sexta-feira, 23 de julho de 2021

A democracia das aranhas de Machado de Assis

 

 


Amauri Nolasco Sanches Júnior

 

 Imagine uma raça de aranhas que começam a se juntar e um pesquisador descobre sua linguagem e começa a organizar uma sociedade aracnídea e essa sociedade, começa a ter os mesmos problemas que a sociedade humana. Problemas que já eram vistos no passado – principalmente, no Brasil – onde as eleições tinham fraudes, faziam de tudo para ganhar a aranha que comandava uma turma e a urna. Quem seria a aranha tecedeira que seria a Penélope – em alusão a mulher e rainha de Ulisses que teceu um tapete até a volta do marido – à espera de um Ulisses que pudesse ser digno de vencer? Machado de Assis (1839-1908), foi o gênio da escrita e foi um cara que sintetizou a alma humana como ninguém (deu para perceber que Machado tem minha admiração) e no conto “A sereníssima República”, ele faz uma crítica severa a sociedade e uma crítica as ideologias políticas.

Cheguei a esse conto graças a uma palestra da Nova Acrópoles – com a professora Lucia Helena Galvão – que usou viários contos como referência filosófica e um desses contos machadianos, estava esse. Talvez, como mostrou a professora Lúcia Helena, Machado tenha feito uma critica as ideologias e formas de governo dizendo que não importa qual forma de governo ou ideologias seguimos, se não mudarmos a si mesmo não haverá governo nenhum que possa resolver o problema da humanidade. Pois, se prestarmos mais atenção no conto, podemos ver que o conto mostra que as aranhas se esqueceram da sua natureza e ficaram deslumbradas com o poder de comandar a comunidade aracnídea. E esse é o problema, pois, nenhum ser humano vai arrumar um problema que é só seu.

Mas uma coisa é interessante no conto, o pesquisador aprendeu a linguagem das aranhas e implantou a ideologias para elas e elas aprenderam, como um teórico que ensina numa comunidade e depois observa como aquela teoria se comporta. Como se as coisas fossem externas e não, elas são internas e tem a ver com o patrono da filosofia: Sócrates. A filosofia socrática é uma teoria onde a preocupação não é a origem de tudo e sim, a origem de si mesmo para se conhecer para conhecer a verdadeira realidade. Por isso mesmo, Sócrates vai dizer que uma vida que não é examinada não vale a pena ser vivida. O que seria uma vida examinada? Talvez, usando o conto, se a aranhas fossem conhecer a si mesmas e perceber que elas não eram humanas e não tivessem nenhum compromisso social – e não precisariam ter – elas indagariam o pesquisador o porquê ele queria implantar uma coisa humana, numa comunidade de aranhas. Ou acharia estranha essa coisa de democracia que um voto valeria como um e a maioria colocaria um individuo mandando nas outras aranhas, porque o mundo é muito maior para um individuo pode arrumar e comandar outros.

A questão que se levanta – que está até no livro Origem do Totalitarismo de Hannah Arendt – foi a implantação da igualdade como direito universal e insolúvel sendo que cada um tem sua natureza. Todas as tentativas de socialismo (seja de direita ou esquerda) governos totalitários, ditaduras e as democracias liberais (ditas liberais), foram idealizadas em cima da igualdade francesa dos tempos da revolução. Mas, se fomos parar para pensar, o individuo como soberano das suas decisões e da sua própria autonomia não existe mais. Por quê? Porque aconteceu o que aconteceu com as aranhas, sua natureza foi esquecida e o estado ficou o grande provedor daquilo que a si próprio deveria ser o foco da questão. Será que somos livres? Será que podemos escolher mesmo? Será que não somos enganados para trabalhar por uma coisa maior?

Como é demonstrado no conto, a igualdade não existe quando você começa a enxergar cada consciência, cada ser como único que pode mudar a si e a realidade. Pois, não precisamos pregar a igualdade, precisamos ter consciência que não somos aquilo que nos tentam impor.

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