domingo, 14 de fevereiro de 2021

A Filosofia explica Paulo Ghiraldelli

 




Eu comecei a ser aluno do Ghiraldelli em 2004, ou 2003, quando meu amigo virtual e sua namorada da época – ambos eram pessoas com deficiência – me indicaram um professor universitário que tinha um grupo de filosofia no Yahoo (o Yahoo tinha grupos que você cadastrava um e-mail e você recebia e mandava para o grupo e iniciava uma discussão). Eu era jovem e inexperiente – embora sempre fui indagador – e achava que ali, pelo menos num primeiro momento, eu aprenderia um pouco o que era filosofia. Nessa mesma época, eu cursava o supletivo do fundamental por não ter tido a chance de ter completado minha escolaridade – que só era até a quarta série nas classes especiais – mas, graças a coleção Os Pensadores que meu pai tinha me dado, eu comecei a me interessar em fazer filosofia. Dado momento – fiquei muito pouco no grupo dele – começamos a discutir sobre o Sílvio Santos fazer a Maísa chorar (na época, ela era muito pequena). Ghiraldelli defendia que Maísa fazia as coisas se divertindo, por isso mesmo, a questão do ECA (Estatuto das Crianças e Adolescentes) não cabe nas crianças que trabalham na TV. Eu indaguei ele e disse que se a lei é para a criança que vende bala no farol, também vale para crianças que trabalham em uma emissora qualquer, porque a lei é para todos. E depois de alguma discussão, sem nenhum argumento, Ghiraldelli me chamou de burro e me expulsou do seu grupo.

Por muitos anos eu tentei entender o que se passava na cabeça dele, pois na minha ideia, eu sempre achava que filósofos eram aqueles que debatiam e chegavam, muitas vezes, em uma conclusão. Não só filósofos e não foi só o Ghiraldelli que fez isso, que mudou a lei e o que está escrito, para caber em seu próprio conceito. Como, por exemplo, um professor de física num grupo de ciência, que modificou a teoria de Newton para caber naquilo que ele acreditava. Eu fui indagar, tomei um banimento do grupo. Daí eu achava que era só nesse nicho por causa da importância que era mostrar que não poderia estar errado por causa do seu diploma, mas a internet cresceu e eu vi, que isso está muito enraizado no nosso meio. A nossa cultura nos fazem mudar ideologias, religiões, disciplinas e até mesmo, tentar mudar a filosofia. Isso é verdade. Um podcast que eu gosto muito teve um episódio no qual falava da filosofia brasileira, que o professor insistia que se deveria deixar as raízes europeias. Só que o termo filosofia e todas as suas ferramentas, são europeias e isso não vai mudar, o que se pode fazer é com essas mesmas ferramentas, ter uma identidade própria e não querer tirar uma certa característica europeia de dentro da filosofia. O negócio é mudar para ter razão. Mas não é a razão de racionalidade, mas a razão de querer estar certo o tempo todo.

A questão dessa reflexão é: por que as pessoas mudam aquilo que elas sabem para justificar as suas crenças? Porque do mesmo modo, que se supõe que a Maísa fazia as coisas brincando - porque não se sabe o que acontecia nos bastidores - podemos afirmar qualquer outra coisa sem nenhum conhecimento daquilo que se supõe saber. Por isso mesmo, Sócrates disse que sabia que nada sabia, pois a cada um cabe dizer aquilo que se sabe e escutar o outro, atentamente, para aprender mais e assim trilhar o caminho do conhecimento. Ghiraldelli não entendeu isso – ele se denomina seguidor do mestre Sócrates – porque chama aqueles que não seguem sua linha de raciocínio de burros, e acha, que está falando grande coisa. Ele diz que Sócrates provocava e não é verdade, Sócrates sempre quis provar que o Oraculo estava equivocado, mas nessa busca a verdade, trilhou o caminho da sabedoria. O conheça a ti mesmo não é um dilema a toa na porta do Oraculo de Delfos, mas é um convite a procurar dentro de si mesmo a verdade e assim, até mesmo Jesus chegou a mesma conclusão, que a verdade vai libertar. Mas não é essa verdade que querem nos ensinar, é a verdade que Platão tentou ensinar no mito da caverna. Estamos na era do mito da verdade.

Essencialmente, se acredita (porque isso não é verdade), que o mito seja uma mera fantasia e não é uma mera fantasia. Mesmo o porquê, dentro da essência da realidade (como verdade em si), não sabemos se estamos num sonho ou que estamos acordados. Aliás, qual é a fronteira de um mundo ao outro? Isso já foi discutido por Descartes quando ele diz que não há diferença em sonhar (pois, há sensações são as mesmas) e estar acordado. E isso é bastante interessante, pois reabre a discussão epistemológica platônica entre a percepção dos nossos sentidos e as múltiplas verdades que podem ocorrer a partir dessa percepção. As pessoas criam as suas verdades a partir daquilo que elas veem ou elas criam verdades que já estão nelas e elas relembram dessas verdades? Claro, quando eu digo verdade, estou me referindo a realidade que nem sempre está relacionada dentro daquilo que é. Você só pode dizer que uma coisa existe ou não, se você tiver referências sejam elas quais for, porque muitas vezes, o sentido podem nos confundir. Por exemplo, podemos pegar o que o Ghiraldelli achava ou acha ainda, e dizer que é só uma crença daquilo que ele construiu como verdade. Ele não conviveu com a Maísa pequena e nem com ela nos bastidores para dizer que ela se divertia fazendo TV ou qualquer outra criança, é apenas uma crença relacionada com o que ele acha. Mas sabemos que dentro da psicologia, se tem um estudo e é quase unanimidade (porque dentro da ciência nada é unânime e nem pode ser), que as crianças constroem seu caráter até os 7 anos de idade. Então, se a pessoa é estúpida, ela aprendeu a ser estúpida com alguém. Se ela é alegre e não liga para nada, aprendeu a ser alegre e não ligar para nada. Mas resta é pergunta: o porquê aprendemos as coisas e o porquê temos consciência dessa realidade? Será que a minha realidade e a percepção dela é a mesma da Maísa?

A Maísa pode ter achado divertido trabalhar em uma emissora ou pode ter feito aquilo porque alguém disse para ela fazer, mas não há certeza disso porque há a dúvida cartesiana, que só temos certeza do que somos. Duvidamos daquilo que os outros nos dizem, porque pode não ser verdade. Pode ser que a Maísa era obrigada a fazer, pode ser que havia todo um aparato lúdico, para que a menina fizesse o que ela fazia, mas não temos certeza de nada. Nem se somos burros ou que não somos. Nem que somos o que somos. Só temos certeza que temos uma consciência e na essência, essa consciência nos diz que é a realidade. Mas será que ela não pode nos enganar? Será que a própria consciência é uma ilusão? Refletimos.


Amauri Nolasco Sanches Junior

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