quarta-feira, 30 de maio de 2018

Por que não sabemos tomar conta da gente?




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Essa greve dos caminhoneiros nos ensinou bastante coisas que estão enraizadas dentro da nossa cultura. A primeira coisa é que não sabemos ter opiniões próprias, discutimos política copiando e colando nas redes sociais. Não expressamos nenhuma opinião. Não pensamos por si mesmo. Sempre temos que seguir um guru, seguir um grupo ou seguir uma ideologia. As pessoas vão viajar, vão em algumas igrejas, seguem algumas ideologias, não porque querem, mas, porque o outro segue. A questão vem de séculos de movimentos que ficam puxando o país por um interesse qualquer. Nunca o povo daqui se sentiu povo brasileiro porque não sabemos ser um povo republicano democrático, somos um povo que exigimos que a nossa ideologia governe. Isso está bem nítido nas camadas das discussões políticas.


Isso começa quando há a colonização portuguesa aqui. Os colonos e depois, quem nascia aqui, não tinha um sentimento de nacionalidade, eram portugueses na América. Isso não mudou quando Pedro I dá o grito nas margens do rio Ipiranga, mesmo independente e com uma identidade nacional (entenda-se, Estado brasileiro), os cidadãos eram chamados de portugueses no Brasil, não se sentiam brasileiros e queriam que fossem reconhecidos como europeus. Isso nos faz entender o porquê não se sentimos brasileiro, porque, ainda achamos que somos europeus e que não temos vínculo nenhum daqui. Isso se agrava – e vamos ver mais adiante as consequências – quando a escravatura termina e vem trabalhadores europeus para enriquecer, porque houve uma promessa de enriquecimento, e voltarem para suas origens. Isso agravou a nossa não identidade brasileira.




Tenhamos os negros abandonados e que não se sentiam daqui. Tínhamos, a elite que era latifundiária e que detinha toda a produção, que se sentia europeia e não brasileira. E tínhamos uma república – que Deodoro da Fonseca foi um traidor do imperador Pedro II programou por imposição de algumas bases ruralistas -  que nunca foi uma república de verdade, porque logo depois se teve uma ditadura do vice-presidente de Deodoro, Floriano Peixoto. Aliás, a proclamação da república foi um golpe militar contra o império – diferente de nações como os Estados Unidos que foram civis que proclamaram. Mas, numa analise muito mais minuciosa, nunca tivemos uma república de verdade, porque, exatamente, ainda pensamos que somos meros europeus em busca de oportunidade e voltaremos a Europa novamente. Não vamos, porque, somos brasileiros.

Como não acreditamos em nenhuma solução, porque sempre queremos uma solução de iniciativa do outro. O outro tem responsabilidade, o cidadão tem que ser o outro, o ético tem que ser o outro, quem deve resolver é o outro. Várias pessoas não pensam que elas, ao pensarem assim, estão sendo antiética. Tanto a ética (caráter), quanto a moral (os costumes), não são construídos só na questão individual, mas, há uma construção social de uma moral mais justa. A justiça nunca pode ser imposta, mas, se haver provas e documentos que isso possa ser mostrado, ela tem que ser realizada. Mas, a imposição, só vai machucar e eliminar outras pessoas que podem ser inocentes. Quando você é a favor de uma ditadura ou tortura, você está dando aval a coisas que podem ser feitas em qualquer um.


Outra característica que se mostrou nessa greve dos caminhoneiros, é que muitos brasileiros, tem um medo irracional de falta de alguma coisa e o egoísmo generalizado. Essas pessoas acham que suas vidas têm que ter viagens, tem que ter carros, tem que ter suas vidas e não querem ser cidadãos (politikon). Qual nação tem mais filas? Aliás, a natureza da fila é uma natureza emergencial, porque, eu imagino, que não se tem uma emergência de tomar sorvete ou comer um lanche. Já vi brigas por causa de brinquedos, ovos de pascoa, vagas que deveriam ser uma coisa preferencial as pessoas com deficiência. Porque não se sentem cidadãos brasileiros, se sentem fora da sociedade e o que é bizarro, só porque você não concorda com a maneira magica que poderíamos ter uma outra sociedade. É isso mesmo. O egoísmo dessas pessoas, vem da alienação de uma população que não quer mudar, uma questão de pensar só em si mesmo, e ainda, acha que a vida é o carro. Eu não saí nesse último final de semana, porque não houve vans acessíveis, e não saí nem xingando os caminhoneiros e nem fiquei frustrado, porque é uma maneira madura de encarar a situação.

Outro fenômeno que vimos nessa greve – não estou fazendo nenhum juízo de valor – na questão da intervenção militar. Tem um vídeo, bastante interessante, do Olavo de Carvalho que explica que a intervenção de 1964, levou dois anos. Quem pede ou quem é a favor, esquece ou não sabe, que o cenário político na época, era outra posição. Em 1964 teve uma intervenção militar, porque já era para ter essa intervenção em 1955, e outra, a questão da intervenção tinha a ver com o perigo comunista (que isso era um medo norte-americano por ter uma questão estratégica). Tinha a renúncia do presidente Jânio Quadros (que blefou e errou gravemente, como estratégia política), e a política progressista do, então, presidente João Goulart (Jango), que incomodou algumas classes da elite que o chamou de comunista. E outra coisa, quem acredita (porque é uma crença) que foi o povo, é um ingênuo como já sabemos que são, politicamente, que o povo pediu. Quem fez o processo foi o congresso e o Supremo. A prova cabal disso é agora, se o povo pedisse iria acontecer.


Muitos que participaram dessa intervenção militar de 64 eram veteranos que participaram da segunda guerra mundial. Muitos generais eram contra a política varguista (Jango foi ministro de Vargas), e viam como políticas que eram contra o Brasil. O Estados Unidos apoia, porque eram uma política que era vista como comunista. Já teve a revolução cubana que levou o perigo de haver misseis nucleares na ilha e tinha o perigo, de determinar o comunismo em toda a américa latina. E outra coisa, que a esquerda erra, há diferença de uma intervenção militar e golpe militar. Em 64 teve intervenção militar e em 65 teve o golpe. A ditadura, na verdade, só começa em 68 com o AI-5. E, sim, tinha torturas. E sim, tinha censura. E sim, se matava até crianças. A inflação piorou e teve sim, corrupção. E o bom, é que os generais de hoje têm uma outra consciência. Eles participaram e viveram a ditadura, e sabem o que aconteceu.

Diante disso tudo, podemos colocar uma questão importante: o que seria a verdade? Até quanto o ser humano aguenta a verdade? Porque quando você diz a verdade (aletheia) e falar o que quisermos (parresía), que é consequência de um modo de vida. Isso, é um exercício (ascese) que pode permitir a capacidade de viver conforme seus preceitos. Quais são os nossos preceitos? Quais são os parâmetros da verdade?

Amauri Nolasco Sanches Junior – formado em filosofia pelo FGV e também publicitário e técnico de informática e escritor freelance no jornal Blasting News

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