domingo, 13 de junho de 2021

Liberdade, amor e deficiência

 


Amauri Nolasco Sanches Júnior

Muitas pessoas me perguntam o porque eu fui para o lado da filosofia. Talvez, ninguém faz a mesma pergunta para o meu amigo Dudé que é músico, ninguém faz a mesma pergunta a minha amiga Lak que é publicitaria (aliás, eu sou formado também) ou até mesmo, minha amiga Dariane por administrar uma escola de música e é mãe. Talvez, se tem uma imagem muito sólida que as pessoas com deficiência tem que superar sua limitação física e vá para os esportes, que não tem nenhum problema. O problema é fazer dessa imagem algo padrão, e poderia encher esse texto de exemplos – até mesmo, amigos pais de família – de pessoas com deficiência que não escolheram o esporte e foram para áreas intelectuais e artísticas. Existe, até mesmo, pessoas com deficiência influencer que pode fazer um conteúdo bom e com qualidade. Mas, como não envolve uma “superação” física – que acaba sendo piegas – não tem visualização e não faz o jornal famoso ter visualizações.

Mas, voltamos a minha escolha. Eu escolhi a filosofia para entender dois problemas que foram centrais na minha vida, liberdade e amor. Talvez, ao me debruçar no tema da liberdade eu tenha me espelhado dentro da deficiência e os anos que vivi numa instituição famosíssima. Porque, por eu e muitos outros temos deficiência, temos que ser vigiados e sermos olhado, como seres que não podemos ter ou fazer nossas escolhas. Alguns professores, terapeutas ou mães e pais, podem responder que não sabemos fazer essas escolhas e acabamos sofrendo. Eu responderia o mesmo que o filósofo francês Sartre, que somos condenados a termos a liberdade e a liberdade pressupõem arcar com escolhas. E as escolhas, inevitavelmente, darão ou alegrias ou tristezas e não somos bonequinhos de porcelana para não sofrer. Até no banheiro sofremos. Sofremos por não ter as mesmas oportunidades. Resta aprender a encarar a realidade como ela é e não como se quer que ela seja. Claro, que não quero dizer que não podemos se indignar com algumas coisas (como falta de acessibilidade), mas não achar que somos responsáveis por uma realidade que esta ai há muito tempo. Minha veia anarquista (sim, sou indiferente ao que determina o estado) me faz pensar que não importa o certo ou errado, o que importa é a virtude e a ética. Inevitavelmente, vem a questão central: o que seria a liberdade? Que, se irmos bem a fundo, todos os hinos brasileiros dizem. Por outro lado, muitos poucos respeitam.

Além do mais, a questão do sofrimento está atrelado ao amadurecimento e como enxergamos o mundo que nos cerca. Se não sofremos, estamos em uma redoma de vidro. O sofrimento faz parte da vida e a deficiência, a meu ver, não pode ser encarada como um sofrimento. Mas, liberdade tem seus desafios e pode trazer felicidade e a felicidade pode trazer satisfação. Acontece, que nem sempre estamos satisfeitos, como a música mais famosa dos Rolling Stones, somos seres insatisfeitos. Mas, além de sermos animais insatisfeitos – porque, temos plena consciência da realidade que nos cercam – somos animais sociais e assim, animais morais. Morais no sentido de construir normas para não acharmos que só nós somos a sociedade, pois, o ser humano é um ser que cria sua própria realidade. Portanto, além de termos direitos também temos nossos deveres e os deveres são atos que não ferem ou tratem o outro com respeito. Muitas pessoas com deficiência esquecem que se elas tem direitos e devem se envolver com a politica, porque dentro da politica que nossos direitos estão. Além dos direitos e deveres – que envolve a politica – esta a liberdade. E a liberdade se define como aquele que consegue dominar seus sentimentos, seus pensamentos e a si mesmo e conhecer a si mesmo, e assim, delimitar seu limite e se conhecer. Mas, liberdade, pode ser também a capacidade de se decidir a si mesmo para cometer tal ato ou não agir, ou seja, ou você comete o ato e arca as consequências ou você não comete ato nenhum.

