Há uma herança muito forte dentro da nossa cultura vinda da escolástica. Ora porque fomos colonizados pelos freis da companhia de Jesus, ora porque viemos diretamente das escolas portuguesas no primeiro período da colonização – antes mesmo, do marques de Pombal que introduziu uma escola mais moderna. Mas, essa obsessão religiosa sem o conhecimento religioso, vem de uma cultura – não tão pouco vinda da era medieval – que não se tem nenhuma salvação estudando e adquirindo o conhecimento. Ler e se questionar acaba sendo inútil. Mas acima das culturas e práticas medievais, está o positivismo de Comte, onde não há nenhuma salvação além dos especialistas. Mas, acima ainda dessa questão, nossa cultura prefere muito mais a prática do que a teoria. Nesse fator nos perdemos.
Tendo que responder em um fórum no curso de bacharelado de
filosofia que estou fazendo, as perguntas são direcionadas no que diz respeito
ao ensino de religião nas escolas públicas. Será que seria interessante ter
ensina de religião nas escolas? Qual a religião que será escolhida para ser
ensinada? Daí entra as questões perguntadas dentro da matéria Filosofia da
Religião.
1) O que você acha do ensino religioso escolar? Deve ser confessional?
Temos que entender como nação – não só como cidadão – que
existe várias religiões e pessoas que seguem essas religiões. Claro, que nesse
mesmo contexto, os filhos (pelo menos, num primeiro momento) vai seguir o que
os seus pais seguem. Além do mais, segundo a Constituição de 1988, o Estado
brasileiro é laico para, exatamente, abrigar essas várias religiões que existem
no Brasil. Aliás, o Brasil é muito famoso em ser tolerante com várias religiões
e por não ter guerras ideológica. O fato é que, como todas as áreas humanas,
existem fanáticos que não toleram o diferente. Tudo roda envolta da liberdade. Por
quê? Porque tem a ver com escolhas e as escolhas têm a ver no que estamos
carregando como subjetividade de valores.
Por isso mesmo as pessoas dizem que a religião tem a ver com
a moral, porque ela se liga com os valores que nossos antepassados criaram. No
caso de uma religião, se não concordamos, mudamos de religião e isso vai ser
muito decisório do modo ético que vamos seguir. Acho – como muitos filósofos –
que a questão religiosa tem muito a ver com as conditas morais das pessoas e
como elas se comportam diante da sociedade. Mas, você pode me perguntar: onde
fica Deus nessa história toda? A meu ver, Deus como entidade metafisica – desde
Aristóteles – tem muito mais a ver com a espiritualidade e o mudo que enxergamos
na ótica espiritual.
Deus tem o conceito segundo a sociedade que o interpreta,
mas, a meu ver, seria impossível definir ele de forma exata.
2) O que fazer quando nem todas as confissões religiosas são oferecidas
como ensino nas escolas?
Como disse um pastor num livro que estou lendo – A Religião
dos Primeiros Cristãos de Gerd Theissen – a religião é semiótica e
depende muito dos símbolos e imagens para se sustentar perante a sociedade. Portanto,
quando dissemos que há uma necessidade de se ter religião nas escolas, se estar
dizendo que as religiões devem ser aprendidas. Ora, a pergunta é: qual religião
deve ser aprendida? Pois, há uma grande tendencia do nosso país de ser cristão –
por ser colonizado por uma nação cristã – mas, tem um outro problema, porque há
outras variações cristãs. Quais delas iriam prevalecer? As questões são bastante
complexas.
A questão sempre fica nas entranhas da moral e dos costumes
de um povo. Mas, aqui no Brasil, sempre tendemos a ser universalistas por abrigarmos
milhares de outras religiões e outras culturas, mesmo o porquê, a base colonião
sempre foi cristã. Então, e as religiões africanas? E as mitologias indígenas? Há
questões a serem resolvidas e no ensino das religiões, tendem a ficar de lado
por razões políticas e eleitorais. Quem iria votar em um candidato – sendo
nossa sociedade em maioria cristã – que abra o ensino nas escolas para outras religiões?
3) O ensino religioso nas escolas públicas mantidas pelo Estado
(municipais, estaduais e federais) deve ser obrigatório com a presença
facultativa do aluno como prescreve a Lei vigente?
