quarta-feira, 4 de julho de 2018

Deficiência e religião – o sonho de um ser humano perfeito





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Amauri Nolasco Sanches Junior (aqui)

Nunca na minha vida eu me importei com minha deficiência e nunca fui tratado como diferente. Tanto é, que quem tentou me tratar como diferente, teve que aguentar – ou amargar – uma terrível indiferença da minha parte. Porém, sempre queria que as pessoas ficassem meus amigos ou me acompanhassem. O fato, que sempre aceitei a deficiência como algo natural em mim. Algo que eu nasci assim, e fatalmente (como fato irrevogável), vou morrer assim e nada vai mudar. Sou um estoico nesse aspecto, não vou gastar minha energia tentando mudar essa minha natureza e nem ligo para isso. Meu pai sim. Quando eu era criança me levou até em terreiro de candomblé da via esquerda, em um monte de massagista, em um monte de tratamento. Talvez, por muito tempo, meu pai amargou uma constatação que não existia Deus (eu não gosto desse termo, porque define um ser que não tem definição), não existia espíritos, não existia nada. Minha mãe, já falecida, sempre segurou no fundo do seu coração a sua fé e sempre achava que eu não era diferente, que eu tinha uma vida e eu tinha que viver ela da melhor maneira possível. Qual a diferença entre os dois? A crença da perfeição como realidade. Mas, o que seria realidade? O que seria felicidade? O que seria a entidade que tanto o ser humano chama de “Deus”? São perguntas que sempre fazemos na história da nossa deficiência, queiramos ou não.

A questão é tão séria, que fiquei por anos achando que a minha vida poderia ser isso só. Na adolescência, sempre ela para nos acordar, tive um “banho” de realidade e todas as meninas que me apaixonava não me davam a mínima. Minhas namoradas, em sua maioria, sempre tiveram deficiência e a minha noiva hoje, tem a mesma deficiência que eu. O fato que duas coisas sempre me incomodaram na sociedade: uma, é que quando saímos para ir ao shopping, pessoas nos olham como se fossemos alienígenas e não pudéssemos nos beijar (eu beijo mesmo assim e que se foda). Outra, é as caras e bocas que pais de pessoas com deficiência cadeirante fazem ao nos verem. Duas, é a maneira de pessoas religiosas nos abordam, como se precisássemos andar como outras pessoas, para sermos felizes.  Sim, as pessoas religiosas acham que a felicidade está na perfeição. Daí chegamos aonde queria chegar, o porquê do texto.

Uma amiga nos mandou um print preocupante, um homem lhe escreveu que ela (amiga), poderia andar sem as muletas – na verdade, ele escreveu “cem” e não “sem” que agrava o ocorrido. Porque antigamente, quando minha falecida avós era viva, os evangélicos tinham que ler e escrever bem, para não interpretarem errado a bíblia – se ela tivesse fé.  Que obsessão pela perfeição, não? Ela respondeu estar feliz como ela é e não tinha nada de infelicidade, ainda, que achava o cristianismo lindo, mas, era budista.  

Vejam o print:



A questão está na própria origem do cristianismo, que tem o judaísmo e tem o platonismo. Todo mundo sabe, que historicamente, Jesus de Nazaré tinha uma família judia que seguia todos os rituais judeus e o próprio Jesus, foi criado dentro da moral judia. Existem muitas pesquisas que afirmam até, que o pai de Jesus era rabino além de ser carpinteiro. José era rabino, por causa que se fosse carpinteiro só, Jesus não poderia entrar nos templos e nem poderia ler o velho testamento, como leu para os doutores da lei. Todo mundo sabe da passagem de Jesus com 12 anos de idade. Mas, logo que Jesus foi crucificado e morto – pelos mesmos que criaram o cristianismo trezentos anos após sua morte – se criou toda uma maneira de pregar a sua boa nova, que naquele tempo, era apenas um judaísmo reformado. A história do cristianismo – Cristo vem do grego “kristós” e quer dizer “ungido” – existe inúmeras e você encontra até mesmo em PDF. O caso, que sim, o cristianismo vem do judaísmo e herdou algumas características graças a Paulo (Saulo) de Tarso (cidade grega). Uma delas é que todo “defeituoso” não pode entrar no altar de Deus, porque ele é um pecador (na idade média, algumas igrejas afirmavam serem demônios).

