terça-feira, 20 de setembro de 2022

Política e deficiência – o Crip Camp que nunca tivemos

 

“Era uma utopia. Quando estávamos lá, não havia mundo externo” (Foto: Netflix)




Por Amauri Nolasco Sanches Júnior

 

Lendo uma biografia da Lourdes Guarda – grande iniciadora da luta das pessoas com deficiência – e assistindo o documentário Crip Camp, sempre fiquei em dúvida o porquê o segmento das pessoas com deficiência nunca foi unido. Lá, nos Estados Unidos, com uma cultura mais protestante e liberal, não existem movimentos leigos que possam lutar por inclusão e sim, ONGs que exigem um cadastro diferenciado. Ou, como aconteceu com a FCD (Fraternidade Cristã de Doentes e Deficientes), federações que podem ser como se fossem, ONGs e que poderiam ser cadastradas pelo governo. Isso se agravou com os ataques do 11 de setembro. Já no Brasil e na América Latina, os movimentos podem ser organizados e podem lutar livremente, mas, só como ONG ou Federação, eles recebem recursos para continuarem seus trabalhos. Afinal, nunca movimentos livres tiveram acesso nos Estados Unidos.

Mas, como é mostrado no documentário – a Netflix disponibilizou no YouTube – as pessoas com deficiência de lá, tendem a não se importar em trabalhar ou de ir em camps (acampamentos) para terem a chance de mostrar sua capacidade de independência. A questão sempre foi a liberdade de si mesmo diante a deficiência e não mostrar que poderíamos superar ela, poderíamos mostrar para a humanidade que somos capazes mesmo com pernas ou braços paralisados, ou sem audição e sem visão, ou até mesmo, sem movimento. O conceito de deficiência sempre foi colocado como uma doença, por causa da nossa limitação de andar ou se locomover, assim, as pessoas sempre nos colocaram como sofredoras. Sofrer por não se locomover são coisas diferentes. Por exemplo – para mostrar como essa imagem é tão forte entre a humanidade – que um líder sanguinário e cruel como Hitler, chorou ao assinar o termo de matança de pessoas com deficiência nos hospitais alemães. Biólogos renomados como Richard Dawkins, em 2015, tenham dito que uma mãe ter uma criança com síndrome de Down era desumano. Mas, afinal, o que não se pode assegurar que somos humanos?

Eu entendo esse conceito, pois, sempre nossa cultura internou as pessoas com deficiência em hospitais e – por causa da nossa cultura católica religiosa – ter essa imagem da deficiência como doença. O conceito mesmo da deficiência consiste em não eficiência de certas tarefas – que podem ser adaptadas com a reabilitação – e que isso, não é empecilho para uma vida plena e sociável. No Brasil, por causa da nossa cultura positivista – tudo deve ser feito com especialistas – o médico ou fisioterapeuta, deve ser uma espécie de guru para tudo. Mas, não é bem assim. No próprio documentário, você não vê um acompanhamento contínuo das pessoas com deficiência como aqui. No Brasil – um país do drama – há um exagero. Sempre pessoas não tem a liberdade assegurada, porque se tem a ideia da lentidão de acompanhar certas tarefas e certas coisas.

No próprio livro, muitas pessoas viam aquela mulher na maca – porque Dona Lourdes andava só na maca e nos anos que ia na FCD, pude comprovar – muitas pessoas diziam que era melhor a filha morrer do que ficar daquele jeito ou que, ela estava doente. Por causa da precariedade que sempre foi o Brasil – sendo um país muito mal administrado – a ciência dentro da medicina e o tratamento de certas doenças e deficiências, que na sua maioria, são muito vagabundas. Mas, o porquê esses “vagabundas”? Porque a política precisa de problema, porque ela vive do problema. Por que se inventou em dar, pelo SUS, cadeiras de rodas ou outros aparelhos? Na lógica do mercado, o governo jogaria mais cadeiras de rodas na sociedade, por exemplo, e normalmente, essas cadeiras de rodas iriam abaixar de preço. O mais gozado é que, as cadeiras de rodas nunca são baratas no mundo e governos subsidia muitas delas para baratear esse tipo de produto – de primeira necessidade – e o que acontece, que elas ainda são muito caras. Países pobres – como africanos e a China, por exemplo – esse tipo de item são descartados.

Na essência, a ideia (idea) da inclusão não é deliberar um corpo considerado anormal dentro da sociedade, mesmo o porquê, sempre nascemos dentro dessa mesma sociedade. A questão é a acessibilidade porque tem a ver com a liberdade, porém, liberdade também tem a ver com deveres. Essa questão de inclusão tem dois lados: um de fazer o que quiser (sem violentar o direito do outro) e ter os mesmos deveres que a sociedade impõem para o convívio. Mesmo que você não goste, se você quiser uma inclusão social, você vai ter que aceitar certas coisas que não aceitamos. Nem todo mundo vai aceitar isso sossegado. E por outro lado, se tem que levar a discussão num outro patamar: será que eu devo aceitar a deficiência?

A pergunta de ouro seria: eu sou a deficiência ou eu sou eu mesmo? Pois, a deficiência é uma condição, por outro lado, ela não te define. A definição – como todo ser humano – é que somos pessoas e antes de sermos deficientes, somos pessoas com algumas limitações. Só que essas mesmas limitações não devem atrapalhar a nossa vida, nossos sentimentos ou quem nos define dentro das crenças e nos valores que acreditamos. Afinal, quem somos? Deficientes ou pessoas que estão no mundo para serem felizes e realizarem o que querem?


 

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