quarta-feira, 23 de junho de 2021

Nirvana e o não-eu

 





Amauri Nolasco Sanches Júnior

Certo dia a muitos anos atrás, meu tio – que é espírita - disse para mim que aqui na cidade grande seria muito difícil meditar e ele não conseguia. Eu acho – não julgando ele – que, as vezes, isso é culpa das escolhas nos levam a conseguir ou não, porque escolhi me importar naquele momento e tirar essa ansiedade que o mundo me colocou. E outra, o que me atrai mais no budismo é o desapego, porque não me apego em nada e a ninguém que não me agrega. Nem ideologias e nem religiões. Presos em prédios e em ideias imbecis que nada agregam a ninguém. Mas, lendo o livro “Por que o budismo funciona?” do escritor e filósofo Robert Wright, descobrir outras afinidades que me fazem refletir se fechamos os olhos para a verdadeira espiritualidade. Porque religiosidade quer dizer uma religação com a conexão com o divino, sem interesses materiais ou interesses de melhora para serem mais sociáveis.

Na essência, nirvana é “o incondicionado”, aquele último estagio que você atinge toda a verdade e a realidade como ela é e não como você idealizou ou que você acha ser bom ou não. O budismo ocidental tirou a ideia do bem e do mal, justamente, pelos julgamentos errados que esses conceitos transformaram as nossas culturas – os países do ocidente – em um verdadeiro inferno. Ou seja, parece que adotamos, mais ou menos, um budismo socrático-platônico. Tanto para Sócrates, quanto para Platão, não existe bem ou mal, e sim, conhecimento e ignorância. Dai que se aproxima bastante da teoria da iluminação de Buda (e de certa forma, ate mesmo de Jesus), porque o mal é apenas a ignorância daquilo que realmente importa dentro da vida, o conhecer. Não a toa, Aristóteles – assumindo a posição do seu mestre Platão – diz que o ser humano é um ser que procura o conhecimento porque tem “sede” do saber. Mas qual é essa “sede” do saber? Qual deveria ser essa procura?

Há vários anos, eu me deparei com meu próprio “mundinho”, porque temos essa tendência de criar bolhas de realidade para se sentimos confortáveis. Minha mãe – que não está mais comigo e foi continuar sua jornada na espiritualidade – sempre dizia que eu tinha um “mundinho” e que eu não via a realidade. A questão é quase um paradoxo. Porque eu posso criar esse “mundinho” como ter uma realidade que não vejo – seja por causa de uma ideologia, ou seja, por uma religião – e não enxerga uma realidade além dessa bolha. Bolhas são o que as mídias sociais usam para prender seus usuários. E outra é o que minha mãe chamava de verdade, e nem sempre é assim, porque mãe tem essa visão preocupada com o filho, ainda mais, com deficiência. Mas, hoje, eu admito que tinha sim um “mudinho”, mas não que minha mãe achava que era ele, e sim, a verdade de perceber como somos presos em imagens por causa de narrativas depreciativas de você mesmo. Não é que porque sou cadeirante, que não posso ter uma vida como todo mundo tem. Tudo pode ser adaptado.

A imagem de pessoas como eu – cadeirante com paralisia cerebral – pode dar uma noção muito grande, como a sociedade se ilude com imagens daquilo que é “normal” e aquilo que não é “normal”. Existem pessoas, porque eu já li, que acha que paralisia cerebral é uma pessoa que não tem capacidade nenhuma de pensar, sentir ou de qualquer coisa além de ser cuidado por outra pessoa. Sou a prova, que não tem nada a ver e existe sim, graus de paralisia cerebral como existem graus de outras deficiências. Não dá para simplificar. Não dá para dar uma explicação fajuta e achar que o mundo gira em torno daquela explicação. Mais ou menos, as filosofias orientais – como o Yoga e o Budismo – trazem como libertar das imagens ilusórias daquilo que é o que é. A deficiência não é a essência de uma pessoa, é uma dificuldade que pode ser de inúmeros graus, mas não torna uma pessoa inútil, ela só precisa de adaptações para fazer o que todo mundo faz. Só olhar como uma pessoa e não como uma deficiência.

Com tudo – continuando o livro – o escritor dá o exemplo da banda Nirvana e que, claro, não alcançou a iluminação. Kurt Coubain levou ao extremo sua dor – quem leu sua biografia sabe, que ele tinha muito mal resolvida a questão da separação dos seus pais – e em 1994, se matou com um tiro na cabeça. Há várias teorias, mas ninguém sabe ao certo, o que aconteceu. Porém, não alcançou sua paz esperada e não teve a satisfação que tanto queria. Talvez, sem nenhum julgamento, ele se iludiu achando que com a banda aquilo não doesse tanto nele, não achasse que o mundo era uma “merda”, não achasse que as pessoas queriam te magoar. Na verdade, a nossa vida inteira as pessoas nos magoam porque temos muitas perspectivas inúteis delas. As pessoas são o que elas são e só. Não tem o que ser ou deixar de ser. Quem é um pai perfeito? Quem é uma mãe perfeita? Quem é o filho perfeito?

Quando achamos que somos perfeitos ai estamos muito longe de ser, porque nada nos faz serem paladinos da moral. Talvez, ninguém tenha chegado no Coubain e dito: “Ei cara, corta a porra do cordão umbilical e sai dessa” ou até mesmo, a questão dele ser mimado tenha agravado, pois, não lhe disseram nunca não (a mãe dele mesmo admitiu). As pessoas estão muito mais sensíveis porque não querem o sofrimento e procuram a felicidade a todo custo, porque não ouvem não, não há nenhum limite.


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