segunda-feira, 16 de janeiro de 2023

Exception e Hegel

  

Credito: Site oficial da Netflix 




Amauri Nolasco Sanches Júnior

 

Exception é uma animação (em exibição na Netflix) que tem varias questões filosóficas interessantes dentro da biologia e dentro da filosofia do espirito. Não por acaso, lendo o grande clássico da filosofia ocidental, Fenomenologia do Espírito de Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770-1831), em que ele investiga o saber e como o espirito (consciência) tem a ver com a questão do mundo e das coisas. E dentro da seria – sem nenhum exagero – a consciência e a memória é muito enfatizado.

A história se passa dentro de uma nave (podemos colocar como nave-drone), onde tripulantes – imprimidos de uma impressora de corpos chamada de útero – são designados a começarem a modificar o planeta para a uma colonização humana e uma transformação para transformar em uma nova Terra. Há ai um problema – que ao longo dos episódios, é levantado pelos tripulantes – seres vivos não aguentam o hiperespaço e não sobrevivem a ele. Ora, por causa disso, eles são impressos com suas memorias (que eles mesmos levantam a hipótese de serem implantadas) com muito adiantamento – 100 anos segundo a história – para fazer o planeta habitável. Nesse interim, há uma tempestade solar na estrela do planeta e o corpo do engenheiro é imprimido errado, mas, decidem deixar ele vivo e imprimir um outro com as mesmas memorias.

Voltamos a memória. Primeiro, temos que verificar que – sempre fazendo ressalvas de se tratar de uma obra de ficção cientifica – a história confunde memoria com consciência. Há pesquisas dizendo que há memoria nas células e que, dentro de algumas hipóteses, gostos dos doadores dos órgãos passaram a ser gostos dos transplantados. Será que há uma memoria ou uma energia vital que ainda permeia – pelo menos, no momento – as células implantadas? Daí chegamos na questão de Hegel quando ele diz que “O verdadeiro é o todo”, pois, a totalidade que vai construir um tipo de realidade. Mas, o que seria a verdade de fato? Esse tipo de pergunta permeia a filosofia desde seu nascimento em Meleto com Tales. Pois, na essência, o elemento original tem que sinalizar uma realidade e uma verdade e nessa verdade, existe uma coisa que existe (imanente) e uma coisa imaginada (onírica) onde a consciência vai colocando e significando dentro dos símbolos que vamos construindo.

A verdade tem a ver com a figura de ter um significado daquilo que se acredita (só se haver uma verdade maior) e que não há características diferentes, onde, não muito, há configurações estranhas. Isso nos remete ao corpo impresso errado na serie que levou aos tripulantes desconfiarem dele e não na outra pessoa que roubou a bomba e que botou a missão em perigo, pois, as mesmas memorias estão nos dois corpos. A verdade se configura como algo em si mesmo, a falsidade, por outro lado, configura em não-verdade daquilo que simbolizo dentro de certos simbolismos. Tales não se importou se o húmido – consequentemente, a agua – seja a origem das coisas, mas, o composto da agua e o que parecia em poças insetos (que botavam seus ovos), simbolizou o começo de tudo. A origem (arché) tem, na maioria das vezes, uma finalidade (telos). Mas, hoje, sabemos que há uma evolução – em tudo – onde elementos caóticos tendem a ficar elementos ordenados. Por outro lado, tem uma outra questão: por que existe seres animados e objetos inanimados?

Existem filosofias espirituais (bastante relevantes para discussão e até entra em algumas cenas da série) que dizem, o espírito habitar nas formas inanimadas e depois, habitar em formas animadas. Seria uma forma de energia vital aprender com o tempo e se evoluir através do conhecimento, mas, na serie, corpos são impressos e somente as memorias – muitas vezes, afetivas – são as que vivem. Ao mesmo tempo, eles são em-si as mesmas pessoas por causa das suas memorias. Será que somos construídos através dessas memorias ou somos construídos com o acumulo de conhecimento? Essas mesmas filosofias espirituais, dizem que somos construídos através dos tempos (reencarnações) para ir através dos tempos, ir adquirindo mais conhecimento. Então, o que são memorias e conhecimento?

O que seria a memória? A meu ver – usando minha intuição – são lembranças daquilo que vivemos no passado e aquilo que, pesquisam mostram, a mente pode idealizar. Ou seja, são fatos passados dentro da ótica do tempo e do espaço. Diferente de Bérgson – que colocava a memoria como elemento importante da consciência – que dizia que as memorias são uma vivencia do presente e reviva o passado, as memorias são fatos marcantes. Como uma foto, hoje em dia. Assim, só as memorias não podem definir quem somos e o porque defendemos tais ideias, como se as questões fossem definidas a partir de conotações de construções ao longo da vida.

Mas, a definição de quem sou parti do princípio daquilo que eu não sou, vem da percepção daquilo que não devo ser. Ou seja, sou o ser-ai (que Descartes vai colocar como o “eu sou”) e a coisa-existente dentro do tempo presente. Não sou outro-ai e sim, a essência do que percebo. Não posso duvidar daquilo que sou porque estou negando o meu pensamento. Daí – filósofos budistas dizem – que há o ego falso (do apego) e o ego verdadeiro (o eu-iluminado) que tem o conhecimento de si e daquilo que existe. Os personagens da animação foram imprimidos com as memorias – relembrando quem eram – e eram, ao mesmo tempo, conscientes de si mesmos. No final, não sobreviveram – por uma conspiração dos dominadores terráqueos – mas, as memorias punham eles como humanos e que eles deveriam fazer.

Vários fatos históricos mostram que Hegel (nem Bérgson) estavam certos e que a verdade não é uma totalidade, porque o verdadeiro nem sempre é verdadeiro universalmente. Dom Pedro I governou o Brasil e não a França, esse “governar o Brasil” consiste em uma consciência de localidade e de sociedade. A verdade última – se existir – é a transcendência dessa percepção temporal limitada em fatos contaminados com valores sociais. Foi o que apareceu na animação, preconceito por causa da aparência, conspiração por causas militantes, defesa dos seus desejos íntimos e no fim, a medica cumpriu a missão. A ciência. O desejo humano de ter a consciência do funcionamento das coisas para domina-las, modifica-las e fazer delas, o instrumento de sobrevivência humana. Não é só a mente e o cérebro. 

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