Amauri Nolasco Sanches
Junior (aqui)
Nunca na minha vida eu me importei com minha deficiência e
nunca fui tratado como diferente. Tanto é, que quem tentou me tratar como
diferente, teve que aguentar – ou amargar – uma terrível indiferença da minha
parte. Porém, sempre queria que as pessoas ficassem meus amigos ou me
acompanhassem. O fato, que sempre aceitei a deficiência como algo natural em
mim. Algo que eu nasci assim, e fatalmente (como fato irrevogável), vou morrer
assim e nada vai mudar. Sou um estoico nesse aspecto, não vou gastar minha energia
tentando mudar essa minha natureza e nem ligo para isso. Meu pai sim. Quando eu
era criança me levou até em terreiro de candomblé da via esquerda, em um monte
de massagista, em um monte de tratamento. Talvez, por muito tempo, meu pai amargou
uma constatação que não existia Deus (eu não gosto desse termo, porque define
um ser que não tem definição), não existia espíritos, não existia nada. Minha
mãe, já falecida, sempre segurou no fundo do seu coração a sua fé e sempre
achava que eu não era diferente, que eu tinha uma vida e eu tinha que viver ela
da melhor maneira possível. Qual a diferença entre os dois? A crença da
perfeição como realidade. Mas, o que seria realidade? O que seria felicidade? O
que seria a entidade que tanto o ser humano chama de “Deus”? São perguntas que
sempre fazemos na história da nossa deficiência, queiramos ou não.
A questão é tão séria, que fiquei por anos achando que a minha
vida poderia ser isso só. Na adolescência, sempre ela para nos acordar, tive um
“banho” de realidade e todas as meninas que me apaixonava não me davam a
mínima. Minhas namoradas, em sua maioria, sempre tiveram deficiência e a minha
noiva hoje, tem a mesma deficiência que eu. O fato que duas coisas sempre me
incomodaram na sociedade: uma, é que quando saímos para ir ao shopping, pessoas
nos olham como se fossemos alienígenas e não pudéssemos nos beijar (eu beijo
mesmo assim e que se foda). Outra, é as caras e bocas que pais de pessoas com
deficiência cadeirante fazem ao nos verem. Duas, é a maneira de pessoas
religiosas nos abordam, como se precisássemos andar como outras pessoas, para
sermos felizes. Sim, as pessoas
religiosas acham que a felicidade está na perfeição. Daí chegamos aonde queria
chegar, o porquê do texto.
Uma amiga nos mandou um print preocupante, um homem lhe
escreveu que ela (amiga), poderia andar sem as muletas – na verdade, ele
escreveu “cem” e não “sem” que agrava o ocorrido. Porque antigamente, quando
minha falecida avós era viva, os evangélicos tinham que ler e escrever bem,
para não interpretarem errado a bíblia – se ela tivesse fé. Que obsessão pela perfeição, não? Ela respondeu
estar feliz como ela é e não tinha nada de infelicidade, ainda, que achava o
cristianismo lindo, mas, era budista.
Vejam o print:
A questão está na própria origem do cristianismo, que tem o
judaísmo e tem o platonismo. Todo mundo sabe, que historicamente, Jesus de
Nazaré tinha uma família judia que seguia todos os rituais judeus e o próprio Jesus,
foi criado dentro da moral judia. Existem muitas pesquisas que afirmam até, que
o pai de Jesus era rabino além de ser carpinteiro. José era rabino, por causa
que se fosse carpinteiro só, Jesus não poderia entrar nos templos e nem poderia
ler o velho testamento, como leu para os doutores da lei. Todo mundo sabe da
passagem de Jesus com 12 anos de idade. Mas, logo que Jesus foi crucificado e
morto – pelos mesmos que criaram o cristianismo trezentos anos após sua morte –
se criou toda uma maneira de pregar a sua boa nova, que naquele tempo, era
apenas um judaísmo reformado. A história do cristianismo – Cristo vem do grego “kristós”
e quer dizer “ungido” – existe inúmeras e você encontra até mesmo em PDF. O caso,
que sim, o cristianismo vem do judaísmo e herdou algumas características graças
a Paulo (Saulo) de Tarso (cidade grega). Uma delas é que todo “defeituoso” não pode
entrar no altar de Deus, porque ele é um pecador (na idade média, algumas
igrejas afirmavam serem demônios).
