segunda-feira, 27 de novembro de 2023

Mídias Sociais e Hellraiser - dor e prazer

 





Amauri Nolasco Sanches Junior


Nos primórdios da internet, parecia que o sonho iluminista estava se concretizando na questão do conhecimento. Muito antes dos iluministas, o filósofo Platão (antes dele Sócrates) já dizia sobre o conhecimento (episteme) e como seria importante para chegarmos até a verdade (aretheia) que queria dizer “desocultação” de algo. O conhecimento não poderia ser confundido com informação, porque uma coisa queria dizer uma coisa e outra quer dizer outra e isso tem a ver nas linhas de significado que damos aquilo. Se vimos uma notícia, por exemplo, temos que ler a notícia de modo neutro (epoché) para transformar essa informação em conhecimento ou mera opinião. Digamos que o conhecimento tem embasamento e opinião seria um preconceito daquilo que achamos ser verdade, que na maioria das vezes - com a pressa de responder - prevalece.

Acontece que a devastação das mídias sociais tem a ver com a opinião, simplesmente, do conhecimento. A vida ficou muito mais frenética do que era antes - o capitalismo se adequou com o modo Linkedin de ser - porque a informação está chegando muito mais rápido e assim, o mundo está muito mais ansioso. As seguranças que tínhamos não temos mais e muitas pessoas acham - aprenderam assim com as mídias tradicionais - que vida particular é conteúdo. Poderíamos discutir em um outro momento o que seria conteúdo, porém, por hora, temos que fazer uma análise como as coisas se perderam ao longo da existência do mundo virtual. Onde a moeda de troca, digamos, é a curtida ou a visualização do seu vídeo ou por conta do que as pessoas acreditam ser verdade, ou por conta daquilo que darão prazer para elas. Se antigamente a internet tinha alguns guetos (sim, houve um tempo que a internet tinha guetos) onde exibicionismo, jogos de azar e outras coisas aconteciam, hoje acontece descaradamente na frente de qualquer autoridade. A questão fica bastante controversa chegando até mesmo, ter a promessa de monetização por conta de números exorbitantes de seguidos ou de visualizações (como acontece no Kwai e no TikTok).

Se havia uma esperança que haveria uma maior concentração de conhecimento por causa da internet, as mídias sociais mostraram que só há prazer imediato e ostentação, mostrando que no fundo, é um ponto onde quem tem humilha quem não e ainda, pelos humilhados, são tratados como “deuses”. Nesse ínterim não podemos deixar de comparar as redes sociais como se fossem os cenobitas da franquia Hellraiser, que são seres infernais que são chamados quando alguém mexe com a caixa (Configuração das Lamentações) e invoca a dor e o prazer extremo. Não há outra comparação. Pois, cada um dos cenobitas pode ser uma rede social ou todos podem ser comparados com elas.

No que vimos dentro dessas redes a comparação seria inevitável, por outro lado, não nos apressamos com uma comparação muito restrita. A questão é analisar o que está em uma rede e o porque aquilo seria importante na sua vida, seja em um modo intelectual, seja em um modo prático. Daí a pergunta é: será mesmo que saber onde as pessoas vão ou o que elas estão fazendo estará vinculado com algum conhecimento? O fenômeno da consciência com o objeto passa pelo significado que esse objeto aparece daquilo que foi montado dentro dessa consciência. Abro o Instagram e vejo uma mulher de biquine mostrando a bunda, posso dar um significado de prazer em olhar aquela foto ou posso dizer que a geração nova está degenerada. Mas o significado da foto - que sempre já é uma imagem do passado - pode não ser o mesmo daquele que posta e daquele que vê. Seja lá o que mostra a foto (bundas, peitos, corpos etc) tem a ver com a divulgação de algo muito maior do que a simples postagem. Dai a pergunta <Onlyfans é prostituiçao?> faz sentido na questão da divulgação. Como dizem, para ganhar dinheiro na internet ou criar polêmica (muitas vezes, de pseudoproblemas) ou seja mulher e mostre a bunda.

Inevitavelmente, o feminismo e o machismo se tornou um produto rentável seja na afirmação do homem contra o pseudoempoderamento feminino, seja esse pseudoempoderamento com biquínis e sites da vida. Não resta a menor dúvida. A questão tem que ir em um outro rumo: por que as pessoas se interessam tanto por esse tipo de conteúdo que não tem nada, não agrega nada, e ainda, pagam para ver homens e mulheres pelados? Fora em conteúdos que não trazem conhecimento nenhum e só fazem fomentar a polarização, não fazem as pessoas refletirem e ainda montam um mundo caótico que não existe mais nenhuma solução.

Não tem nenhum problema sair pelado (a) em um site - como o poder do corpo como algo de posse daquilo que é seu - o problema (como tudo que vira “modinha”) é achar que existe só esse meio para ganhar dinheiro ou prestígio (como todo mundo acha). O conteúdo fica pobre, porque não traz nenhum conhecimento importante sobre o que as pessoas podem usar. Que conhecimento poderemos tirar de uma pessoa ir em uma balada? O que posso tirar de conteúdo um corpo nu? So se fizermos um exercício estético do corpo, mesmo assim, depende do momento que a foto é tirada.

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