Essa greve dos caminhoneiros nos ensinou bastante coisas que
estão enraizadas dentro da nossa cultura. A primeira coisa é que não sabemos
ter opiniões próprias, discutimos política copiando e colando nas redes
sociais. Não expressamos nenhuma opinião. Não pensamos por si mesmo. Sempre
temos que seguir um guru, seguir um grupo ou seguir uma ideologia. As pessoas vão
viajar, vão em algumas igrejas, seguem algumas ideologias, não porque querem,
mas, porque o outro segue. A questão vem de séculos de movimentos que ficam
puxando o país por um interesse qualquer. Nunca o povo daqui se sentiu povo
brasileiro porque não sabemos ser um povo republicano democrático, somos um
povo que exigimos que a nossa ideologia governe. Isso está bem nítido nas
camadas das discussões políticas.
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Isso começa quando há a colonização portuguesa aqui. Os colonos
e depois, quem nascia aqui, não tinha um sentimento de nacionalidade, eram
portugueses na América. Isso não mudou quando Pedro I dá o grito nas margens do
rio Ipiranga, mesmo independente e com uma identidade nacional (entenda-se,
Estado brasileiro), os cidadãos eram chamados de portugueses no Brasil, não se
sentiam brasileiros e queriam que fossem reconhecidos como europeus. Isso nos
faz entender o porquê não se sentimos brasileiro, porque, ainda achamos que
somos europeus e que não temos vínculo nenhum daqui. Isso se agrava – e vamos
ver mais adiante as consequências – quando a escravatura termina e vem
trabalhadores europeus para enriquecer, porque houve uma promessa de
enriquecimento, e voltarem para suas origens. Isso agravou a nossa não identidade
brasileira.
Tenhamos os negros abandonados e que não se sentiam daqui. Tínhamos,
a elite que era latifundiária e que detinha toda a produção, que se sentia
europeia e não brasileira. E tínhamos uma república – que Deodoro da Fonseca
foi um traidor do imperador Pedro II programou por imposição de algumas bases
ruralistas - que nunca foi uma república
de verdade, porque logo depois se teve uma ditadura do vice-presidente de Deodoro,
Floriano Peixoto. Aliás, a proclamação da república foi um golpe militar contra
o império – diferente de nações como os Estados Unidos que foram civis que
proclamaram. Mas, numa analise muito mais minuciosa, nunca tivemos uma república
de verdade, porque, exatamente, ainda pensamos que somos meros europeus em
busca de oportunidade e voltaremos a Europa novamente. Não vamos, porque, somos
brasileiros.
Como não acreditamos em nenhuma solução, porque sempre
queremos uma solução de iniciativa do outro. O outro tem responsabilidade, o cidadão
tem que ser o outro, o ético tem que ser o outro, quem deve resolver é o outro.
Várias pessoas não pensam que elas, ao pensarem assim, estão sendo antiética. Tanto
a ética (caráter), quanto a moral (os costumes), não são construídos só na questão
individual, mas, há uma construção social de uma moral mais justa. A justiça
nunca pode ser imposta, mas, se haver provas e documentos que isso possa ser
mostrado, ela tem que ser realizada. Mas, a imposição, só vai machucar e
eliminar outras pessoas que podem ser inocentes. Quando você é a favor de uma
ditadura ou tortura, você está dando aval a coisas que podem ser feitas em
qualquer um.
Outra característica que se mostrou nessa greve dos
caminhoneiros, é que muitos brasileiros, tem um medo irracional de falta de
alguma coisa e o egoísmo generalizado. Essas pessoas acham que suas vidas têm
que ter viagens, tem que ter carros, tem que ter suas vidas e não querem ser cidadãos
(politikon). Qual nação tem mais filas? Aliás, a natureza da fila é uma
natureza emergencial, porque, eu imagino, que não se tem uma emergência de
tomar sorvete ou comer um lanche. Já vi brigas por causa de brinquedos, ovos de
pascoa, vagas que deveriam ser uma coisa preferencial as pessoas com deficiência.
Porque não se sentem cidadãos brasileiros, se sentem fora da sociedade e o que
é bizarro, só porque você não concorda com a maneira magica que poderíamos ter
uma outra sociedade. É isso mesmo. O egoísmo dessas pessoas, vem da alienação de
uma população que não quer mudar, uma questão de pensar só em si mesmo, e ainda,
acha que a vida é o carro. Eu não saí nesse último final de semana, porque não houve
vans acessíveis, e não saí nem xingando os caminhoneiros e nem fiquei
frustrado, porque é uma maneira madura de encarar a situação.
Outro fenômeno que vimos nessa greve – não estou fazendo
nenhum juízo de valor – na questão da intervenção militar. Tem um vídeo,
bastante interessante, do Olavo de Carvalho que explica que a intervenção de
1964, levou dois anos. Quem pede ou quem é a favor, esquece ou não sabe, que o cenário
político na época, era outra posição. Em 1964 teve uma intervenção militar,
porque já era para ter essa intervenção em 1955, e outra, a questão da intervenção
tinha a ver com o perigo comunista (que isso era um medo norte-americano por
ter uma questão estratégica). Tinha a renúncia do presidente Jânio Quadros (que
blefou e errou gravemente, como estratégia política), e a política progressista
do, então, presidente João Goulart (Jango), que incomodou algumas classes da
elite que o chamou de comunista. E outra coisa, quem acredita (porque é uma crença)
que foi o povo, é um ingênuo como já sabemos que são, politicamente, que o povo
pediu. Quem fez o processo foi o congresso e o Supremo. A prova cabal disso é
agora, se o povo pedisse iria acontecer.
Muitos que participaram dessa intervenção militar de 64 eram
veteranos que participaram da segunda guerra mundial. Muitos generais eram
contra a política varguista (Jango foi ministro de Vargas), e viam como políticas
que eram contra o Brasil. O Estados Unidos apoia, porque eram uma política que
era vista como comunista. Já teve a revolução cubana que levou o perigo de
haver misseis nucleares na ilha e tinha o perigo, de determinar o comunismo em
toda a américa latina. E outra coisa, que a esquerda erra, há diferença de uma intervenção
militar e golpe militar. Em 64 teve intervenção militar e em 65 teve o golpe. A
ditadura, na verdade, só começa em 68 com o AI-5. E, sim, tinha torturas. E sim,
tinha censura. E sim, se matava até crianças. A inflação piorou e teve sim, corrupção.
E o bom, é que os generais de hoje têm uma outra consciência. Eles participaram
e viveram a ditadura, e sabem o que aconteceu.
Diante disso tudo, podemos colocar uma questão importante: o
que seria a verdade? Até quanto o ser humano aguenta a verdade? Porque quando você
diz a verdade (aletheia) e falar o que quisermos (parresía), que é consequência
de um modo de vida. Isso, é um exercício (ascese) que pode permitir a
capacidade de viver conforme seus preceitos. Quais são os nossos preceitos? Quais
são os parâmetros da verdade?
Amauri Nolasco Sanches
Junior – formado em filosofia pelo FGV e também publicitário e técnico de
informática e escritor freelance no jornal Blasting News