sábado, 19 de março de 2022

Como disse Raul: ‘Ah, quantas ilusões’


 Amauri Nolasco Sanches Júnior

 

<<A ideia, imanente à maioria das filosofias e natural para o espírito humano, de possíveis que se realizariam por uma aquisição de existência, é, portanto, pura ilusão. Seria o mesmo que afirmar que o homem de carne e osso provém da materialização de sua imagem percebida no espelho, sob a alegação de que há nesse homem real tudo o que se encontra nessa imagem virtual acrescida da solidez que faz com que possamos tocá-la”>>

 

– Bergson, O Pensamento e o Movente

 

O ser humano como ser-do-mundo é um ser que pensa estar na realidade, mas, o real pode não ser real, só pode ser um ser virtual. Uma maçã, por exemplo, é uma imagem daquela percepção ótica da imagem o que seria uma maçã. Ali nasce o conceito de fruta. Claro, a consciência sabe que aquilo é o objeto maçã, porque temos uma ligação-aprendizado do termo que se chama a fruta e o que essa fruta representa dentro da nossa realidade. Será que a realidade são mesmo percepções dos objetos e seus objetivos? A realidade compõe também valores morais – que são inseridos dentro de uma sociedade – dentro do que a sociedade tem como sentimento coletivo. Ora, vários desses valores morais são valores colocados dentro dessa mesma sociedade, dentro de histórias mitológicas – sim, temos mitos modernos – que são derivadas desses valores. Além do mais, esses valores nem sempre são questionados por que as pessoas não refletem e acham, bastante, confortável acreditarem nesses valores. Na maioria das vezes, são ilusões mitológicas.

Um desses mitos é mito da liberdade. inicialmente, a questão da liberdade sempre foi atrelada na felicidade, pois, ser liberto na realidade é fazer o que se quer e tem vontade. Liberdade, felicidade, realidade e vontade. A vontade tem a ver com a liberdade, pois, se fazemos o que temos vontade, somos felizes. Mas, nem sempre o que queremos estar de acordo com a moral social e essa moral social, também, não está de acordo com a felicidade de cada um. Então, o que fazer? Será que podemos quebrar a moral vigente para predominar a felicidade? São dúvidas feitas por milênios e essas dúvidas são legitimas dentro da filosofia. Mesmo o porquê, Aristóteles dizia que somos animais sociais por sermos racionais e construímos éticas e morais para convivemos com o outro, porém, ao mesmo tempo, procuramos ser feliz. Para o filósofo grego, o mais importante é a amizade, pois ali, estará sempre a felicidade. A busca da felicidade sempre foi a busca de quem somos e o sentido de tudo.

Se Tales de Mileto dizia que a origem de tudo era a água (úmido), Sócrates achava que não adiantaria nada se conhecêssemos a realidade dos objetos e suas origens (e finalidades) e não conhecer a nós mesmos. Mas, o que seria conhecer a nós mesmos? O que significaria conhecer nossa própria natureza? Talvez, Sócrates tenha razão, porque podemos nos conhecer e ainda, conhecer o propósito de uma realidade. Afinal, a inscrição no templo de Delfos era conhecer a si mesmo e assim, conhecer o universo (a realidade) e os deuses (metafisica da origem). Por outro lado, a origem (arké) é um conceito de saber como originaram as coisas, ou, as ideias que fazemos das coisas. Uma arvore não era uma arvore antes do ser humano dar o nome do ser vivo vegetal com um tronco e ramos de galhos e folhas – além de frutos e flores – de arvore. Assim como cavalo não era cavalo no modo selvagem e sim, um ser vivo que corria nas pradarias. As baratas eram insetos que comiam coisas podres antes mesmo que o ser humano existisse ou tivesse nojo delas – por causa da evolução delas e por causa do parentesco delas com os cupins que consomem madeira podre – e então, nossa ideia da realidade tão pouco importa para um universo que pouco importa para nossas opiniões ou teorias.

A questão é sempre – pelo menos para a maioria da humanidade – uma questão imanente (existente) e não transcendente. As pessoas, por medo ou ignorância, nunca querem transcender um conceito porque acham que nunca vão ganhar nada com essa transcendência. Por exemplo, um fiel de uma igreja hoje (leia-se neopentecostal) não quer algo transcende do espírito, pois, a vitória – como eles mesmos dizem – não é a vitória espiritual da religação com o divino, mas a vitória de bens materiais. Isso chamamos de igrejas materialistas. Por quê? Entenderam a questão material do judaísmo muito mais que entenderam a questão espiritual, que uma boa educação e um bom relacionamento com a realidade, poderia ser benéfico tanto num modo material como num modo espiritual. Pois, entender a si mesmo e toda a realidade que nos cerca, sempre é entender o que precisamos para uma vida feliz e não muito material. Afinal, a questão da vitória, sempre tem a ver com a conquista de si mesmo diante dos fatos. Fatos definem a realidade e não coisas.

Quando olhamos uma fotografia, olhamos um momento da realidade, no qual, a fotografia foi tirada. Se tivemos sorte, conseguimos registrar o momento que expressamos algum sentimento. Mas, os fatos dessa fotografia nunca vão ser, totalmente, registrados. São apenas um momento. Um momento nunca vai ser um fato, uma ruptura com um conjunto de acontecimentos que aquilo engloba. Por isso mesmo, como disse Nietzsche, não há fatos eternos como não há verdades absoluta. Não há fatos que se eternizem porque o tempo é contínuo, as verdades de hoje, não serão as verdades do amanhã. A verdade não será, facilmente, alcançada se não transcendemos alguns conceitos linguísticos, conceitos religiosos e conceitos ideológico. 




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