Tanto é verdade, que se você for cadeirante ou tiver uma outra deficiência qualquer, você tem que esperar a permissão do papa para serem padres. É, realmente, bastante raro ter padres com deficiência, ter pastores com deficiência (pelo menos aqui) – tirando, lógico, o pastor Santiago – porque, mesmo outras religiões, tiveram muita influência da igreja católica exatamente, por temos uma cultura católica. Isso é fato. Mas se você for estudar bastante a fundo o cristianismo, vai notar que o cristianismo se tornou tudo que Jesus reprovava. Preconceituoso, machista (quem não tiver pecado, que atire a primeira pedra!), assassino, tirano, fazer maldade com criança, padres estupravam mulheres por causa da fé (até hoje há sim isso), interpretações com um viés de interesse. Além que a igreja não “deu de Cesar o que é de Cesar, a Deus o que é de Deus”, porque se preocupou demais com a sua posição política e seu poder que durou quase, mil anos (estou contando com a idade média, porque a igreja como instituição cristã, não é unanimidade no ocidente mais).

E uma outra coisa que o povo evangélico ainda não percebeu a influência católica dentro do protestantismo brasileiro – isso é fato – porque não estuda aquilo que segue e só segue, porque outra pessoa falou para ele seguir. A questão – que é mostrada com detalhe nesse print da amiga – é que a igrejas evangélicas brasileiras presam mais qualidade do que qualidade. Não sabem escrever. Só decoram as coisas. Não explica da onde vem sua igreja. Não sabem nem quem fundou. Portanto, são católicos reformados, só isso.

Mas não esqueci da influência platônica que veio para o cristianismo graças a Santo Agostinho (que teve grande influência em Lutero por ele ser frei agostiniano), porque há uma grande interpretação espiritual dentro da filosofia platônica. Mas, um único viés tem a ver com a deficiência, a cidade-estado platônica não pode haver pessoas com defeitos físicos ou que tem deficiência mental. Poderíamos até “passar pano” para o filósofo Platão dizendo que era a época dele e que agora, essa filosofia seria descabida. Mesmo o porquê, já tivemos imperadores romanos com paralisia cerebral (Claudio I), tivemos presidentes cadeirantes entre outros, que destruíram essa tese grega. Mas, nossa sociedade, ainda cultiva esse tipo de cultura que as pessoas com deficiência, não são felizes por serem pessoas que carregam uma deficiência (com o estereótipo de cruz).

Essas imagens de pessoas sofredoras levaram muitas pessoas com deficiência a morte (como os espartanos e as sociedades antigas), muitas pessoas com deficiência serem queimados, aprisionados ou humilhados. Já vi pessoas dizerem que dentro das igrejas evangélicas, há pessoas que ficam dizendo que o cadeirante não se curou porque não teve fé. Na minha concepção espiritual, escolhemos nascer com deficiência, nascemos passando por isso. Não acredito em “castigo” ou que fui um suicida na outra vida, acredito que nascemos assim, vivemos assim e temos que aceitar a deficiência, ponto. Se não acetar a deficiência, tudo vai passar de uma discriminação e o “coitadismo” sempre vai pairar na sua vida. Mas, no caso religioso, ele tem todo o direito de ter a sua religião, o problema, é você achar que todo mundo deve ter a mesma religião.

A deficiência é um tema que tem um tabu gigantesco dentro das religiões, mesmo o porquê, a questão religiosa não vê a deficiência como uma condição humana. Porque a imperfeição é um castigo ou uma prova, mas, nunca uma natureza corporal, humana. Não estou dizendo que as pessoas ou eu mesmo, achem que ser deficiente é gostoso, mas, esse papo de dizer que curado você vai ser feliz, é mentira. O homem que disse aquilo se fosse mesmo feliz, não estava procurando algo numa religião. Ou estava? Ou ele é feliz num mundo que fez ele sofrer? Tenho minhas dúvidas.

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