Amauri Nolasco Sanches Júnior
Meu primeiro livro com minha nova foi “Liberdade e Deficiência”
que foi bastante significativo e mostra como – eu e ela, de alguma forma –
presamos a liberdade e toda a questão da deficiência enquanto libertar das
amarras sociais. Para entender isso temos que entender duas coisas: (1) o que é
liberdade enquanto seres autônomos? (2) o que seria deficiência como corpo
diferente dos outros seres humanos, por causa de uma condição? Pois, a meu ver,
a deficiência não muda nosso pertencimento da espécie sapiens e não muda nosso DNA.
Será que isso não deve ter gerado tantas lendas?
Quando olhamos o caso de Natalia Grace – que tem um tipo
raro de nanismo – podemos imaginar como humanos pré-históricos olhando crianças
abandonadas com tipos de deficiência como esta e imaginando “seres monstruosos”.
Talvez, isso tenha ficado no inconsciente coletivo como que quem tivesse alguma
deficiência, tivesse alguma “monstruosidade”. Mas, nações gregas – como mostram
pesquisas recentes que geraram bastantes debates – que antes pensávamos que
matariam pessoas com deficiência, poderiam não ter matado. Como pinturas de Hefesto
(o deus coxo da metalúrgica) em cadeira de rodas, nenhum esqueleto deformado
encontrado em poços ou em outros lugares. Ora, então de onde vem a rejeição tão
difundida?
Segundo o documentário “O Curioso caso de Natalia Grace”
podemos destacar que o caso já começa capacitista quando médicos europeus do
interior da Ucrânia (devastada pela Rússia) convencem a mãe biológica a doar
para a adoção. Argumento? Foi: “não jogue sua juventude fora”, ou seja, “sua
juventude” era muito mais importante do que aquele ser humano descartado por causa
da condição de deficiência. Mas, o caso pode ser de puro interesse financeiro
de vender para adoção em nome de uma suposta liberdade como se um ser humano
fosse um ser qualquer (hoje nem animais são tratados assim). Mas, o histórico europeu
transvestido de liberdade liberal – e no fundo, é uma eugenia disfarçada – vem liberando
abortos de crianças com tendencias com Síndrome de Down. Ora, ter tendencia é
ter a probabilidade de ter uma síndrome e não quer dizer, uma certeza.
Isso começou com os latinos, a mãe de Claudio I – padrasto
de Nero – chamava ele de “monstro” ou “estupido” por causa da sua deficiência.
Isso mostra que muitos preconceitos – como a raça superior também veio dos
romanos – vieram de uma visão distorcida estética dentro da ideia de a
felicidade como ter autonomia e corpos perfeitos. Claudio governou Roma aclamado,
mesmo com tal deficiência e isso pode nos trazer pistas, sobre o capacitismo dentro
da estrutura humana dentro do prognóstico de uma cultura nascida em sague e
gloria. Os Estados Unidos da América não é diferente, nasceram de uma insurgência
de libertar o povo da Nova Inglaterra dos impostos abusivos. Mas, dentro da cultura
puritana – radicais protestantes – há uma grande tendencia a moralidade (muitas
vezes, demagógica).
A violência norte-americana não vem só das suas “supostas” intervenções
em nome de uma suposta liberdade. Quando assistimos o documentário e a seria da
Star+, “Uma Família Perfeita”, vimos que a adoção da Natalia Grace foi muito
estranha. Os Barnetts a transformaram em adulta e puseram ela para morar em um
apartamento sozinha, quando tinha 8 anos de idade. Pelas fotos, quem dissesse
que a Natalia fosse adulta, eu diria que tinha grande tendencia de uma deficiência
mental. E há uma coisa bastante interessante, muitas coisas levam que Kristine
Barnett era a grande abusiva da história, que nos traz várias perguntas: por
que a sociedade americana existem tantas pessoas abusivas e de moralismo
exagerado? Como dissemos, há uma forte tendencia dentro de uma tradição de
valores puritanos e individualistas (não longe do utilitarismo), o que poderia
levar a julgamentos severos sobre comportamentos e normas sociais. Outra coisa
é que, o sistema jurídico americano é mediático e frequentemente amplifica
casos polêmicos.
Como as lendas – de anões que são demônios ou pessoas
deformadas com pacto com o demônio – Natalia foi transformada em uma “anã” com
tendencias adultas (como o filme A Órfã) que reforçam as lendas antigas e
medievais. Ou seja, aquela menina é “possuída” – como alguns vizinho do apartamento
diziam dela – e deveria ter tendencia a matar Kristine enquanto ela não vê. Como
dissemos, desde o começo está errado e mostra o capacitismo. Qual candidato a
qualquer governo – seja direita ou esquerda – falam de pessoas com deficiência?
Muito me surpreendeu a família atual de Natalia – que também tem nanismo e
deveria ser a primeira família que deveria ter adotado Natalia – que desconfia de
famílias sem deficiência e que poderia usar esses deficientes como renda extra.
Chocados? Não é novidade na história humana.
Muitas famílias pobres antigas e medievais – até mendigos –
pegavam crianças com deformidade para pedir esmolas em templos (antiguidade) ou
em igrejas (era medieval). A questão vai além do liberalismo econômico e o
capitalismo – como alguns apontam – mas dentro da história com o estereotipo
perfeito e produtivo que não poderia ser de outro modo (dizendo que eram demônios).
Por outro lado, isso vai muito além, pois, temos tendencias biológicas de
rejeitar o diferente como algo que não é da nossa espécie. Além disso, o poder
teve que inserir essas ideias para eliminar corpos ou porque atrasariam o clã,
ou porque não poderiam ser cuidados todo tempo. Só que tem um outro porem,
estamos na era tecnológica onde uma roupa com eletrodos fez uma moça ficar em
pé. Pessoas com Síndrome de Down são jornalistas, são modelos, são pessoas
iguais como humanas e podem trabalhar e produzir quando recebem o tratamento
adequado. O capacitismo nasce de uma visão do corpo como um objeto de autonomia
da consciência, mas além disso, há a visão da deficiência como um corpo não são
(saudável). Ou seja, a deficiência é o caos e o corpo perfeito é a harmonia.
Tenho tendencia de ver uma realidade calcada dentro da fenomenologia
(criada pelo filosofo Edmund Husserl que é muito usada para a filosofia da deficiência),
onde não há consciência sem um objeto. Para Husserl, a consciência é sempre
intencional, ou melhor, ela sempre se dirige a um objeto, seja ele físico,
mental ou mesmo ideal. Nenhuma experiencia consciente existe isoladamente, mas
sempre está relacionada a algo que é apresentado a consciência. Ou seja, em um
contexto da filosofia da deficiência, essa abordagem pode permitir compreender
a vivência subjetiva da pessoa com deficiência, indo além de definições médicas
ou sociais, e focando na forma como o fenômeno da deficiência se apresenta à consciência
do individuo dos outros.
Portanto, liberdade é muito, muito mais do que uma autonomia
do corpo, muito mais do que subir uma escada, saber fazer as coisas. Mas sim,
poder ter adaptações do mundo para fazer essas coisas e respeitar o corpo como
um agente que existe com a realidade e o fenômeno dos objetos. Transformar o
corpo em objeto – usável e descartável – se intensificou com a individualização,
porem, a coletivização – no caso capacitista – não se encontra com tanta diferença
como o individualismo. Falar em deficiência não vende revista ou jornal e ate
mesmo, não dá voto. O caso piora com a polarização.
O caso de Natalia Grace é muito mais do que uma história horrível
e capacitista por natureza, é também uma denúncia a natureza social humana.
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