sexta-feira, 1 de julho de 2022

Black Dynamite e o ‘neguinho’ do Piquet

 



Muitas pessoas sabem que eu tenho deficiência física e que eu sou libertário – não, não sou anarcocapitalista – e sempre me perguntam sobre o politicamente correto de chamar um deficiente de pessoa com deficiência. Uma coisa é o preconceito (um conceito sem embasamento) o outro é uma discriminação (uma exclusão) dentro de um escopo social muito mais amplo. O mundo não se resume a meia dúzia de opiniões e conceitos que, muitas vezes, não cabem dentro de um segmento. Depois de se chamar os deficientes de pessoas com deficiência não vi nenhuma melhoria na acessibilidade – agora a maioria das pautas nem são de acessibilidade – e não vi um aumento de contratação de pessoas com deficiência nas empresas. O preconceito acabou? Claro que não. Vimos, principalmente, na internet, milhares de manifestações de puro preconceito e desconhecimento das muitas deficiências que povoam os conceitos sociais.

Reacionários, revolucionários e progressistas, tendem a ter o mesmo modo operante de achar que somos “sofredores eternos” e que não temos como se virar sozinhos. Mas, como diz o velho ditado “de boas intenções o inferno está cheio”. E quem viveu os anos 80 e 90, sabe muito bem, que mesmo estando em eternas cirurgias de correção, sempre éramos taxados de “defeituosos” por causa das deficiências. Motoristas nos deixavam em portas de cemitério e até mesmo, ficava dizendo que era tarde e iria ficar na kombi na entidade ate o outro dia. Eu cheguei a mijar na kombi quando ele disse isso de tanto chorar, mesmo assim, não acho que o termo “pessoa com deficiência” causou tanto impacto ao ponto de mudarem a mentalidade das pessoas diante disso tudo. E nem me ofendo com pessoas me chamando de “deficiente” ou chamando de cadeirante (tinha um colega que defendia dizer “usuário de cadeira de rodas” que o termo “cadeirante” foi inventado pela senadora Mara Gabrilli).

Tudo isso para dizer que pertenço a esse mundo e tenho amigos que já foram, duramente, discriminados e até eu. Porém, não gosto do politicamente correto como forma (bastante paliativa) de forma de acabar com o preconceito e da discriminação. Talvez, por isso mesmo, nunca liguei para os termos que me chamavam ou chamam, mas, as atitudes que tem comigo e com quem esta comigo. E, assim, eu posso achar graças em piadas sem achar que aquilo é preconceito ou algo para agredir alguém. E sei, muito bem, que existem outras minorias dentro do segmento das pessoas com deficiência – como negros, mulheres, gays, trans etc. – que podem se sentir ofendidos e isso, com minha experiência, tendem as pessoas a fazerem ainda mais. Na animação adulta Black Dynamite – que é produzida e exibida na HBO + - tem um humor acido e tem a destruição de ídolos como Michael Jackson entre outros mitos que foram sendo construídos durante anos. A serie foi baseada no filme homônimo de 2009.

A questão racial é uma questão de milênios onde uma etnia se sentiu mais poderosa do que a outra, gerando, uma dominação cultural e militar. Isso se deu através do Estado – sempre ele – que colocou no meio da linguagem, inimigos e mitos, que não poderiam existir. Como poderia existir criaturas míticas, que eram misturas de outros animais? Se poderia ter um simbolismo – como sempre existiu até mesmo, nos evangelhos – mas, a grande maioria, nunca entendeu esses simbolismos. Muito poucos, pegaram esse simbolismo e cresceram enquanto espíritos. Então, juntando esse ar de ignorância e outras coisas – o folclore é construído em cima dessa ignorância – e começam a construir preconceitos e discriminações de outras pessoas, que tem características diferentes, assustam e mudam perspectivas e paradigmas. A história da loucura foi um pouco isso, a normalização da racionalidade social em seguir um padrão determinado. Alguns desses folclores – aqui temos a imagem do Saci Pererê, menino deficiente e negro na pobreza – atingem deficiências, determinadas etnias, mentalidades diferentes e justificou as milhares de escravaturas durantes os séculos de história humana. Quem já não ouviu que o lado dos africanos eram o lado de Caim e seus descendentes? Ou foi uma justificativa para endossar a escravatura?

Todas essas coisas que enumerei não foram modos de linguagem apenas, mas, narrativas de justificação desses atos. Não vamos acabar com os milhares de preconceitos no mundo impondo agendas de outras culturas – a maioria das agendas hereditárias são de nações anglo-saxônicas – pois, não cabe na nossa cultura. As falas de Nelson Piquet – sempre achei ele um bosta – são escrotas como sempre foram desde quando me conheço como gente e isso nada tem a ver só com racismo. Tem a ver com a geração dele sempre chamar outro de “neguinho” – que também eu disse muitas vezes na vida – e a nossa cultura ter uma grande dificuldade de mudanças, porque somos um povo acomodado e queremos sempre o mais fácil. E essa “facilidade” sempre reforçou a nossa tendência a corrupção, as inúmeras maneiras de obter vantagens entre outras coisas.

As pessoas tendem refletir pouco e idolatrar muito, militar nunca foi bom para nenhum dos lados.

 

Amauri Nolasco Sanches Júnior – 46 anos, filósofo (bacharelado), técnico de informática e publicitário e escritor do blog Filosofia sobre rodas



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