Immanuel Kant (1724-1804) viveu num mundo envolvido no iluminismo, onde seu lema era a liberdade e o conhecimento. Muito embora fora criado num lar puritano – que vai marcar muito sua filosofia crítica – Kant teve dois “encantamentos” enquanto estudante. Uma foi a filosofia do filósofo francês Jean-Jacques Rousseau (1712-1778) e o outro, as descobertas cientificas e em especial, da descoberta de Nicolau Copérnico (1473-1543). Por isso, vai chamar sua filosofia, de uma descoberta copernicana da razão. Mas, o que seria a razão?
Se entende como razão uma faculdade de raciocinar,
compreender, julgar e tem a ver com a inteligência. Também, podemos dizer, que
a razão é o raciocínio que conduz a uma indução ou dedução de algo. Segundo a
Wikipédia:
“Razão é a relação existente
entre dois valores de uma mesma grandeza, expressa geralmente como "a para
b", a:b ou a/b, e algumas vezes representada aritmeticamente como um
quociente adimensional das duas quantidades que indica explicitamente quantas
vezes o primeiro número contém o segundo.”
Mas, vários filósofos – incluindo o próprio Kant, de certa
maneira – tem colocado a razão em um pensamento logico que tem a ver com o
pensamento ordenado da matemática. Por outro lado, ter razão de algum assunto é
também ter um raciocínio certo sobre aquilo ou acertar a verdadeira natureza de
algo que condiz com o aspecto intuitivo. Intuímos, pelos meios dos sentidos, se
aquilo é verdade ou não. Porém, os critérios entre a realidade e não realidade
– como verdade ou mentira – são subjetivos e dependem de alguns fatores entre
os valores que carregamos. O sonho iluminista – digamos assim – era que, quando
o ser humano deixasse de seguir ordens religiosas, a razão iria predominar e o
mundo seria muito mais harmonioso e o século vinte provou que não é bem assim. Mesmo
com as ciências – como forma empírica de provar se aquilo é verdade ou não – que
são consideradas formas racionais de se descobrir a verdade, não ficamos livres
do fanatismo e das guerras. Então, será que os iluministas estavam errados?
Hoje – depois de várias pesquisas na área – sabemos, que o
ser humano não usa só a razão para tomar decisões. Certamente, o ser humano usa
o sentimento dando equilíbrio entre a razão e a emoção, que de certa forma,
constrói a ideia da consciência. Existem até mesmo alguns cientistas, que
arriscam afirmar que não haverá meios de ter uma inteligência artificial por
causa da parte sentimental da consciência. Os iluministas pensavam em suas
teorias, que o modo religioso passava muito mais no crivo dos sentimentos do
que no crivo da razão. Por isso mesmo, achavam que com a razão muitas pessoas
ficariam mais sabias e não precisassem de conflitos os mitos. Mas, ainda sim,
há uma coisa bastante interessante no artigo de Kant para responder “O que é o
esclarecimento?”: a liberdade através do esclarecimento.
O esclarecimento é o ato ou efeito de clarear, de explicar o
sentido de alguma coisa. Dar elucidação. Informar. Algum dado educador. Esclarecer,
de algum modo, é educar, dar as novas gerações a noção da realidade e da razão,
mas, para Kant, ate a razão, muitas vezes, não demostra a realidade. Mas, a
outra face do esclarecimento é a liberdade. A questão que permeia a filosofia
é: qual a essência da liberdade? Será que temos mesmo a liberdade? O
esclarecimento não deu uma maior liberdade e nem mesmo, libertou o ser humano
de construir ídolos para serem adorados. A liberdade em si, continua com o mito
da responsabilidade, ou seja, temos que ter tutores até mesmo, quando cogitamos
a liberdade. O ser humano é o único animal que gosta de ser enjaulado, porque
construiu para si mesmo, jaulas morais e jaulas ideológicas. Não que não
devemos ter empatia, mas, não somos responsáveis com as escolhas dos outros em
fazer ou falar aquilo que quiserem. Qual o critério nesse caso? Há algum
critério?
No texto que Kant escreve em resposta a um jornal
Berlinische Monatschrift – em abril de 1783 – que muito biógrafos dizem um ano
depois da pergunta, vai resposta o que seria “Aufklärung”. Uns traduzem como
iluminismo (na maioria dos casos, traduções francesas) outros traduzem como
esclarecimento (como as traduções portuguesas). Esclarecer para Kant, não é só
ficar sabendo de algo – digamos assim – mas, é como se o saber fosse uma
ousadia. Talvez, mais profundamente, a resposta a pergunta fosse “saprere
audi”, o ouse saber. Mas, o que seria ousar saber? Ousar saber é muito mais do
que o conhecimento, é ter coragem de ir mais além do que opiniões alheias. Não
ficar escorado em cima de tutores espirituais, tutores políticos ou outros
tutores que te levam ao abatedouro. O termo “gado” vem daí, vem da analogia de
conduta do gado ao abatedouro e, talvez, eles sabem do seu destino. Por que não
se salvam? Por que não tem consciência? Talvez. Por isso mesmo, Kant vai usar
minoridade ou maioridade – não em questão de idade – para designar aquele que
sabe, mas é cômodo seguir aquilo (por causa da turva), e a maioridade que é
aquele que não vai atras da maioria.
