domingo, 18 de julho de 2021

Eu, esquerdista?

 


A filósofa Hannah Arendt na década de 1960 (revista Cult)

Amauri Nolasco Sanches Júnior

 

>>>Para ela, povo é aquele movimento social articulado a partir de interesses concretos e definidos, inclusive de classe social, que reage para defender seus direitos quando são atacados – e por isso ela identifica povo com a democracia. Já a ralé, no sentido político, é formada por uma massa de cidadãos de várias classes, alimentados por uma “amargura egocêntrica” que produz uma forma de “nacional tribal” e também o “niilismo rebelde."<<<


Hannah Arendt (1906-1975), filosofa política, no seu livro (muito bom, por sinal), Origem do Totalitarismo, explica o que é a ralé. Na visão da filosofa, a ralé é, fundamentalmente, um grupo no qual são representados todo tipo de resíduo de todas as classes (não tendo uma classe específica). E assim, é muito fácil confundir a ralé com o povo no geral, que também tem uma compreensão de todas as camadas dentro da sociedade. Mas, enquanto o povo, nas várias revoluções luta para colocar um sistema representativo, a ralé branda sempre pelo “homem forte” ou o “grande líder”. Pelo simples fato que a ralé odeia a sociedade da qual é excluída, e odeia o parlamento onde não se sente representada. E quando você lê esse tipo de coisa, se começa entender o que acontece com as discussões políticas hoje, que com os casos de corrupções do governo petista, se formou um antipetismo.

Esse antipetismo despertou os membros da ralé brasileira – que não está preocupado com o Brasil e sim, do seu próprio bem-estar – que não gostam de discutir nada e sim, gostam de achar que um “grande líder” vai resolver o problema de tudo e não vai. Esse fenômeno não é só da direita, mas também está enraizado dentro da esquerda. Tanto, que Arendt denuncia também o governo totalitário soviético stalinista, como algo totalitário e importante para análise mais apurada da questão. Ou seja, não importa o governo ou a direção ideológica que se originou esse governo, quem vai direcionar onde ele vai é o sistema que contrapõem a ideologia, que é dominado pelo estado e o estado que manda no processo. Se o governo é liberal, por exemplo, a parte socialista sempre vai ditar que aquilo tem que continuar ou não, como um sistema que abrange interesses de funcionário e alguns políticos ligados com esses funcionários. E no mais, dentro do estado há um sistema de castas, um sistema que sintonia e sintetiza as diversas posições ideológicas e interesses.

O Brasil, por muito tempo, se criou um sistema de dependência social, porque se queria agradar gregos e troianos. Por exemplo, há uma lei de cotas das empresas para contratarem pessoas com deficiência (de uma forma educativa), mas para não pressionar essas mesmas empresas, se criou o BPC (Benefício de Prestação Continuada) e não se fala mais nisso. A questão não é ser a favor ou não, mas, exigir um respeito e um reconhecimento da capacidade dessas pessoas (no qual, eu me incluo) e que a incapacidade é um mito. Então, houve uma normatização do benefício para não confrontarem, uma burguesia que não entendia, como não entende ainda, que se mede um funcionário com o seu currículo. Não sei se há precedentes culturais, mas o brasileiro ainda se dentem no corpo e como esse corpo é na sua aparência. Mostrando que ainda – coisa que ficou no século dezenove – se baseiam no modo aparente e não no modo comportamental. Assim nasce o preconceito. Assim nasce, também, a ralé que demonstra, total desprezo pela sociedade na qual faz parte.

E nesse sentido, se você faz críticas contra o Bolsonaro (que se diz da direita conservadora) você, automaticamente, ou vira da “direita limpinha” – na qual chamam os liberais – ou esquerdista. Que aliás, o termo esquerdismo vem desde Lenin – sim, tinha um plano de eliminar os esquerdistas russos – e vem sendo usado muito para a direita ralé se identificar como limpinha e ética, só que não. Não há logica nenhuma. A questão que se usa a narrativa ideológica para definir coisas que não deveriam ser definidas tão fáceis assim e nem tão simplistas, pois, ideologias para serem montadas foram exaustivamente, discutidas. Simplificar para alienar.

Mas, a meu ver e está no texto de Arendt, não é só a extrema direita esta a ralé, a extrema esquerda também tem esse tipo de personagem social. Que se coloca como vítima social, não se sente representada por ninguém do parlamento e quer ou espera esse “homem forte” para tirar todo mundo da pobreza. O bolsonarismo, aliás, é um subproduto do lulopetismo e tem em seu cerne o mesmo modo operandi. Apelidos (formas de adjetivação), colocar ações que não aconteceram, o mundo conspira contra o governo que acha que vai resolver todos os seus problemas. Porém, não vai. As pessoas acham que governos ou políticos ficam pensando os problemas 24 horas por dia, mas não ficam e não fazem nenhum esforço para isso. Não importa qual ideologia um governo tenha, o processo político é um processo de negociação e nessa negociação, a parte mais fraca sempre vai ficar de fora. Por que políticas públicas para pessoas com deficiência, por exemplo, demoram tanto? Por que políticas acessíveis não são implantadas de imediato? Porque há acordos e sempre o lado que não aumenta o PIB, que sai da pauta e não interessa qual pauta o governo é.

Portanto, nem sempre quem critica o capitalismo do Brasil (muito atrasado), é um socialista e nem sempre quando você critica a esquerda você é um fascista. No mesmo modo, nem sempre quem critica o bolsonarismo é um esquerdista e nem sempre quem critica o lulopetismo é direitista. As coisas não são tão simples assim, pois, não há uma explicação simples de ideologias tão complexas como esta.

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