terça-feira, 3 de outubro de 2023

O mito da liberdade

 

 

 

O homem nasceu livre e por toda a parte vive acorrentado.
Jean-Jacques Rousseau

  

Meu amigo desde o Orkut perguntou no final do seu texto: “Seria a liberdade o maior mito da humanidade?”.

Enst Cassirer (1874-1945), dizia que somos animais simbólicos. Ou seja, todas as formas mitológicas, ideológicas e teológicas (muitas vezes, cientificas também) tendem a serem símbolos que produzimos dentro de determinadas culturas e determinadas linhas do tempo. Alias, interessante o livro dele chamado “Ensaios sobre o homem”, por abordar muito mais simples a questão que ele defendia, que por ser um neokantiano, colocava muito a visão de Immanuel Kant (1724-1804). Mas, na essência – pegando a teoria de Cassirer – o que seria a liberdade além de um simples símbolo?

Para os gregos – antigos e mitológicos – a liberdade representava uma autonomia de ir onde quisesse. Claro, podemos analisar a liberdade como algo restrito onde moravam, pois, um homem sem uma polis era um homem sem uma alma. A questão dos antigos gregos eram questões coletivas. Talvez, como alguns anarcocapitalistas defendem, os gregos deram certo por muito tempo por não ter um governo central e mesmo coletivos, eram restritos a suas polis. A grande potencias da época eram Esparta e Atenas. Uma era monárquica – com uma forte ascendência dórica – e teriam dois reis, um iria para a guerras (por serem militaristas) e outro ficava na cidade-estado. O outro, desenvolve um sistema de governo que o povo (a oligarquia de lá) escolheria seu governante.  Portanto, a autonomia de um grego era reduzida.

A questão é que o mito – tanto grego como de outras regiões – mostravam que a liberdade era restrita por causa da vontade dos deuses. E deuses representavam as forças da natureza que restringiam o ser humano a fazerem o que quiserem, o que mostra que a liberdade como um mito tem a ver com o conceito de cada época e cada lugar. Mas, qual o problema da liberdade? A questão é que herdamos a concepção do livre-arbítrio cristão, pois, a questão da liberdade é uma questão central dentro das escolhas que fazemos e onde Deus dará a graça ou não. Se o individualismo começa com o conceito de direito dos romanos – herdamos a filosofia dos gregos e o direito dos romanos – o cristianismo pega essa individualização, através da figura de Santo Agostinho, e colocou como um dos itens da sua teologia. Os antigos gregos não tinham a ideia de individualização.

Vamos explorar o termo mito e depois vamos ir adiante. Mito é uma lenda ou história fantástica que pode ser contada para explicar alguns fenômenos climáticos ou é uma fenomenologia (bem rustica) daquilo que acontece na realidade. Mas, também, tem a ver com crenças infundadas que a grande maioria aceita, como teorias da conspiração, teorias antigas que voltaram a circular etc. Portanto a questão de a liberdade ser um dos maiores mitos da humanidade – ele faz essa pergunta elencando todos os fanatismos que temos hoje no Brasil em um texto – por causa das crenças infundadas que o pós-modernismo inventou. Liberdade deixou de ser algo concreto e passou a ser algo abstrato ou subjetivo.

Dai temos o mito liberal da liberdade restrita – coimo se o ser humano tem liberdade restrita e sem se enjaular em suas próprias crenças – e o mito do comunismo com a superação. Claro, o capitalismo opera em milhares de contradições e liberdades restritas, mesmo o porquê, quem não tem dinheiro ou não tem ou teve oportunidade, não tem liberdade. Aliás, quem não tem esse tipo de consciência de classe (que começou no liberalismo) não vai saber detectar certas nuances dentro da questão mais além do típico “fla flu” das redes sociais.

Assim, quando meu colega escreve: <<O bolsonarista contrapõe liberdade a comunismo>>, mostra muito isso. Por não se entender que a questão de o “comunismo” ser algo muito mais profundo do que o modo do que Olavo de Carvalho deixou idealizado no bolsonarismo. Ate mesmo a ideia do Bolsonaro ser um mito, mostra como a questão de saber o que esta dizendo é importante. Mas, não poderemos achar que bolsonaristas defendem a liberdade sendo que são a favor de uma intervenção (chamando os militares de melancia). Mas o outro lado também não é diferente.

Quando meu amigo escreve: “Para o socialista, a liberdade é um conceito coletivo em contraposição à liberdade dos liberais, uma vez que a riqueza definitivamente não vem de esforços e talento, mas da exploração, logo, a liberdade ocorre na medida da distribuição da riqueza...”. A liberdade do socialista não é diferente do que a liberdade de um liberal, pois, os dois lados acreditam só em uma liberdade econômica. Vamos além: liberdade não tem a ver só com o modo econômico que as pessoas possam conquistar, mas, tem a ver com a vontade de fazer o que tiverem que fazer. Daí os antagônicos se unem, pois, o ser humano quer muito além de ter coisas e os socialistas (que a grande maioria nunca leram Marx) erram. No mais, socialistas e liberais são contra ou a favor do mesmo pensamento que coloquei de Rousseau no começo do texto.

Talvez, nessa frase mostre como essas “correntes” são conceitos que o senso comum produz para se auto enjaularem para não tomarem suas próprias decisões, pois, talvez, Platão tenha razão em dizer (seguindo seu mestre Sócrates) que o conhecimento te trará a verdade. E verdade aqui não é a crença em algo ou em alguma narrativa política ou religiosa, a verdade esta além daquilo que podemos enxergar. Não enxergamos toda a realidade (nossas vistas enxergam uma fração dessa realidade), não ouvimos todas as frequências, não temos pelos e não temos garras para nos defender, então, somos seres limitados que precisamos desenvolver essas coisas artificialmente através da imaginação. O conhecimento te liberta da questão das amarras desses conceitos. Só que nos fizeram acreditar que somos dependentes do poder e esse poder nos amarra. No final das contas, essa liberdade pode ser um mito.

 

Amauri Nolasco Sanches Júnior

 

Referência:

Sobre a liberdade 

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