Por que as pessoas vão atras da grande maioria? Para Kant, quem
não consegue se libertar é por causa da “preguiça e a covardia são as causas”,
ou seja, é muito mais cômodo seguir um sacerdote ou um político e não
questionar. O porquê temos que repetir tais palavras? O porquê temos que seguir
tais ideologias? Esse tipo de dogmatismo – que ele queria acabar com a
metafisica religiosa – traz o ser humano no âmbito de seguir sem nenhum
critério. Ou seja, não se tem o critério da razão – pelo menos para Kant – e
ainda, não tem como julgar as questões para seguir ou não. Hoje, como disse,
sabemos que existem muitos outros fatores para a grande massa seguir uma
determinada maioria. Mesmo que as pessoas digam que “fulano não pensa”, mas,
não existe ser humano que não pense. Claro, vimos isso nos movimentos
terraplanistas, os antivacinas ou até mesmo, aqueles que seguem religiões ou
seguem ideologias sem questionar o porquê seguem.
Podemos imaginar – se Kant vivesse na nossa época – se iria
concordar com esses movimentos, pois, para ele, só do fato das pessoas seguirem
outros sem questionar, já seriam pessoas acomodadas e que não vão ousar saber. Saber
não é negar, e nem negar é questionar, é apenas negar sem saber o porquê. A
negação sem questionamento é só um ‘não” vazio, sem proposito, sem um porque de
existir. O próprio Kant vai dizer:
“Sapere aude! Tem coragem de fazer uso de teu próprio entendimento, tal é o
lema do esclarecimento”. Ou seja, ter coragem de usar seu entendimento mesmo
que isso, inevitavelmente, se fique sozinho com sua opinião. Todas as pessoas
que ousam saber, de algum modo, ficam solitárias porque as pessoas não gostam
de pessoas que questionam. Questionar tiram as pessoas da zona de conforto. E
ouso dizer, alguns acadêmicos também não ousam saber, só repetem aquilo que leem,
estando como a maioria, na sua zona de conforto.
Mas, o porquê o ser humano tem essa zona de conforto? Para o
próprio Kant, existe uma acomodação dentro da comodidade de ter tutores (alguém
para se apoiar), mas, há outros fatores que temos que observar que fazem
sentido. Por exemplo, qual a necessidade de se ter ídolos? Por que, ainda hoje,
se tem que seguir algum líder? Alguns antropólogos – estudiosos do ser humano –
acreditam que seguir líderes faz parte da nossa estrutura genética (biologia)
por sermos símios (primatas) e assim, temos que seguir o mais forte. O que
vimos – de certa forma – é que quando somos adolescentes, sempre começamos a seguir
os “populares” e deixando eles como os líderes da turma. Por outro lado –
diferente dos outros primatas – temos consciência da nossa realidade e como as
coisas funcionam. Isso, os outros primatas não tem – até onde saibamos – e que
sempre nos deu uma vantagem evolutiva. A questão é: por que algumas pessoas
usam essa consciência e outras não usam essa consciência? Pois, é inegável que
seres humanos percebem sua realidade e transforme ela ao seu bel prazer. Se isso
é benéfico ou maléfico – num sentido ecológico – é uma outra história, o fato
que temos o poder de mudar nossa realidade e moldar ela como achar necessário para
melhor viver. Kant não sabia disso – viveu no século dezoito – e mesmo assim,
disse que a maioria era acomodada.
Tenho uma hipótese. O ser humano se acomoda porque não sabe
que o destino ele quem faz, porque está preso em amarras morais. Não falo do
moralismo sensual – que faz parte do pacote, mas... – falo das inúmeras propostas
políticas e religiosas, que vendem receitas de viver bem e ser feliz. Ninguém,
hoje em dia, quer sofrer, quer ficar triste ou sozinho refletindo sobre a vida.
Em seu livro A Sociedade do Cansaço, o filósofo sul-coreano, Byung-Chul Han,
vai dizer que estamos numa sociedade imunológica e que se precisa combater o
que acha que é uma doença. Porque não estamos mais em uma sociedade da
disciplina – como idealizou o filósofo francês Michel Foucault (1926-1984) –
mas, numa sociedade do desempenho onde há desenvolvida doenças neurais. As pessoas
querem sempre obter sucesso – mesmo sabendo que aquilo lhe trará doenças – e acham
que vão mudar alguma coisa com isso na vida. Isso mostra – perfeitamente – que as
pessoas mesmo esclarecidas têm que ter coisas a serem seguidas, serem “adoradas”
e isso muda muito pouco.
Então, podemos dizer, que o problema não é o esclarecimento
e sim, o que fazemos com esse esclarecimento. Afinal, mesmo na idade média, os esclarecidos
seguiam ídolos e o poder sem questionar. Medo? As coisas que não podem ser
ditas?
Amauri Nolasco Sanches Júnior
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