terça-feira, 27 de maio de 2025

A HIPER-SEXUALIDADE DO CORPO COM DEFICIÊNCIA

 

 





Nesse blog, eu já discuti a questão das chamadas “web putas” – termo cunhado por uma delas, para não me chamarem de machista – onde há uma elite econômica crescendo e elas vão sim, ser a elite do futuro mesmo que a sociedade não aceite. Mas, vamos nos ater em uma analise muito mais profunda, do uso de filtros de pessoas com síndrome de Down para vender seus conteúdos adultos dentro da perspectiva da hiper- sexualização do corpo com deficiência, que abre um paradoxo muito curioso dentro da nossa cultura: ao mesmo tempo que há uma infantilização da pessoa com deficiência com sua sexualidade, há ao mesmo tempo, uma fetichização do corpo deficiente dentro de nichos (o devoteismo é um deles) onde pode causar um aumento (que já é grande) de casos de assedio e violência com a pessoa com deficiência.

Mas, temos que entrar primeiro no corpo enquanto existência e a consciência enquanto ex-sistência.  Desde Descartes com seu axioma famoso “penso, logo sou” (na verdade, a tradução errou porque é “sou” e não “existo”), temos o corpo como “coisa existente” e a consciência como “coisa pensante”, onde eu percebo minha existência dentro da consciência da percepção do existir. Se eu percebo que estou escrevendo esse texto, é porque estou interagindo com a realidade, sempre sendo cético se aquilo existe realmente. Na filosofia da deficiência, usamos muito a fenomenologia de Merleau –Ponty, que discuti muito mais a experiência do corpo. Pois, Ponty argumenta que o corpo não é apenas um objeto fisco, mas um sujeito perceptivo que constrói significado através da experiencia sensorial. Ou seja, se temos um corpo humano que só é “diferente” por causa de uma condição, não exclui nós como deficientes porque somos um corpo político (social).

Por isso mesmo há um movimento dentro do pensamento de pessoas com deficiência que é: inclusão é um termo político. Porque acaba levando na ideia que esse “corpo político” seja um engajamento (Sartre) de alguma ideologia (como esquerda ou direita), mas, poderemos colocar o “político” no seu sentido original grego, no sentido de socialização do deficiente como um corpo social que interage com essa mesma sociedade. Na proposta dentro da filosofia da deficiência, poderíamos dizer que a discussão se liga em um modelo social da deficiência, que surgem no foco dos impedimentos individuai para possíveis barreiras que são impostas pela sociedade. Assim, a inclusão das pessoas deficiência não seria só uma questão arquitetônica de estruturas acessíveis, mas o reconhecimento da pessoa com deficiência como um sujeito ativo na construção social. Isso exige mudar alguns paradigmas.

Daí poderemos dizer que há uma ontologia da deficiência. A ontologia é um ramo da filosofia que estuda a natureza do ser, da existência e da própria realidade. Na verdade, ontologia faz parte da metafisica e sempre vai buscar respostas a pergunta: “o que significa existir?”. Mas dentro da filosofia da deficiência, pode ir além da visão clínica que pode começar como: “o que seria o corpo com deficiência?”. Ou seja, na ontologia da deficiência a busca é a compreensão da deficiência além das condições biomédicas biológicas ou clínicas, como forma de existência (o ser no mundo) que pode carregar implicações éticas, políticas e sociais. alguns filósofos – e existem filósofos da deficiência – tem como argumento que a deficiência deve ser vista como uma diferença ontológica radical. Filósofos da deficiência como Shelley Tremain e Robert McRuer, tem como argumento que a ontologia da deficiência pode envolver uma crítica às formas tradicionais sobre o corpo e a identidade. Eles acham que de vez de ver a deficiência como um desvio ou uma falta (o corpo perfeito),, pode ser vista como formas legitimas de existência, reforçando a capacidade de reformular conceitos como dependência, capacidade e inclusão.

Dito isso, temos que nos perguntar o porquê o corpo com deficiência tem uma infantilização ou uma visão de doença, como corpos inocentes que (em tese) podem ser usados com facilidade. E o termo “usado” não é exagero. Quando começou a campanha “sim, nós fodemos”, minha crítica era a relativização do sexo como forma de dizer que o corpo com deficiência pode ser “fodido” e então, pode ser sexualizado à vontade. Há relatos de violência contra mulheres com deficiência e isso é um fato, dentro desse estereotipo que se criou para dizer que temos sexualidade – que poderia ser dito em outras formas – se criou uma gama de fetichização do corpo com deficiência como objeto a ser usado. Isso pode ser implicado como a sexualização do nosso corpo como forma de sexualização em um país machista e capacitista.

Ou seja, a hiper-sexialidade dentro da imagem da deficiência, pode ser um nicho de fetichização (como o devotismo, que em tese, só tem devoção dentro do corpo com deficiência), mas pode abrir portas perigosas dentro da realidade. Por que será que as “web putas” se caracterizam de mulheres ingênuas e que tem caracterizações de “menininhas”? Essa pergunta é muito importante para refletimos se queremos ser vistos como pessoas – no sentido de sermos vistos como humanos – ou como objetos? A objetificação do corpo (como propriedade da minha consciência do eu-no-mundo), seria uma violação do direito de existir e tem muitas raízes no capacitismo. Pessoas feias, por exemplo, tinham que aguentar pessoas atirarem objetos em suas faces, pessoas com deficiência eram estigmatizados como pessoas com demônios ou, eram exploradas de todo modo (como eram considerados não humanos, poderiam ser violentados como os animais são ainda hoje).

 

 

Amauri Nolasco Sanches Júnior

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