sábado, 19 de junho de 2021

O tribunal da internet e Sartre

 






Amauri Nolasco Sanches Júnior


“o que você fez daquilo que te fizeram?”

Na verdade, essa pergunta é derivada da frase do filósofo e escritor francês Jean Paul Sartre (1905 – 1980): “Não importa o que fizeram com você. O que importa é o que você faz com aquilo que fizeram com você.”. Mas a pergunta é boa e mostra bastante a filosofia existencialista. O mais engraçado – sendo uma filosofia ateia e cética ao extremo – que tem vários pontos em sintonia com o pensamento budista. Principalmente, na parte que Sartre diz que antes da essência existe a existência. O budismo, nesse ponto, concordaria com Sartre, e diriam que sem uma essência não existe apego. Porque quando desconstruímos tudo que achamos ser verdade – como realidade – começamos a repensar o porque aquilo dizem ser verdade, pois, podem não ser verdade.

Quando dissemos “o fazer”, queremos dizer que algo é feito a partir de uma causa inicial. No sentido de pessoa, “o fazer” tem a conotação moral daquilo que aprendemos o que é o bem ou o que é o mai. Gosto do pensamento de um vilão de um filme que virou meme – no qual, esqueci o filme – que diz que tudo que fazemos o que eles querem viramos heróis, quando fazemos tudo que eles não querem, viramos vilões. Quer dizer que tudo que concordamos com a maioria somos legais e podemos ser “amigo” de todo mundo, mas quando não concordamos, muito poucos vão querer ser seu amigo. Toda as ideologias, todas as religiões e todo conceito humano só é seguido porque se tem um certo interesse envolta disso, pois, nenhum ser humano tem a capacidade de se soltar das coisas que lhe prendem. Todo mundo necessita de um cobertor quentinho para se sentir confortável e tranquilo. Mas e quando esse cobertor quentinho é tirado dele e ele se confronta com a realidade?

Esse “o que fizeram” quando não há nenhum conceito construído a partir de uma construção moral – no sentido de uma realidade artificial – em que ainda há elementos vigentes das formas de ilusões que cercam nossa sociedade. Por exemplo, podemos amar um cachorrinho e tratá-lo como deve ser tratado, com muito amor e carinho. Mas ele não é um ser humano e não faz e nem come coisas de seres humanos – mesmo o porquê o organismo canino é diferente – e não pode ser tratado como um ser humano. Ter respeito por algo é desconstruir dentro de si a ideia que os objetos e o seres – sejam qual forem – são bons ou são maus. Eles apenas são. Quando você constrói todo o conceito de bondade e maldade, você está dando sua essência moral para aquilo e começa a julgar a partir daquilo que acha ser certo ou errado. Mas, o que é certo ou errado? Será que não seria ignorância ou conhecimento?

Sartre diria que é uma questão de má-fé. Sartre constrói esse conceito a partir do pensamento que a má-fé é uma mentira a si mesmo. Por quê? Segundo o filósofo, quem usa esse conceito está mascarando uma verdade muito desagradável ou apresenta como verdade algum erro agradável. Assim, segundo Sartre, a má-fé tem na sua aparência uma aparência de mentira. Só que, e isso muda tudo, na má-fé você esconde a verdade para você mesmo. Como o Cazuza um dia cantou, mentiras sinceras me interessam. Ou seja, você se apega a verdades que você sabe que não é verdade, mas aquilo é agradável para seu próprio ego. Chamar alguém de comunista ou fascista te faz engajado dentro da politica, mas, você mesmo sabe, que nem toda a esquerda é comunista e nem toda direita é fascista. São extremos de ideologias, que na sua essência, nem existem. O verde da nossa bandeira é da realeza dos Bourbons, mas nos ensinaram que era as vastas matas que cobrem nosso território. Preferimos acreditar nessa narrativa.

Por outro lado, segundo a frase do começo do texto, quem é chamado de comunista ou fascista se ofende porque aceita essa falsa verdade e alimenta essa má-fé. Por isso mesmo, Sartre vai dizer que o importante não é você ser chamado de comunista ou fascista ou outra coisa, o importante é aquilo que você faz daquilo que te chamam. Se importar é uma delas. O momento que as pessoas pararem de se importar, aquilo não tem mais importância nenhuma. Ai começamos a entender a pergunta: o que você fez daquilo que te fizeram? Pois, “daquilo que te fizeram” só há má-fé e se há má-fé nunca é a verdade em si mesmo.


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