Nesse blog, eu já discuti a questão das chamadas “web putas”
– termo cunhado por uma delas, para não me chamarem de machista – onde há uma
elite econômica crescendo e elas vão sim, ser a elite do futuro mesmo que a
sociedade não aceite. Mas, vamos nos ater em uma analise muito mais profunda,
do uso de filtros de pessoas com síndrome de Down para vender seus conteúdos
adultos dentro da perspectiva da hiper- sexualização do corpo com deficiência,
que abre um paradoxo muito curioso dentro da nossa cultura: ao mesmo tempo que
há uma infantilização da pessoa com deficiência com sua sexualidade, há ao
mesmo tempo, uma fetichização do corpo deficiente dentro de nichos (o devoteismo
é um deles) onde pode causar um aumento (que já é grande) de casos de assedio e
violência com a pessoa com deficiência.
Mas, temos que entrar primeiro no corpo enquanto existência
e a consciência enquanto ex-sistência. Desde
Descartes com seu axioma famoso “penso, logo sou” (na verdade, a tradução errou
porque é “sou” e não “existo”), temos o corpo como “coisa existente” e a
consciência como “coisa pensante”, onde eu percebo minha existência dentro da
consciência da percepção do existir. Se eu percebo que estou escrevendo esse
texto, é porque estou interagindo com a realidade, sempre sendo cético se
aquilo existe realmente. Na filosofia da deficiência, usamos muito a
fenomenologia de Merleau –Ponty, que discuti muito mais a experiência do corpo.
Pois, Ponty argumenta que o corpo não é apenas um objeto fisco, mas um sujeito
perceptivo que constrói significado através da experiencia sensorial. Ou seja, se
temos um corpo humano que só é “diferente” por causa de uma condição, não
exclui nós como deficientes porque somos um corpo político (social).
Por isso mesmo há um movimento dentro do pensamento de
pessoas com deficiência que é: inclusão é um termo político. Porque acaba
levando na ideia que esse “corpo político” seja um engajamento (Sartre) de
alguma ideologia (como esquerda ou direita), mas, poderemos colocar o “político”
no seu sentido original grego, no sentido de socialização do deficiente como um
corpo social que interage com essa mesma sociedade. Na proposta dentro da
filosofia da deficiência, poderíamos dizer que a discussão se liga em um modelo
social da deficiência, que surgem no foco dos impedimentos individuai para
possíveis barreiras que são impostas pela sociedade. Assim, a inclusão das
pessoas deficiência não seria só uma questão arquitetônica de estruturas
acessíveis, mas o reconhecimento da pessoa com deficiência como um sujeito ativo
na construção social. Isso exige mudar alguns paradigmas.
Daí poderemos dizer que há uma ontologia da deficiência. A
ontologia é um ramo da filosofia que estuda a natureza do ser, da existência e
da própria realidade. Na verdade, ontologia faz parte da metafisica e sempre
vai buscar respostas a pergunta: “o que significa existir?”. Mas dentro da
filosofia da deficiência, pode ir além da visão clínica que pode começar como:
“o que seria o corpo com deficiência?”. Ou seja, na ontologia da deficiência a
busca é a compreensão da deficiência além das condições biomédicas biológicas
ou clínicas, como forma de existência (o ser no mundo) que pode carregar
implicações éticas, políticas e sociais. alguns filósofos – e existem filósofos
da deficiência – tem como argumento que a deficiência deve ser vista como uma
diferença ontológica radical. Filósofos da deficiência como Shelley Tremain e
Robert McRuer, tem como argumento que a ontologia da deficiência pode envolver
uma crítica às formas tradicionais sobre o corpo e a identidade. Eles acham que
de vez de ver a deficiência como um desvio ou uma falta (o corpo perfeito),, pode
ser vista como formas legitimas de existência, reforçando a capacidade de reformular
conceitos como dependência, capacidade e inclusão.
Dito isso, temos que nos perguntar o porquê o corpo com deficiência
tem uma infantilização ou uma visão de doença, como corpos inocentes que (em
tese) podem ser usados com facilidade. E o termo “usado” não é exagero. Quando
começou a campanha “sim, nós fodemos”, minha crítica era a relativização do
sexo como forma de dizer que o corpo com deficiência pode ser “fodido” e então,
pode ser sexualizado à vontade. Há relatos de violência contra mulheres com
deficiência e isso é um fato, dentro desse estereotipo que se criou para dizer
que temos sexualidade – que poderia ser dito em outras formas – se criou uma
gama de fetichização do corpo com deficiência como objeto a ser usado. Isso
pode ser implicado como a sexualização do nosso corpo como forma de
sexualização em um país machista e capacitista.
Ou seja, a hiper-sexialidade dentro da imagem da
deficiência, pode ser um nicho de fetichização (como o devotismo, que em tese,
só tem devoção dentro do corpo com deficiência), mas pode abrir portas perigosas
dentro da realidade. Por que será que as “web putas” se caracterizam de
mulheres ingênuas e que tem caracterizações de “menininhas”? Essa pergunta é
muito importante para refletimos se queremos ser vistos como pessoas – no
sentido de sermos vistos como humanos – ou como objetos? A objetificação do
corpo (como propriedade da minha consciência do eu-no-mundo), seria uma
violação do direito de existir e tem muitas raízes no capacitismo. Pessoas
feias, por exemplo, tinham que aguentar pessoas atirarem objetos em suas faces,
pessoas com deficiência eram estigmatizados como pessoas com demônios ou, eram
exploradas de todo modo (como eram considerados não humanos, poderiam ser
violentados como os animais são ainda hoje).
Amauri Nolasco Sanches
Júnior