Amauri Nolasco Sanches Júnior
Quem me acompanha sabe muito bem que fiz tratamento na instituição
AACD (Associação a Assistência a Criança Deficiente [que na época era “defeituosa”])
e que estou cheio de críticas dos anos que estive lá, mas, esse texto não é
sobre a instituição da menininha muletante. A questão é a minha formação como militante e
aquele que sempre lutou e continua lutando, para que as pessoas com deficiência
estejam inclusas dentro da sociedade. Se em pleno 2021 as coisas são difíceis –
porque o Brasil nunca avança – imagina nos anos muito loucos 80. Na verdade, me
lembro que me sentava na minha cadeirinha azul – naquele tempo não tinha
cadeira de rodas para crianças – e via o que eu gostava na televisão, era do
Mario Fofoca ao palhaço Bozo. Conforme eu fui crescendo eu fui mudando meus
gostos e como eu via o mundo – nem percebia minha deficiência – e fui me
moldando.
Meu primeiro contato com a instituição foi em 1982, pois
antes eu fazia tratamento no SESI. Naquele tempo, onde o Brasil estava saindo
de uma ditadura militar, não existiam muitas instituições que tratavam pessoas
com deficiência e isso perdurou até os anos 2000. Porque as medidas da AACD de
acharem ser a “majestade” graças as redes sociais, foras desmascaradas e
devidamente posta em evidências por aqueles que passaram por isso. No mais, se começou
a ser criados medidas de inclusão escolar e medidas para reabilitação. A questão
é, nos anos 80 a instituição ainda recebia bastante isentivo dos vários governos
e que não precisava se preocupar com a concorrência. Então, pelo que me lembro,
entrei nas classes especiais que tinham no colégio Rodrigues Alves aqui na
Avenida Paulista – um colégio, aliás, tombado pelo patrimônio histórico – em 1983,
com mais ou menos, 8 anos de idade (nesse momento sofri minha segunda cirurgia
no joelho). Errei a hora do lanche e quase tomei lanche no meio da aula, quando
as atendentes entravam na classe para ver se alguém queria comprar alguma coisa
na cantina. Comi muito brotinho (fatias de pizza).
Não sinto saudade nenhuma desse tempo, para ser sincero, só alguns
momentos ou algumas pessoas, pois, tive motoristas me enchendo o saco e garotas
me desprezando. Minha pré-adolescência foi muito difícil, mesmo o porquê, tive
minha primeira namorada e mais nada. Na minha cabeça – imatura – se meus amigos
tinham conseguido, por que não eu não iria conseguir? Anos depois, entendi que havia
muito mais em jogo, pois, eu era bonzinho e tímido. Não tinha o ar safado e de espontaneidade
que todo rapaz brasileiro tem. Naquele tempo, o capacitismo era muito forte e uma
menina de 13 ou 14 anos num iria chegar e apresentar um namorado com deficiência,
ou, até mesmo, para sua mãe. Mesmo assim, não via a deficiência como um obstáculo,
mas vi naquele momento uma sociedade utilitarista (onde as pessoas devem ter
utilidade senão deveriam estar em casa) e que via as pessoas com deficiência como
“coitados”. Mas, por outro lado, vi o embrião da luta das pessoas com deficiência
de serem inclusas e vários amigos fizeram palestras ou fizeram manifestos para
garantir nosso direito. Muitos deles tiveram comigo na FCD (Fraternidade Cristã
de Deficientes).
Logo depois eu fui para a OAT (Oficina Abrigada de Trabalho),
onde eu vi que se a sociedade puder, ela realmente, jogara as pessoas com deficiência
num porão. Ganhávamos muito pouco, aprendíamos muito pouco e
ainda, não poderíamos fazer nada. Minha segunda namorada foi lá e a mãe dela
foi a pior experiência que eu tive na minha vida, porque não teve vergonha
nenhuma de impedir de mim entrar na casa dela com minha mãe e com meu irmão levando. Aprendi
que as famílias acham que é um favor deixaram namorar e se você não for
bonzinho, elas não deixam mais. Vi muitos relacionamentos terminarem por causa
desse pensamento, o meu terminou e durante dois anos eu não quis mais nada com ninguém.
Mas, ainda na oficina, vi outra coisa: a censura e o quanto as pessoas acham –
porque esse pensamento ainda não terminou – que estão fazendo um favor fazerem
coisas para nós e não estão, estão exercendo uma profissão. Não podíamos falar
o que pensávamos e nem namorar quem quiséssemos. Como poderíamos ter liberdade lá?
Se hoje eu sou um cara esclarecido foi por causa da minha mãe,
pois minha mãe sempre me isentivou ler e a escrever (até pagou para fazerem uma
antologia num texto meu que nunca chegou até a mim). Meu pai que comprou livros
e meu esforço de estudar assuntos, relativamente, complexos e de dificuldade filosófica.
Hoje estou fazendo bacharelado de filosofia e sou noivo, com um movimento. Não foi
o paraíso e não sinto saudade nenhuma.
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