Em um vídeo onde o humorista Leo Lins fez uma piada sobre crianças
com a hidrocefalia e sabemos, muito bem, que é uma critica a seca do nordeste
que ninguém resolve. Apesar disso, esse tipo de piada é sem graça e não me fez
rir – eu já ri de piadas de cadeirantes – porque ela foi mal construída e tem
um viés de bullying. O SBT (Sistema Brasileiro de Televisão), mandou o comediante
embora por conta que na mesma piada, Leo Lins disse o nome do Teleton, que é um
dos programas que gera doações para a entidade (não instituição que é uma outra
coisa) AACD (Associação a Assistência à Criança Deficiente).
Jerry Lewis – humorista norte-americana – teve sete filhos e
um deles tinha deficiência. Em 2009, ganhou o Prêmio Jean Hersholt, o Oscar Humanitário,
por ter ajudado a criar uma Associação de Distrofia Muscular, no inicio dos
anos 50, e por dar a continuação do seu trabalho humanitário. Lewis foi presidente
nacional a partir de 1952 e por essas iniciativas, foi indicado para receber o Prêmio
Nobel da Paz. Lewis ainda criou o Teleton em 1966 nos Estado Unidos, realizado
em mais de 20 países da Europa, América do Norte e América do Sul, atualmente. Na
América Latina possui uma organização dos países que realizam o Teleton, a Organização
Internacional dos Teletons (Oritel). O objetivo da Oritel é fornecer a troca de
conhecimento entre os países e instituições, além de possuidor uma melhor integração
entre aqueles que visam uma sociedade mais justa e produtiva para as pessoas
com deficiência de todo mundo.
Isso mostra que a questão da deficiência já estava sendo
debatida já na década de 50 lá fora, mesmo que demorou muito para essas nações serem
acessíveis. Até os anos 80 – isso está no documentário Crip Camp – haviam leis,
por exemplo, que restaurantes norte-americanos poderiam proibir pessoas com
paralisia cerebral (em alguns casos, não tem controle na saliva e babam) a ficarem nas mesas e até hoje, familiares podem castrar mulheres com deficiência na sua família. O
capacitismo começou a ser discutido graças ao nazismo e graça a teoria
eugenista, dizendo que se poderia produzir humanos perfeitos e com saúde forte
e saudável. A ideia do eugenismo – que contêm em todas as nações e em todas as
ideologias políticas e religiosas – ainda tem seus componentes sutis em teorias
do Transhumanismo e a ideia da liberdade do aborto de bebes que no diagnostico,
demonstram ter tendencias a terem síndrome de Down. Ou, como eu disse antes,
operar as mulheres com deficiência para não terem filhos.
A piada do Leo Lins não teve graça, mas, o capacitismo está além
de uma simples piada e de um simples debate. O Teleton como formador de debates
sobre deficiência, está sendo usado só – no Brasil – para arrecadar fundos para
uma entidade, uma instituição que no passado, deixava os funcionários fazerem
bullying e nada acontecia. Por que o Teleton não é usado como foi na sua origem?
Por que não fazem arrecadação de outras entidades ligadas a deficiência? A meu
ver, o debate não pode ser focado em uma só questão e entre muitas – por temos
uma cultura positivista que só o especialista pode responder por uma coisa – o medicalismo,
tão enraizado dentro da cultura brasileira e não deixa nós fazemos nossas
escolhas e vivemos nossas vidas.
Ao relatar a demissão do humorista pelo SBT, o site CatracaLivre disse:
“Lins começa falando sobre o Teleton, que faz a arrecadação de dinheiro para ajudar crianças com problema de saúde, e depois menciona a história de um garoto do Ceará”
Veja, a questão está na frase “crianças com problema de
saúde”. Primeiro é tratar a deficiência como um “problema”, que quem nasceu nas
periferias sabe, muitos dizem que “o filho de fulano tem problema”. Existem definições
para problema: uma é o senso comum que diz que um problema é uma dificuldade
sem solução, na matemática que é um exercício mental para te ensinar a resolução
do mesmo problema e a filosófica, que é um fato que pode ter uma solução com várias
variáveis. Quando o jornalista do Catraca Livre diz “crianças com problemas de saúde”,
ele ou ela ou elxs, é do senso comum. Mas, segundo a própria associação, eles
tratam “crianças deficientes”. Ou seja, as crianças não têm “problema” nenhum e
sim, deficiência. A hidrocefalia é uma deficiência que pode ser controlada e tratada
como todas as deficiências e isso não quer dizer um “problema de saúde”. Mas o porquê
o jornalista disse isso?
No Brasil, por muito tempo, houve uma cultura do medicalismo
onde as pessoas com deficiência só podiam fazer as coisas se o médico deixasse
ou qualquer especialista que achasse certo. Quantos pacientes que a própria associação
cuidava morando lá, por causa da pobreza extrema não podia cuidar do filho com deficiência?
Conheci um menino – que tinha a mesma deficiência como eu, paralisia cerebral –
que foi encontrado em uma casa (os pais eram caseiros de uma fazenda) que foi largado
e cheio de bichos que foi deixado em uma instituição. A pobreza extrema e a
falta de educação – como formas explicitas para dominar a massa – colaboraram e
muito para a visão da deficiência, ora como um castigo (mesmo no espiritismo
que somos taxados como suicidas), ora como pessoas doentes que não podem fazer
e nem construir uma vida sozinhos. O gozado disso tudo, que famílias de pessoa
com Síndrome de Down são mais flexíveis do que famílias de pessoas com deficiência
física, que poderemos investigar o porquê e escrever um outro texto.
Ora, a piada do Leo Lins tem raízes muito solidas do capacitismo
enraizado dentro da própria cultura humana. Mas, ele é apenas um bufão, um bobo
da corte, existem pessoas com deficiência que são maltratadas, assediadas, sofrem
capacitismo online ou não. Será mesmo que a humanidade quer evoluir, ou ela
quer mostrar uma questão da demagogia?
Amauri Nolasco Sanches Júnior – 46 anos, filósofo (bacharelado), técnico de informática e publicitário e escritor do blog Filosofia sobre rodas
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