Junto com a liberdade vem o amor. Existem varias formas de amar e essas formas variam e isso é sim, um problema sério dentro da deficiência. Nossa mãe nos ama, porque não importa como somos, porque um amor materno é um amor incondicional, não depende de uma outra coisa. Amizade e amor eros é uma outra coisa. Amizade depende de ver o outro como um igual, porque a amizade se define como dois seres que tem os mesmos interesses. Não adianta, amizade também define com estética. Se esteticamente, você se parece o que todo mundo é, não vão ter amizade com você. Se você obrigar ter uma amizade, você está desrespeitando a liberdade do outro. Se queremos ter amizade verdadeira, temos que entender que a amizade é um amor que o outro é o fim em si mesmo. Ou seja, não importa se o outro tem ou não uma deficiência, ele merece ser respeitado como ser humano. Agora o amor eros e bem mais complicado dentro da deficiência do que se imagina. Mesmo o porquê, somos herdeiros de uma tradição católica que trata o amor romântico (ou eros) como uma doença ou como algo que deve ter filhos e com eles, a responsabilidade de prover esses filhos. Somos vistos como pessoas inúteis e que não podemos prover nada, trabalhar em nada e não estudar.

A questão sempre foi familiar, porque, entre outras coisas, depende de uma educação que possa retirar esse estigma que pessoas com deficiência não são inúteis. Que se sua filha chegar com um cadeirante – ou de outras deficiências – sua filha, ou ate mesmo, seu filho, não vai ser o “cuidador” dessa pessoa. Uma deficiência não deveria definir nem se ela pode ou não fazer as coisas, ou não pode definir nem mesmo caráter. O mundo (leia-se realidade) não pode ser definido só daquilo que você acha que ele é, o mundo estava aqui e vai continuar aqui além de você. Portanto, definir as pessoas daquilo que você acha, não vai fazer o mundo ético ou não, vai trazer só preconceito e uma visão errada da realidade. O que os budistas chamam de ilusão. A realidade que se constrói a partir de um conceito construído dentro daquilo que você conheceu. E o que você não conheceu? E os seres humanos que não fazem parte desse padrão?

Por isso, eu não gosto da pergunta: “você namoraria uma pessoa com deficiência?”, porque nos coloca como se fossemos muito arquem do ser humano. Ou seja, se somos pessoas (que são vários eus num corpo social) então, somos cidadãos de algo maior e temos nosso próprio eu. E assim, essa pergunta não faz sentido e remete ao capacitismo. Ora, dai remete ao que chamo de uma visão padrão onde o conceito cultural se confunde com o nosso conceito. O conceito cultural é moral, porque pertence a uma sociedade. Um conceito do nosso eu, é um conceito ético. Na verdade, dentro da filosofia acadêmica, a ética é a filosofia ou a ciência da moral. Mas, cuidado, moral não pode ser confundido com moralismo, moral são costumes (dai há um erro decorrente em colocar como bom ou ruim, porque a moral muda conforme a necessidade) e moralismo é uma imposição de alguma ordem moral. O conceito de normalidade – como se o mundo fosse preto e branco – é um moralismo. Isso está ligado com o conceito de liberdade, ou seja, o conceito de cada ser humano tem plena liberdade de escolha desde que não interfira com o outro.

O capacitismo é um discurso que a normalização estética tem que ser preservada, porque as pessoas não querem ter “trabalho” (porque acham que vão ter algum trabalho). Principalmente, quando esse casal é de cadeirantes. Por que dois cadeirantes não podem se apaixonar e ter uma relação? E pasmem, já li que muitos cadeirantes não querem namorar outros cadeirantes para se relacionar, porque “cadeirante chega ele”. Ou seja, não quer uma relação, quer um cuidador. Ai é uma escolha, mas uma escolha que reflete dentro da visão social, porque reforça a imagem que dois cadeirantes não podem se relacionar. Se somos pessoas, somos seres inseridos dentro de uma sociedade e assim, podemos amar, podemos ter liberdade e podemos escolher.

Essa visão tive depois de entender conceitos muito importantes dentro da sociedade.



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