quarta-feira, 24 de julho de 2024

O SAMURAI DE OLHOS AZUIS E O PROBLEMA DA VERDADE

 

 


Nesses dias assistindo a seria O Samurai de Olhos Azuis (da Netflix) me deparei em uma nova proposta de animação e numa nova maneira de construção de animação. Ora, quem sabe um pouco de gráfico (por eu ser publicitário também) com certeza os gráficos foram feitos por computação gráfica. Mas, a história é muito bem construída e mostra um Japão invadido por europeus gananciosos no século quinze e dezesseis, que não queriam só comercializar suas especiarias, mas, queria também dominar o oriente (como acabaram fazendo com o capitalismo ocidental). Isso também é mostrado na série Shogun (que ainda não vi).

Mizu é um espadachim habilidoso e achava que só isso bastava para ser um samurai. Por ter nascido de olhos azuis em um Japão que não queria ser colonizado – quem quer? – foi sempre hostilizado como uma aberração (como, recentemente, se descobriu que olhos azuis é uma anormalidade do ser humano). Mas, também, era fruto de uma violência contra sua mãe por um europeu britânico e era uma menina, porém, sua mãe a criou como um menino. Sem spoiler (vejam a serie na Netflix), vamos ao foco do texto: a verdade. será que a vingança de Mizu era uma verdade universal ou subjetiva?

No livro O Problema da Verdade de Jacob Bazarian – um livro que estou lendo em e-book no notebook – ele explora a questão da Teoria do Conhecimento. Então, no primeiro capítulo, ele faz a seguinte pergunta: <<Qual o motivo determinante dessa aspiração natural ao conhecimento?>>, pois, segundo ele <<Aristóteles considerava que o desejo do saber, a curiosidade espontânea para o conhecimento é inato do homem, isto é, inerente à natureza humana. Ele afirmava que “ foi a admiração que moveu os primeiros pensadores às especulações filosóficas”>>. Mas, ficaremos na pergunta, pois, faz parte sobre a Mizu e sua vingança sobre seu nascimento. Por que temos a aspiração de conhecer a realidade e curiosidade de conhecer mais?

Mizu por estar numa posição de “diferente” – porque não existia japonês com olhos azuis – ela se sentia menos e tinha que aprender a arte da espada para se sentir grande. Só que um samurai (mesmo Ronin) não era só a katana, mas, também teria que aceitar o preceito da honra que faz parte do bushido. O bushido é literalmente “o caminho do guerreiro” que seria um conjunto de código de condutas e o modo de vida de um samurai (muito parecido com o Código Jedi da saga Star Wars). Muito parecido com o conceito do cavalheirismo (dos cavaleiros medievais), o bushido define alguns parâmetros para os samurais viverem e morrerem com honra. Tem origem de um código moral dos samurais, enfatiza frugalidade, fidelidade, artes marciais, mestria e honra, até mesmo a morte (muitos optavam o suicídio do que ser capturado). O código moral foi influenciado pelo budismo, xintoísmo e confucionismo, o bushido foi um código que moldou toda a casta guerreira japonesa por séculos. Mesmo os ronins (samurais sem clãs ou mestres).

Mizu só descobriu isso após Ringo – o cozinheiro sem as mãos – dizer que ela não era um samurai de verdade, pois, não tinha honra. Só queria uma vingança, mas, Ringo queria ser “grande” e tentou outro mestre (que praticamente, criou Mizu). O “pai das espadas” era cego, mas muitos o procuravam para fazer suas katanas e o fazia como ninguém. Como? O tempo da martelada. Conhecer o som era importante para saber como fazer e moldar a espada, como um limiar de uma vocação. Ringo, sem as mãos, era um cozinheiro habilidoso e fazia macarrões como ninguém. Mas, gostava da ideia de se transformar em um guerreiro, que na visão dele, era ser “grande”. Nesse caso, conhecer é superar dificuldades de que nos encontramos. Por eu andar numa cadeira de rodas, sei como rodar as rodas e tomar o controle. Tem pessoas que se sentam em uma cadeira e não sabem.

O conhecimento tem a ver com a realidade (aquilo que a consciência capta) e então, talvez, possa ter uma realidade objetiva (que existe independente da sua consciência) e uma realidade subjetiva (que existe dependente da sua consciência). Mizu poderia ter relavado os bullyings que sofreu, o que sua dor fez foi moldar seu caráter em vingar e querer matar seu pai biológico. Ora, a dor fez outra coisa, fez com que ela aprendesse a arte da katana, ser um samurai ronin, ser habilidosa em alguma coisa. Como Ringo pode amarrar sua faca no final do braço (no lugar da mão) e cozinhar, como o “pai das espadas” e com o barulho da martelada saber o tempo certo de cada modelagem. A questão que nesse intuito, sempre teremos que aprender a nos adaptar dentro daquilo que nos adaptamos melhor.

Platão no diálogo Teeteto, Sócrates inicia o diálogo com a pergunta: “O que é o conhecimento?”. Será que essa pergunta tem resposta? Nesse diálogo, tudo gira na frase de Protágoras (sofista) que dizia que “o homem é a medida de todas as coisas”. Platão pergunta através de Sócrates como um problema: estamos falando do homem como individuo ou como espécie? Mesmo porque, o objetivo de Platão é a alma, pois, em sua crença, o mundo em que o corpo está é um teatro de sombras (como no Mito da Caverna). Porque, enquanto olhamos as coisas e nos enganamos, podemos fechar os olhos e nos voltar para nós mesmos (conhecer a si mesmo), para nossa alma. Onde Platão diz que está a realidade. Ou seja, o filosofo grego nos diz que devemos abandonar a experiencia (o sensível). No platonismo, a alma seria o conhecimento, pois se baseia em aspectos universais, por outro lado, o corpo seria a doxa (o que falam de...).

Não podemos deixar de comparar o platonismo (que veio do lado mais místico do pitagorismo) com preceitos budistas. Mas há uma diferença: para Platão há uma realidade superior e que tudo pode ser ilusão, para Buda a ilusão não é ruim. Ela só é vazia. Por isso o não apego aquilo que não somos nós, porque aquilo não nos pertence e é impermanente. Mizu se iludi que matando seu pai vai trazer paz, mas sem essa ilusão, Mizu era só mais uma mulher usada e hostilizada por ter olhos azuis (uma aberração). Sem a ilusão Ringo era só mais um cozinheiro. Buda, assim como Jesus Cristo (um homem são não precisa do medico), mostra que a ilusão (assim como o sonho) não vai durar para sempre, um dia acaba e voltamos para o real. Platão diz que o corpo é a prisão da alma.

Nesse caso, o conhecimento (episteme) tem a ver com aquilo que queremos saber para ter certezas, ter certeza que somos humanos e não seres aberrantes ou não humanos. Os olhos azuis de Mizu fez ela superar a condição ilusória de tradições milenares que as mulheres não teriam habilidades, não teria meios de guerrear e buscar sua meta. Mesmo que essa meta é a morte do seu pai, que acredita, gerou a sua dor.

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