Hoje com o tema da tecnicidade como meio de comunicação –
que pode ser por meio muito mais ampliado – foi muito mais amplificadas com o
advento da internet. Martin Heidegger – morto em 1976 – argumenta em seu famoso
artigo, “A questão da técnica”, que a técnica moderna não apenas é um meio para
fins diversos ou um fazer humano, mas sim uma forma de desvelamento da
realidade. Daí o filosofo alemão introduz no seu pensamento o conceito de engendramento
(Gestelt), que tem o significado que a técnica como uma estrutura da nossa
percepção. Ou seja, tudo se transforma como algo disponível para uso.
A visão de Heidegger é bem clara: ele argumenta que devemos
entender sua essência para evitar que essa técnica nos aprisione em uma visão
utilitária do mundo. Ou melhor, deveríamos saber o que a tecnologia nos pode
beneficiar e compreender que não devemos ser escravos disso. E assim, poderemos
dizer – porque muitos participaram da transição do analógico para a web – que
nossas opiniões e conhecimentos diversos, não podem ser moldados diante da
tecnologia digital e não das big techs. E assim, tomando por base a essência da
tecnicidade como meio e não um fim, poderemos nos perguntar: as big techs são
para todos?
Mas, respondendo a pergunta que deu o nome desse artigo, o
fenômeno das redes sociais ter migrado deum imaginário “tecnoanarquista” para
um possível “tecnofascismo”, seria um resultado de transformações muito
profundas de estruturas e politicas no modo como a tecnologia digital são
desenvolvidas. Nesse contexto, o que Heidegger argumenta da essência dessa
técnica como entendimento para não dominação do ser humano, faz sentido. Assim,
as redes sociais como instrumento – que se aprimoraram com a inteligência
artificial – são utilizadas dentro de diferentes atores de poder. Alimentando
ideologias, ao invés, de fomentar a liberdade.
O “tecnoanarquismo”
foi um termo criado (associado logo depois) nos primórdios da internet, por
causa de um ideal onde a tecnologia digital poderia decentralizar do poder, a
liberdade de expressão irrestrita, a colaboração horizontal e a autonomia dos
indivíduos frente ao ESTADOS e as corporações. Poderia ser chamado como uma
utopia – como pareceu depois que legalistas tomaram o controle da internet – que
previa comunidades autogeridas, transparência radical e à democratização do
acesso à informação. Poderíamos voltar a Platão e nos perguntar: o conhecimento
é para todos? Porque a “democratização” do acesso a internet deixou a internet
com informações sem fontes, deixou opiniões embasadas em preconceitos (eu chamo
de pós-conceitos), e além de tudo, poderemos dizer que a internet começou a ser
uma extensão da TV. Talvez, poderíamos ir muito mais a fundo e investigarmos o
porque que com o tempo, apareceram dinâmicas que favoreceram o oposto disso: o
“tecnofascismo”.
Primeiro, houve mudanças estruturais como as redes sociais
foram construídas com estruturas algorítmicas e centralizadas, pois, as big
techs passaram a controlar grandes fluxos de informações sempre priorizando
assuntos polêmicos, alimentando a polarização e de ódio onde geram mais
engajamento. Duas coisas mexem com o gosto do público: sexo e vida alheia. Mas, tenho convicção que a tecnologia tem um
viés muito mais instrumental do que dominador, porque se as redes sociais têm a
dinâmica de moldar os assuntos, você também pode moldar os algoritmos como
queira. Nesse contexto poderia nos perguntar: por que essa transformação aconteceu?
Já que nos primórdios da internet – que muitos tinham como “coisa de
adolescente” – muitas discussões muito mais profundas aconteciam e tinham muito
mais profundidade intelectual. Sabíamos as fontes.
Mas, ao logo do tempo as estruturas abertas e horizontais
foram cooptadas por muitos interesses econômicos – transformando em um braço do
capitalismo – e político (polarização), que perceberam nas redes sociais meios
mais eficientes de um controle social e manipulação em massa. E isso começa com
a ideia algorítmica da questão de atrair pessoas para aquele assunto, o
marketing tanto empresarial quanto político, usou isso como um meio de levar
ideias sem fontes e produtos que desejamos. Por exemplo, eu como pessoa com
deficiência, posso receber varias publicidade de cadeiras de rodas (motorizadas
ou não), cooptando meu desejo de ter aquela cadeira de rodas ou um meio político
em prol a causa.
Nesse exemplo que eu dei, fica claro que há um direcionamento
de anúncios que pode até parecer útil à primeira vista – afinal, ser sugerido
algo que se encaixa na sua realidade pode facilitar a busca por produtos ou
serviço. Mas há um problema – como toda critica filosófica – esse mecanismo é
explorado sem nenhuma transparência ou sem diversidade de opções, ele pode e
limita, a liberdade de escolha e até pode reforçar a sensação de necessidade ou
desejo artificialmente induzido. Daí poderemos ir além, pois, a promessa de
liberdade se transforma em um instrumento de vigilância e liberdade por causa
da coleta massiva de dados e o poder dos algoritmos passaram a ser usados para
fins autoritários, e não emancipatórios. Indo além, em um olhar mais no viés filosófico,
há uma ironia nessa questão: onde se deveria ser um instrumento de emancipação (pelo
conhecimento) se converte em um agente de poder e manipulação. Isso pode
remeter a críticas clássicas sobre a tecnologia e sociedade, que vai além da
técnica (como a de Heidegger), como as críticas de Foucault fez sobre o
biopoder e controle social.
A estrutura do “tecnofascismo” acontece sem se exigir um
líder central ou uma estrutura organizacional, explorando algoritmos de redes
sociais para acirrar polarizações e manter vigilância constante. Ou seja, as
redes sociais deixaram de ser vistas como ferramenta emancipatória (pelo
conhecimento) e passaram a ser instrumentos de controle, manipulação e
opressão, transformando o sonho tecnoanarquista em um tipo de pesadelo
tecnofascista. E aí temos que trazer para a discussão as críticas do filosofo
Jean Baudrillard onde escreveu e analisou muito a transição entre o mundo analógico
e o mundo digital.
Enquanto Heidegger analisa a técnica como um modo de
revelação do mundo, Baudrillard explora como a sociedade contemporânea se move para
um estado de hiper-realidade, onde as representações substituem o real. Nas
redes, poderemos ver isso se manifestar com a criação de identidades, muitas
vezes, simuladas onde as pessoas constroem versões idealizadas de si mesmas, na
sua maioria, influenciadas por signos (símbolos) e imagens do que pela
realidade concreta. Muitas vezes, levada ao um tecnoideologia onde se criam
símbolos para representar o mundo onde poderíamos idealizar (no modo libertário
da coisa), mas, Baudrillard argumenta que vivemos em um mundo onde os
simulacros não apenas representam a realidade, mas substituem completamente,
tornando difícil distinguir entre o que é verdadeiro (no sentido genuíno) e o
que é apenas uma construção mediática.
Ora, porém tenha colocado
que, muitas vezes, as redes sociais tenha o potencial de criar bolhas
narrativas, a questão da síntese do texto é moldar o algoritmo segundo a tua crença.
E isso remonta a questão da vontade e da indução. Eu chego em um shopping e
tenho vontade de tomar um sorvete, ou eu vou em um famoso que tem milhões na
fila e não consegui nem entrar (por causa da minha cadeira de rodas), ou vou no
que eu tenho mais acesso e não tenho uma fila enorme. Não poderimos escolher dentro da questão das
redes sociais? Por que não poderemos escolher quem sigamos ou informações baratas?
Amauri
Nolasco Sanches Júnior
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