A meu ver, crianças não deveriam ser expostas a nenhuma religião
até ter idade o suficiente para escolher. O Estado não deveria se meter nas
escolhas individuais, deveria apenas ministrar uma grade que pudesse dar a chance
de ser ensinado o básico. Além, claro, ser ministrado filosofia dentro desse currículo
como a prática de uma ética mais forte – que estamos vendo, está muito
enfraquecida – e, se poderia ensinar filosofia da religião que é muito mais
profundo do que a própria religião.
Ao que parece – e isso é bastante importante – o brasileiro
colocou a responsabilidade da educação em instituições públicas ou não. A ética
e a moral não se aprendem só na religião, se pode ir as igrejas e ter uma vida religiosa
regular e não ter ética, porque a ética tem a ver com caráter. A religião mexe
muito com a moral, pois, a religião tem a ver com comunidade. O coletivo. O caráter
tem a ver muito mais com o indivíduo e seus valores, ou seja, as crianças aprendem
com o exemplo. Daí a educação, pois, educare latino é mostrar a realidade as crianças
e não mostrar o que se quer mostrar dentro de um pensamento restrito. O pensamento
brasileiro é restrito e tem raízes muito antigas que vão muito além do mundo
moderno. Afinal, criamos os filhos para nós mesmos ou para a sociedade?
4) Que impacto o ensino religioso nas escolas pode causar na vida social,
se os conflitos de interesses entre diferentes religiões não são resolvidos?
Não. Porque, inevitavelmente, vai tender favorecer uma religião.
Segundo um livro que estou lendo sobre idade média, o filósofo fala que a própria
igreja católica deixou os reinos laicos. Isso mostra como laicidade não tem a
ver com ateísmo, mas, governos não deveriam ser ligados a alguma religião e ter
liberdade para isso. Não sei se é verdade – mesmo o porquê, vimos várias resoluções
medievais fanáticas – mas, isso mostra que mesmo que a própria religião tenta desvincular,
as pessoas ficam muito ligadas a elas por questões de dependência afetiva. E no
mais – mesmo que seus fundadores eram pacifistas como Buda, Jesus entre outros –
a religião sempre foi levada para a política, sempre foi usada ou para a guerra,
ou foi usada para convencer os mais humildes a fazerem aquilo que não queriam
fazer. Isso tem nada a ver com a existência ou não de Deus.
Aliás, a existência ou não dele, parte da premissa de
acreditar na existência de um ser superior, que está muito acima da nossa
realidade no qual, nos encontramos.
5) De que forma e com qual conteúdo o ensino religioso pode ser ministrado
nas escolas para garantir o diálogo interreligioso e a tolerância religiosa?
Esse “conteúdo” poderia ser um conteúdo universal e ecumênico.
A questão é: sendo ecumênico, será que pais evangélicos vão deixar filhos lerem
ou ver coisas de umbanda ou candomblé? Segundo essa ala do cristianismo – bastante
radical – essas duas vertentes vindas da religião africana (ou matriz afro), são
do demônio como herança de crenças dos senhores do engenho. Suspeito que esse “conteúdo”
vai trazer muito mais discórdia – com a cultura que temos – e vai acentuar que
quem manda nos filhos são os pais. Mas, a educação tem que ser, totalmente,
dada por ele.
Me parece muito curioso quando vimos o brasileiro seguir
aquilo até não mexer nas suas crenças profundas, porque eles não concordam. O grande
problema, na maioria dos casos, é que aquilo que não concordam é a essência do negócio.
No mesmo jeito, iria ser o ensino religioso.
6) Quem e como se deve capacitar e autorizar o professor de ensino religioso
nas escolas públicas?
Essa é a questão – mesmo o porquê, quem iria dar esse tipo
de aula – pois, como disse já, isso deveria ser ampliado com a filosofia da religião.
Fazer discussões interreligiosas, ministrar conteúdos ecumênicos universais,
pesquisar sobre as religiões do mundo. Quem vai se dispor em ministrar uma matéria
tão ampla dentro das escolas, sendo elas, já saturadas com a própria matéria regular?
A educação escolar brasileira é atrasada, pobre, vagabunda e ainda não supre as
grandes tendencias do mercado hoje – pensando em fabricas de trabalhadores ao invés
de construção de cidadãos – porque se tem uma cultura atrasada, onde políticos e
industriais acham que o povo deve ficar ignorante. A questão é muito mais
profunda do que isso.
Amauri Nolasco Sanches Júnior – 46 anos, técnico de informática,
publicitário, filósofo da educação e futuro bacharel em filosofia.
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