Amauri Nolasco Sanches Júnior
Muitas pessoas me perguntam o porque eu fui para o lado da filosofia.
Talvez, ninguém faz a mesma pergunta para o meu amigo Dudé que é
músico, ninguém faz a mesma pergunta a minha amiga Lak que é
publicitaria (aliás, eu sou formado também) ou até mesmo, minha
amiga Dariane por administrar uma escola de música e é mãe.
Talvez, se tem uma imagem muito sólida que as pessoas com
deficiência tem que superar sua limitação física e vá para os
esportes, que não tem nenhum problema. O problema é fazer dessa
imagem algo padrão, e poderia encher esse texto de exemplos – até
mesmo, amigos pais de família – de pessoas com deficiência que
não escolheram o esporte e foram para áreas intelectuais e
artísticas. Existe, até mesmo, pessoas com deficiência influencer
que pode fazer um conteúdo bom e com qualidade. Mas, como não
envolve uma “superação” física – que acaba sendo piegas –
não tem visualização e não faz o jornal famoso ter visualizações.
Mas,
voltamos a minha escolha. Eu escolhi a filosofia para entender dois
problemas que foram centrais na minha vida, liberdade e amor. Talvez,
ao me debruçar no tema da liberdade eu tenha me espelhado dentro da
deficiência e os anos que vivi numa instituição famosíssima.
Porque, por eu e muitos outros temos deficiência, temos que ser
vigiados e sermos olhado, como seres que não podemos ter ou fazer
nossas escolhas. Alguns professores, terapeutas ou mães e pais,
podem responder que não sabemos fazer essas escolhas e acabamos
sofrendo. Eu responderia o mesmo que o filósofo francês Sartre, que
somos condenados a termos a liberdade e a liberdade pressupõem arcar
com escolhas. E as escolhas, inevitavelmente, darão ou alegrias ou
tristezas e não somos bonequinhos de porcelana para não sofrer. Até
no banheiro sofremos. Sofremos por não ter as mesmas oportunidades.
Resta aprender a encarar a realidade como ela é e não como se quer
que ela seja. Claro, que não quero dizer que não podemos se
indignar com algumas coisas (como falta de acessibilidade), mas não
achar que somos responsáveis por uma realidade que esta ai há muito
tempo. Minha veia anarquista (sim, sou indiferente ao que determina o
estado) me faz pensar que não importa o certo ou errado, o que
importa é a virtude e a ética. Inevitavelmente, vem a questão
central: o que seria a liberdade? Que, se irmos bem a fundo, todos os
hinos brasileiros dizem. Por outro lado, muitos poucos respeitam.
Além
do mais, a questão do sofrimento está atrelado ao amadurecimento e
como enxergamos o mundo que nos cerca. Se não sofremos, estamos em
uma redoma de vidro. O sofrimento faz parte da vida e a deficiência,
a meu ver, não pode ser encarada como um sofrimento. Mas, liberdade
tem seus desafios e pode trazer felicidade e a felicidade pode trazer
satisfação. Acontece, que nem sempre estamos satisfeitos, como a
música mais famosa dos Rolling Stones, somos seres insatisfeitos.
Mas, além de sermos animais insatisfeitos – porque, temos plena
consciência da realidade que nos cercam – somos animais sociais e
assim, animais morais. Morais no sentido de construir normas para não
acharmos que só nós somos a sociedade, pois, o ser humano é um ser
que cria sua própria realidade. Portanto, além de termos direitos
também temos nossos deveres e os deveres são atos que não ferem ou
tratem o outro com respeito. Muitas pessoas com deficiência esquecem
que se elas tem direitos e devem se envolver com a politica, porque
dentro da politica que nossos direitos estão. Além dos direitos e
deveres – que envolve a politica – esta a liberdade. E a
liberdade se define como aquele que consegue dominar seus
sentimentos, seus pensamentos e a si mesmo e conhecer a si mesmo, e
assim, delimitar seu limite e se conhecer. Mas, liberdade, pode ser
também a capacidade de se decidir a si mesmo para cometer tal ato ou
não agir, ou seja, ou você comete o ato e arca as consequências ou
você não comete ato nenhum.
