SE O ROCK É
ILEGAL, ME ENFIEM NA PRISÃO!
Amauri Nolasco Sanches Júnior
Quando eu tinha 12 anos de idade, eu ouvi pela primeira vez
uma banda chamada Guns`N Roses e gostei do que ouvi. Músicas barulhentas e que
o ritmo era rápido e sem nenhuma frescura. Eu gosto de músicas que tenham um
ritmo definido e que tenham como pauta, falar a verdade e o que sentimos sem
drama nenhuma. Esse foi meu primeiro encontro com a verdade. Quando eu tinha 21
anos, mais ou menos, eu descobri a filosofia como modo de reflexão e sai de um hiato
que era ser pessoa com deficiência (cadeirante) e perceber minha realidade e tudo
que acontece na minha volta. Foi meu segundo encontro com a realidade. Hoje,
depois dos quarenta e com mais maturidade, percebi o quanto o rock tem a ver
com a filosofia. O quanto as pessoas discriminam o rock – não poderia ser
diferente – por causa do questionamento que as músicas sempre mostram. Não é diferente
na filosofia, sendo ela, questionadora das verdades solidas sociais.
Indo bastante longe, acho que a questão da visão infantilizada
da deficiência vem de uma cultura que sempre nos colocou como pessoas sem consciência.
Não a toa, pessoas com deficiência, por séculos, ou foram exploradas para serem
pessoas pedintes (esmoleiros) ou eram colocados nas diversas casas de caridade.
Só a partir dos anos 80, isso mudou um pouco – descobri que mulheres com deficiência
nos Estados Unidos, estão sujeitas a serem operadas para não terem filhos pela própria
família – quando houve grandes manifestações mostrando que temos sim consciência
daquilo que fazemos. Mas, ainda hoje, muitas pessoas com deficiência são levadas
a terem uma educação religiosa – na maioria dos casos, para serem curados – e que
não tem instrução nenhuma, mesmo que essa deficiência, não tenha nenhuma interferência
na sua escolha cognitiva.
Por que a maioria renuncia à sua liberdade? A questão da
incapacidade começa no hospital, quando o médico (num tom de velório) diz que o
filho do casal tem alguma deficiência. Se começa um processo de culpa e nesse
processo a pessoa começa a se enfiar numa religião, pois, a ciência não dará uma
resposta fácil ou que tenha só uma verdade. A religião sempre vai dizer que é
uma redenção ou uma prova ter um filho com deficiência e assim, eles têm que aceitar
essa pessoa que Deus mandou para eles. Eu não acredito nesse Deus. Mas, sempre
as pessoas com deficiência foram exploradas em nome da fé e isso nem era culpa das
pessoas, mas de uma narrativa da consolação que aliviava a dor de ter um filho
com deficiência. Os próprios acham isso até hoje e se são questionados, dão
respostas prontas e nem mesmo, sabem o que estão dizendo. Ouvem músicas que todo
mundo ouve e segue o que todo mundo segue e isso não agrega nada na vida de ninguém.
E para não questionar, começam a dizer que são ecléticos. Mas,
a meu ver, ser eclético é ser apaziguador. Não vou dizer que não gosto de outros
ritmos, gosto de anos 80 num modo, quase, geral, mas, se tem que ter consciência
de um gosto musical mais teu e não aquilo que impunham. Tirar fotos suas e não fotos
que tiram para você. O gosto é seu, não é de ninguém. E quando começamos a
mostrar que temos gostos próprios, que temos vontade próprias, que temos vontade
de seguir ou não religiões, mostramos que não somos imaturos e que não somos
manipulados, a visão social muda. Cada pessoa (por isso mesmo se colocou pessoa
em primeiro lugar) com deficiência é um indivíduo único e próprio e que deve
ser respeitado como tal. Não se curar de uma coisa que nem doença é – só lembrando
que o pastor Valdomiro é manco – sim, uma limitação que não atrapalha nada a
vida.
Na verdade, eu nunca achei que as pessoas com deficiência deveriam
ser incluídas – mesmo o porquê, pessoas com deficiência são parte da sociedade –
e sim, deveriam ser respeitadas como pessoas. Não nascemos fora da sociedade,
nascemos dentro da sociedade. A questão é sempre uma questão de respeito e
sempre enxergar as pessoas com deficiência como pessoas autônomas, como pessoas
que tem uma consciência e podem pensar por elas mesmas. Não faz mais sentido
essa política de segregação das pessoas com deficiência, mostrando quanto a
nossa cultura é atrasada e por que não, ainda, é uma cultura medievalista e não
moderna. Eu sou a prova viva – e muitos amigos também – que podemos pensar por
nós mesmos e ter nosso próprio gosto. Nossa própria maneira de pensar. Nossa maneira
de agir. Nossa maneira de ter uma espiritualidade própria sem depender da
maioria. Nenhum governo vai dar isso para nós e nenhum governo será capaz de
entender, que uma deficiência nao faz uma pessoa inútil.
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