimento em Meleto com Tales. Pois, na essência, o elemento original tem
que sinalizar uma realidade e uma verdade e nessa verdade, existe uma coisa que
existe (imanente) e uma coisa imaginada (onírica) onde a consciência vai
colocando e significando dentro dos símbolos que vamos construindo.
A verdade tem a ver com a figura de ter um significado
daquilo que se acredita (só se haver uma verdade maior) e que não há
características diferentes, onde, não muito, há configurações estranhas. Isso
nos remete ao corpo impresso errado na serie que levou aos tripulantes
desconfiarem dele e não na outra pessoa que roubou a bomba e que botou a missão
em perigo, pois, as mesmas memorias estão nos dois corpos. A verdade se
configura como algo em si mesmo, a falsidade, por outro lado, configura em
não-verdade daquilo que simbolizo dentro de certos simbolismos. Tales não se
importou se o húmido – consequentemente, a agua – seja a origem das coisas,
mas, o composto da agua e o que parecia em poças insetos (que botavam seus
ovos), simbolizou o começo de tudo. A origem (arché) tem, na maioria das vezes,
uma finalidade (telos). Mas, hoje, sabemos que há uma evolução – em tudo – onde
elementos caóticos tendem a ficar elementos ordenados. Por outro lado, tem uma
outra questão: por que existe seres animados e objetos inanimados?
Existem filosofias espirituais (bastante relevantes para
discussão e até entra em algumas cenas da série) que dizem, o espírito habitar
nas formas inanimadas e depois, habitar em formas animadas. Seria uma forma de
energia vital aprender com o tempo e se evoluir através do conhecimento, mas,
na serie, corpos são impressos e somente as memorias – muitas vezes, afetivas –
são as que vivem. Ao mesmo tempo, eles são em-si as mesmas pessoas por causa
das suas memorias. Será que somos construídos através dessas memorias ou somos
construídos com o acumulo de conhecimento? Essas mesmas filosofias espirituais,
dizem que somos construídos através dos tempos (reencarnações) para ir através
dos tempos, ir adquirindo mais conhecimento. Então, o que são memorias e
conhecimento?
O que seria a memória? A meu ver – usando minha intuição – são
lembranças daquilo que vivemos no passado e aquilo que, pesquisam mostram, a
mente pode idealizar. Ou seja, são fatos passados dentro da ótica do tempo e do
espaço. Diferente de Bérgson – que colocava a memoria como elemento importante
da consciência – que dizia que as memorias são uma vivencia do presente e
reviva o passado, as memorias são fatos marcantes. Como uma foto, hoje em dia. Assim,
só as memorias não podem definir quem somos e o porque defendemos tais ideias,
como se as questões fossem definidas a partir de conotações de construções ao
longo da vida.
Mas, a definição de quem sou parti do princípio daquilo que
eu não sou, vem da percepção daquilo que não devo ser. Ou seja, sou o ser-ai (que
Descartes vai colocar como o “eu sou”) e a coisa-existente dentro do tempo
presente. Não sou outro-ai e sim, a essência do que percebo. Não posso duvidar
daquilo que sou porque estou negando o meu pensamento. Daí – filósofos budistas
dizem – que há o ego falso (do apego) e o ego verdadeiro (o eu-iluminado) que
tem o conhecimento de si e daquilo que existe. Os personagens da animação foram
imprimidos com as memorias – relembrando quem eram – e eram, ao mesmo tempo,
conscientes de si mesmos. No final, não sobreviveram – por uma conspiração dos
dominadores terráqueos – mas, as memorias punham eles como humanos e que eles deveriam
fazer.
Vários fatos históricos mostram que Hegel (nem Bérgson)
estavam certos e que a verdade não é uma totalidade, porque o verdadeiro nem
sempre é verdadeiro universalmente. Dom Pedro I governou o Brasil e não a França,
esse “governar o Brasil” consiste em uma consciência de localidade e de sociedade.
A verdade última – se existir – é a transcendência dessa percepção temporal
limitada em fatos contaminados com valores sociais. Foi o que apareceu na animação,
preconceito por causa da aparência, conspiração por causas militantes, defesa dos
seus desejos íntimos e no fim, a medica cumpriu a missão. A ciência. O desejo
humano de ter a consciência do funcionamento das coisas para domina-las,
modifica-las e fazer delas, o instrumento de sobrevivência humana. Não é só a mente
e o cérebro.