quinta-feira, 3 de março de 2022

O menino alemão da Netflix

 





Faz tempo que não escrevo sobre deficiência e não é para menos, ando desencantado com o segmento e não tenho vontade de escrever sobre o assunto. Mas, dia desses, vi uma amiga mostrar um filme na Netflix – Perdoai-nos as nossas ofensas – sobre nazismo e deficiência. Em apenas 15 minutos você assiste um filme bom e que mostra muito mais do que um de 2 horas – como A Sombra de Stálin que só é mais um romance histórico. A história se passa na Alemanha nazista e aparece um menino sem um dos braços se revoltando contra os nazistas – pelo que entendi, a mãe era a professora – e o clima do curta esquenta, quando ele pergunta se a mãe acredita naquilo tudo e ela diz que é o que mandam ensinar. A SS – a polícia nazista – bate na porta e quer levar o menino, que claro, a mãe protege e manda correr e eles matam a mulher. Em um dado momento, o menino corre, mas é alcançado por um dos homens da SS e ele tenta enforcar o menino por estrangulamento, porém, o menino alcança a arma do homem e o mata e rouba seu sobretudo.

O retrato é muito claro quando você vê a luta entre o menino – sem um dos braços – e o agente da polícia nazista, onde não tinham escrúpulos para seguirem ordens. Relatos informam que agentes da SS jogavam pessoas cadeirantes pela janela dos apartamentos, pegavam crianças com síndrome de down ou outra deficiência cognitiva ou física e, dizendo que iriam tomar banho, elas morriam sufocadas com gás letal e pior, eram cobaias do que ficou conhecido como câmara de gás. O conceito (ou preconceito) nazista era que a deficiência era um fardo a ser radicalizado, pois – antigamente se achava que as deficiências eram hereditárias – não éramos viáveis dentro de uma sociedade e isso foi alimentado com a ideia de que os gregos matavam seus deficientes. A questão é – isso eu vi no canal do Slow – que pesquisas recentes dizem, que não é bem assim que se processava. Existem evidencias até mesmo, um rei espartano com deficiência.

O fato é que, a deficiência sempre foi vista como uma imperfeição porque havia uma ideia, que a deficiência era uma desarmonia do corpo. As doenças são classificadas assim e sem motivo, éramos classificados como pessoas deformadas que não somos felizes, pois, felizes são as pessoas autônomas que não tem nenhum problema de andar. Mas o que é conceito?  Um conceito é a imagem que temos da visão subjetiva de algo, enquanto ter uma ideia, é a visão geral desse algo. Por isso que quando uma pessoa constrói um pré-conceito – que é diferente de discriminação – para montar um conceito que, muitas vezes, está errado. O “coitadismo” da deficiência, é uma visão de séculos que durou ate se descobrir tecnologias que poderiam nos dar conforto e uma vida, mais ou menos, confortável. Cadeiras de rodas. Órteses e próteses. E muitos outros avanços que serão importantes para nossa vida.

De algum modo – isso é bem recorrente não só aqui – esse “coitadismo” perdura e é um atraso em uma outra ideia, é a visão que as pessoas com deficiência não são “coitadas”. O “capacitismo” (o incapaz), pressupõem que nós não temos nenhuma capacidade de fazer as coisas e essas coisas são o que todo mundo faz. Ninguém pode dizer que os nazistas estavam errados, se os ingleses apoiam aborto de crianças com síndrome de down, se muitos países do talibã crianças deficientes são mortas por “piedade”, entre outras coisas que pessoas com deficiência ainda passa na vida. A realidade – enquanto mundo onde se vive – tem suas outras visões, pois, a incapacidade de um ser humano (mesmo com deficiência) não pode ser medido daquilo que se acha que é perfeito ou imperfeito. Mesmo o porquê, o perfeito e imperfeito são medidas artificiais de uma visão muito mais cultural do natural da realidade, onde o perfeito é idealizado como uma forma última e sublime. Mas, existe o perfeito?

A meu ver, o curta nos ensina que mesmo sem o braço, o menino alemão mostrou muito mais bravura.

Amauri Nolasco Sanches Júnior 

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