Junto
com a liberdade vem o amor. Existem varias formas de amar e essas
formas variam e isso é sim, um problema sério dentro da
deficiência. Nossa mãe nos ama, porque não importa como somos,
porque um amor materno é um amor incondicional, não depende de uma
outra coisa. Amizade e amor eros é uma outra coisa. Amizade depende
de ver o outro como um igual, porque a amizade se define como dois
seres que tem os mesmos interesses. Não adianta, amizade também
define com estética. Se esteticamente, você se parece o que todo
mundo é, não vão ter amizade com você. Se você obrigar ter uma
amizade, você está desrespeitando a liberdade do outro. Se queremos
ter amizade verdadeira, temos que entender que a amizade é um amor
que o outro é o fim em si mesmo. Ou seja, não importa se o outro
tem ou não uma deficiência, ele merece ser respeitado como ser
humano. Agora o amor eros e bem mais complicado dentro da deficiência
do que se imagina. Mesmo o porquê, somos herdeiros de uma tradição
católica que trata o amor romântico (ou eros) como uma doença ou
como algo que deve ter filhos e com eles, a responsabilidade de
prover esses filhos. Somos vistos como pessoas inúteis e que não
podemos prover nada, trabalhar em nada e não estudar.
A
questão sempre foi familiar, porque, entre outras coisas, depende de
uma educação que possa retirar esse estigma que pessoas com
deficiência não são inúteis. Que se sua filha chegar com um
cadeirante – ou de outras deficiências – sua filha, ou ate
mesmo, seu filho, não vai ser o “cuidador” dessa pessoa. Uma
deficiência não deveria definir nem se ela pode ou não fazer as
coisas, ou não pode definir nem mesmo caráter. O mundo (leia-se
realidade) não pode ser definido só daquilo que você acha que ele
é, o mundo estava aqui e vai continuar aqui além de você.
Portanto, definir as pessoas daquilo que você acha, não vai fazer o
mundo ético ou não, vai trazer só preconceito e uma visão errada
da realidade. O que os budistas chamam de ilusão. A realidade que se
constrói a partir de um conceito construído dentro daquilo que você
conheceu. E o que você não conheceu? E os seres humanos que não
fazem parte desse padrão?
Por
isso, eu não gosto da pergunta: “você namoraria uma pessoa com
deficiência?”, porque nos coloca como se fossemos muito arquem do
ser humano. Ou seja, se somos pessoas (que são vários eus num corpo
social) então, somos cidadãos de algo maior e temos nosso próprio
eu. E assim, essa pergunta não faz sentido e remete ao capacitismo.
Ora, dai remete ao que chamo de uma visão padrão onde o conceito
cultural se confunde com o nosso conceito. O conceito cultural é
moral, porque pertence a uma sociedade. Um conceito do nosso eu, é
um conceito ético. Na verdade, dentro da filosofia acadêmica, a
ética é a filosofia ou a ciência da moral. Mas, cuidado, moral não
pode ser confundido com moralismo, moral são costumes (dai há um
erro decorrente em colocar como bom ou ruim, porque a moral muda
conforme a necessidade) e moralismo é uma imposição de alguma
ordem moral. O conceito de normalidade – como se o mundo fosse
preto e branco – é um moralismo. Isso está ligado com o conceito
de liberdade, ou seja, o conceito de cada ser humano tem plena
liberdade de escolha desde que não interfira com o outro.
O
capacitismo é um discurso que a normalização estética tem que ser
preservada, porque as pessoas não querem ter “trabalho” (porque
acham que vão ter algum trabalho). Principalmente, quando esse casal
é de cadeirantes. Por que dois cadeirantes não podem se apaixonar e
ter uma relação? E pasmem, já li que muitos cadeirantes não
querem namorar outros cadeirantes para se relacionar, porque
“cadeirante chega ele”. Ou seja, não quer uma relação, quer um
cuidador. Ai é uma escolha, mas uma escolha que reflete dentro da
visão social, porque reforça a imagem que dois cadeirantes não
podem se relacionar. Se somos pessoas, somos seres inseridos dentro
de uma sociedade e assim, podemos amar, podemos ter liberdade e
podemos escolher.
Essa
visão tive depois de entender conceitos muito importantes dentro da
sociedade.