Tanto é verdade, que se você for cadeirante ou tiver uma
outra deficiência qualquer, você tem que esperar a permissão do papa para serem padres. É,
realmente, bastante raro ter padres com deficiência, ter pastores com deficiência
(pelo menos aqui) – tirando, lógico, o pastor Santiago – porque, mesmo outras religiões,
tiveram muita influência da igreja católica exatamente, por temos uma cultura católica.
Isso é fato. Mas se você for estudar bastante a fundo o cristianismo, vai notar
que o cristianismo se tornou tudo que Jesus reprovava. Preconceituoso, machista
(quem não tiver pecado, que atire a primeira pedra!), assassino, tirano, fazer
maldade com criança, padres estupravam mulheres por causa da fé (até hoje há sim
isso), interpretações com um viés de interesse. Além que a igreja não “deu de Cesar
o que é de Cesar, a Deus o que é de Deus”, porque se preocupou demais com a sua
posição política e seu poder que durou quase, mil anos (estou contando com a
idade média, porque a igreja como instituição cristã, não é unanimidade no
ocidente mais).
E uma outra coisa que o povo evangélico ainda não percebeu a
influência católica dentro do protestantismo brasileiro – isso é fato – porque não
estuda aquilo que segue e só segue, porque outra pessoa falou para ele seguir. A
questão – que é mostrada com detalhe nesse print da amiga – é que a igrejas evangélicas
brasileiras presam mais qualidade do que qualidade. Não sabem escrever. Só decoram
as coisas. Não explica da onde vem sua igreja. Não sabem nem quem fundou. Portanto,
são católicos reformados, só isso.
Mas não esqueci da influência platônica que veio para o
cristianismo graças a Santo Agostinho (que teve grande influência em Lutero por
ele ser frei agostiniano), porque há uma grande interpretação espiritual dentro
da filosofia platônica. Mas, um único viés tem a ver com a deficiência, a
cidade-estado platônica não pode haver pessoas com defeitos físicos ou que tem deficiência
mental. Poderíamos até “passar pano” para o filósofo Platão dizendo que era a época
dele e que agora, essa filosofia seria descabida. Mesmo o porquê, já tivemos
imperadores romanos com paralisia cerebral (Claudio I), tivemos presidentes
cadeirantes entre outros, que destruíram essa tese grega. Mas, nossa sociedade,
ainda cultiva esse tipo de cultura que as pessoas com deficiência, não são felizes
por serem pessoas que carregam uma deficiência (com o estereótipo de cruz).
Essas imagens de pessoas sofredoras levaram muitas pessoas
com deficiência a morte (como os espartanos e as sociedades antigas), muitas
pessoas com deficiência serem queimados, aprisionados ou humilhados. Já vi
pessoas dizerem que dentro das igrejas evangélicas, há pessoas que ficam
dizendo que o cadeirante não se curou porque não teve fé. Na minha concepção espiritual,
escolhemos nascer com deficiência, nascemos passando por isso. Não acredito em “castigo”
ou que fui um suicida na outra vida, acredito que nascemos assim, vivemos assim
e temos que aceitar a deficiência, ponto. Se não acetar a deficiência, tudo vai
passar de uma discriminação e o “coitadismo” sempre vai pairar na sua vida. Mas,
no caso religioso, ele tem todo o direito de ter a sua religião, o problema, é você
achar que todo mundo deve ter a mesma religião.
A deficiência é um tema que tem um tabu gigantesco dentro
das religiões, mesmo o porquê, a questão religiosa não vê a deficiência como
uma condição humana. Porque a imperfeição é um castigo ou uma prova, mas, nunca
uma natureza corporal, humana. Não estou dizendo que as pessoas ou eu mesmo,
achem que ser deficiente é gostoso, mas, esse papo de dizer que curado você vai
ser feliz, é mentira. O homem que disse aquilo se fosse mesmo feliz, não estava
procurando algo numa religião. Ou estava? Ou ele é feliz num mundo que fez ele
sofrer? Tenho minhas dúvidas.
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