terça-feira, 13 de julho de 2021

Cadeirante filósofo e roqueiro

 


SE O ROCK É ILEGAL, ME ENFIEM NA PRISÃO!

KURT COBAIN

 

 

Amauri Nolasco Sanches Júnior

Quando eu tinha 12 anos de idade, eu ouvi pela primeira vez uma banda chamada Guns`N Roses e gostei do que ouvi. Músicas barulhentas e que o ritmo era rápido e sem nenhuma frescura. Eu gosto de músicas que tenham um ritmo definido e que tenham como pauta, falar a verdade e o que sentimos sem drama nenhuma. Esse foi meu primeiro encontro com a verdade. Quando eu tinha 21 anos, mais ou menos, eu descobri a filosofia como modo de reflexão e sai de um hiato que era ser pessoa com deficiência (cadeirante) e perceber minha realidade e tudo que acontece na minha volta. Foi meu segundo encontro com a realidade. Hoje, depois dos quarenta e com mais maturidade, percebi o quanto o rock tem a ver com a filosofia. O quanto as pessoas discriminam o rock – não poderia ser diferente – por causa do questionamento que as músicas sempre mostram. Não é diferente na filosofia, sendo ela, questionadora das verdades solidas sociais.

Indo bastante longe, acho que a questão da visão infantilizada da deficiência vem de uma cultura que sempre nos colocou como pessoas sem consciência. Não a toa, pessoas com deficiência, por séculos, ou foram exploradas para serem pessoas pedintes (esmoleiros) ou eram colocados nas diversas casas de caridade. Só a partir dos anos 80, isso mudou um pouco – descobri que mulheres com deficiência nos Estados Unidos, estão sujeitas a serem operadas para não terem filhos pela própria família – quando houve grandes manifestações mostrando que temos sim consciência daquilo que fazemos. Mas, ainda hoje, muitas pessoas com deficiência são levadas a terem uma educação religiosa – na maioria dos casos, para serem curados – e que não tem instrução nenhuma, mesmo que essa deficiência, não tenha nenhuma interferência na sua escolha cognitiva.

Por que a maioria renuncia à sua liberdade? A questão da incapacidade começa no hospital, quando o médico (num tom de velório) diz que o filho do casal tem alguma deficiência. Se começa um processo de culpa e nesse processo a pessoa começa a se enfiar numa religião, pois, a ciência não dará uma resposta fácil ou que tenha só uma verdade. A religião sempre vai dizer que é uma redenção ou uma prova ter um filho com deficiência e assim, eles têm que aceitar essa pessoa que Deus mandou para eles. Eu não acredito nesse Deus. Mas, sempre as pessoas com deficiência foram exploradas em nome da fé e isso nem era culpa das pessoas, mas de uma narrativa da consolação que aliviava a dor de ter um filho com deficiência. Os próprios acham isso até hoje e se são questionados, dão respostas prontas e nem mesmo, sabem o que estão dizendo. Ouvem músicas que todo mundo ouve e segue o que todo mundo segue e isso não agrega nada na vida de ninguém.

E para não questionar, começam a dizer que são ecléticos. Mas, a meu ver, ser eclético é ser apaziguador. Não vou dizer que não gosto de outros ritmos, gosto de anos 80 num modo, quase, geral, mas, se tem que ter consciência de um gosto musical mais teu e não aquilo que impunham. Tirar fotos suas e não fotos que tiram para você. O gosto é seu, não é de ninguém. E quando começamos a mostrar que temos gostos próprios, que temos vontade próprias, que temos vontade de seguir ou não religiões, mostramos que não somos imaturos e que não somos manipulados, a visão social muda. Cada pessoa (por isso mesmo se colocou pessoa em primeiro lugar) com deficiência é um indivíduo único e próprio e que deve ser respeitado como tal. Não se curar de uma coisa que nem doença é – só lembrando que o pastor Valdomiro é manco – sim, uma limitação que não atrapalha nada a vida.

Na verdade, eu nunca achei que as pessoas com deficiência deveriam ser incluídas – mesmo o porquê, pessoas com deficiência são parte da sociedade – e sim, deveriam ser respeitadas como pessoas. Não nascemos fora da sociedade, nascemos dentro da sociedade. A questão é sempre uma questão de respeito e sempre enxergar as pessoas com deficiência como pessoas autônomas, como pessoas que tem uma consciência e podem pensar por elas mesmas. Não faz mais sentido essa política de segregação das pessoas com deficiência, mostrando quanto a nossa cultura é atrasada e por que não, ainda, é uma cultura medievalista e não moderna. Eu sou a prova viva – e muitos amigos também – que podemos pensar por nós mesmos e ter nosso próprio gosto. Nossa própria maneira de pensar. Nossa maneira de agir. Nossa maneira de ter uma espiritualidade própria sem depender da maioria. Nenhum governo vai dar isso para nós e nenhum governo será capaz de entender, que uma deficiência nao faz uma pessoa inútil.

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