segunda-feira, 7 de junho de 2021

Cruella e La Boétie – o medo da liberdade

 




 

Aquele que tanto vos domina não tem senão dois olhos, duas mãos e um corpo, e em nada difere do homem ordinário de nossas grandes e infinitas cidades, exceto pela vantagem que vós lhes concedeis para vos destruir” 

La Boétie, Discurso da Servidão Voluntária


Não vou dar spoller, mas vou dizer que o filme Cruella (estão pondo os vilões no divã) tem um lado da liberdade, quando ela começa impor sua própria natureza. Isso mesmo. A primeira coisa que devemos nos contestar e impor sempre, é nos examinar e ver quem somos e o porque devemos ser quem a sociedade quer. Foi o que Sócrates e Jesus disseram. A verdade dentro de nós, quando encontrada, sempre deseja a liberdade e não se submete aos outros. Dai entramos no pensador La Boétie e fazer a mesma questão que o historiador Leandro Karnal levantou: por que um só homem pode governar milhões de outros homens? Será que a maioria dos seres humanos não tem medo da liberdade?

Liberdade pressupõem que as pessoas vao ter que se virar e ter que amadurecer ao ponto de não depender nem das outras pessoas, nem de nenhuma crença ao ponto de se sentir num cobertor quentinho. A primeira fala da Cruella no filme é ela dizendo que não era contra a mãe, mas era contra o mundo. Exato. Talvez, Cruella tenha visto o mundo como um lugar hostil e confuso, onde a maioria das pessoas, não querem a liberdade porque tem medo da liberdade. A liberdade faz elas sentirem dor e não trazem nada de confortável para suas vidas, porque não agem como querem, mas o que a maioria quer. Até mesmo La Boétie, era prisioneiro da dualidade do bem e do mal, uma dualidade que separa o ser humano da sua própria responsabilidade de escolher ser servidor ou ser livre das crenças dominantes.

A maioria é prisioneira do poder porque quer. Sabe disso e gosta disso. Quando começamos a questionar um dos lados – esquerda e direita – se começa a dizer coisas que não são verdades. Como disse Kant, as pessoas sempre gostam da minoridade. Da pequenez da consciência que te limita ao ponto de achar que aquilo vai lhe trazer conforto e não vai. Você só é mais um servidor daquilo que o poder fez da sociedade para poder dominar os seres humanos. Crenças não verdadeiras. Ideologias que só fazem é reprogramar o sistema. Ilusões de uma liberdade que não é a liberdade e sim, é uma manipulação do estado. As pessoas não querem se libertar e acham que são libertas. Como disse Sartre, somos condenados a sermos livres. Mas será que essa liberdade existe? Se existir não é através dos outros que vamos encontrar a tal liberdade. E nem confrontando os dois extremos contrários.

Não acredito que a filosofia possa defender um desses lados, porque ela questiona os dois lados e tendo os dois lados como questionáveis, não pode tender a nada. Não posso, como filósofo, negar por negar e sim, colocar como questão a busca da verdade. Mas, o que deveria ser a verdade? Será que ela se encontra dentro dessa realidade? Não. A realidade é muito mais do que isto aqui, a realidade é o acordar de uma caverna escura cheia de sombras e nessas sombras só narrativas que dominam o ser humano. Por que eu tenho que seguir a direita? Por que eu tenho que seguir a esquerda? Por que eu tenho que seguir tal religião? Por que eu tenho que seguir todo mundo? São questões, que talvez, nunca serão respondidas satisfatoriamente.


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