A DEFORMIDADE DO CORPO NÃO AFEIA UMA BELA ALMA, MAS A FORMOSURA DA ALMA REFLETE-SE NO CORPO.
SÊNECA
Desde muito cedo – cedo mesmo – nunca entendi essa coisa das
pessoas rejeitarem as outras por causa de corpos. Muito mais tarde, uns
disseram que era um mecanismo biológico para afastar possíveis estranhos do seu
clã ou possíveis predadores, ou até mesmo, era um mecanismo social para renegar
aqueles que não eram aptos a cooperarem com o clã. Seja como for, a questão sempre
foi envolvida da percepção que temos – quero dizer como humano – de ter a consciência
da realidade onde vivemos. Se percebo que aquilo é um celular – percebo, até
mesmo, suas funções – eu tenho consciência que aquilo é um objeto percebido
universalmente. Mas, é um fenômeno dentro da consciência de uma realidade, de
uma verdade de um objeto que tem certo objetivo dentro dessa realidade (como
telefonar, mexer na internet ou mandar mensagem). Por outro lado, existem
conceitos que são subjetivos dentro de um valor seu, pois, o conceito de feio
ou bonito – como imagem do perfeito e do imperfeito – são valores que se
carregam dentro da ótica particular da percepção.
Depois de ver uma reportagem que vi sobre discriminação – discriminação
e preconceito são coisas diferentes – eu vi, na maioria das vezes, pessoas
dizendo se a pessoa (ou o garotinho com síndrome de down), ser feio ou “defeituoso”.
Podemos perguntar: o que é “defeito” num corpo biológico que pode sofrer mutações?
Podemos, através da tecnologia, aumentar nossos olhos e fazer eles muito mais
resistentes ao raio game, ou, podemos evoluir para corpos serem mais resistentes
a radiação, por exemplo. Esse “defeito”, talvez, é a ideia grega antiga que
corpos perfeitos eram corpos em harmonia ou, a ideia moderna do corpo mecânico.
O corpo não é mecânico. O corpo são um amontoado de células que, talvez, começaram
a produzir corpos mais complexos e ter consciência como nós. Não sabemos o porquê
temos essa consciência, mas, temos e temos que usar essa consciência. Não faz sentido
pensar um ser humano só racional, como não faz sentido ser sentimental e ai
que, vamos ver uma sociedade como a nossa, sentimental. Daí vem o cordial que
vem de “corde”, coração em latim. Mas, não temos que nos entregar só ao
sentimento, mas, temos que buscar o equilíbrio entre os dois.
A questão do capacitismo tem um outro, porém. As deficiências
sempre foram tratadas como uma doença, algo a ser escondido ou tolerado e numa
sociedade como a nossa, ainda tem o pensamento que o mundo é um mecanismo, mas não
é. Mecanismos são uma coisa, sistemas biológicos são outra. Ai chegamos numa
coisa interessante, porque no século 20, descobrimos que os corpos não são perfeitos,
a Terra só é mais um planeta, o Sol só é mais uma estrela e não existe uma
moral universal. O nazismo alemão mostrou a falta de uma ética humana e como
ainda, os preconceitos são vivos e podem exterminar pessoas por serem diferente.
Então, não há nenhuma moral universal. Os reacionários são a reação da evolução
de conceitos que não se aplicam mais, mas, ainda são muito caros para eles.
Existe um outro conceito, o que deve ser humano? Um ser
humano é de uma etnia, um modelo corporal, um gênero ou uma aparência ou uma sexualidade?
Voltaire, no seu livro “O preço da justiça”, traz vários casos de pessoas
diferentes que foram condenadas a morte por serem acusadas de demônio ou de
feiticeira. Fora o “hermafrodita” que morreu porque descobriram. E por outro
lado, existem ainda, dentro do Brasil, um reacionarismo que quer resgatar as
escolas filosóficas medievais, pois, mesmo que a nossa filosofia conservadora –
e temos – tenha adotado a ética kantiana, não é de esperar, que ache que temos
que ter uma volta ao modo escolástico. E isso é problemático, porque os jovens,
num modo geral, têm mais facilidade de ser levado por religiões ou conceitos político.
Então, essa coisa de ficar xingando os outros na internet sem um motivo
aparente, mostra como nossa sociedade é um pouco infantilizada. Só ler os comentários
da reportagem do Fantástico. São coisas como “feio”, “não é filho de Deus” etc.
Essa é a domesticação
do corpo de Foucault, onde o outro tem que ter o padrão que eu acho que a
sociedade tem que ter e isso é um problema, pois, biologicamente não se tem um padrão.
Temos o ser humano como protótipo de um conceito de animal consciente, mas, ninguém
é igual nessa consciência. Aliás, a muito tempo, a filosofia denuncia que não tem
nada padrão, nem aquilo que pensamos ser padrão. Então, a padronização acaba sendo
uma crença. Uma certeza que não existe, e por não existir, não tem lógica. Mas o
que seria logica com o corpo do outro? Temos capacidade de julgar o que o outro
é?
Amauri Nolasco Sanches Júnior
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