domingo, 15 de julho de 2018

O deputado profeta que quis curar a dep. Mara Gabrilli – a dicotomia cristã








Um vídeo que vem circulando nas redes sociais, que vem causando bastante espanto, mostra o deputado federal, Cabo Daciolo(Patriotas-RJ), “profetizando” que a deputada do PSDB, e agora candidata ao senado, Mara Gabrilli, iria andar. Sempre lembrando que a deputada é tetraplégica por causa de um acidente de carro. Não há nada de errado você acreditar em alguma religião e respeito muito a religião evangélica, porque a minha vozinha era evangélica, a família da minha noiva é evangélica e a própria Marley, é evangélica. Mesmo ela, quando comentei o fato, me perguntou: “Por que a deficiência incomoda tanto as pessoas? ”. É uma pergunta a se pensar e é uma filha bem nutrido da dicotomia criada dentro da teologia cristã, que na idade média, dominou o ocidente por mil anos: a dualidade.

Essa bipolaridade entre o bem e o mal, surge como uma solução teológica vinda do teólogo e filósofo, Santo Agostinho (354-430), que trouxe do maniqueísmo. Para o criador do maniqueísmo, Manes (séc. III), que viveu e criou sua doutrina da antiga, Pérsia, o mundo tem duas forças, o bem (que poderíamos chamar de Deus), e o mal (que poderíamos chamar de Satanás). Mas, até então, o maniqueísmo era uma religião (se poderíamos chamar de algum tipo de religação) gnóstica, que pregava que o ser humano só poderia ser salvo por causa do conhecimento. Basicamente - porque é bastante longa a explicação – o gnosticismo, ensina que a vida no plante Terra é uma vida dolorosa e muito perversa. Com a iluminação interior, ou gnose, mostra que a alma, que para os gnósticos participam da natureza de Deus, desceu ao mundo maligno da matéria e deve ser salva pelo espirito e pela inteligência.

O grande salvador da verdadeira natureza e do destino da humanidade, é o conhecimento, que seria também, de Deus e do universo; é expressado dentro do maniqueísmo por sua mitologia, segundo o qual, a alma dominada pela meteria maligna (daí vimos de onde vem a questão do materialismo como o mal), se liberta através do espirito. Dentro do maniqueísmo (gnosticismo), existem três estágios: primeiro, o passado, quando estavam (radicalmente, separadas as duas substâncias (espirito e matéria, bem e mal, luz e trevas). Segundo, o presente que corresponde um período intermediário, no qual as duas substâncias são misturadas. E terceiro, o futuro, no qual a dualidade original se estabelece. Assim, na morte, a alma do homem que houvesse superado a matéria iria para o paraíso, se tivesse uma continuação na ligação da matéria pelos seus pecados da carne, seria condenada a renascer em um novo corpo (a reencarnação cármica que vou escrever mais adiante). Foi considerada uma doutrina herética pela igreja cristã, no qual, Santo Agostinho seguiu por muito tempo.

Acontece, que ao mesmo tempo que Santo Agostinho herda algumas características do maniqueísmo, ele combate o maniqueísmo. Porque dentro de qualquer doutrina gnóstica, esse “deus” que criou o mundo e toda a matéria, na verdade, é malvado. Ele foi criado pela Deusa Sophia (sabedoria), que queria conhecer o “deus” que criou tudo e é o verdadeiro bem, mas, ele (Deus), está fora do tempo e do universo e não pode ficar dentro dele. Portanto, o “deus” Demiurgo, na verdade, não é o bem, e sim o mal por ter feito tudo por vaidade (até podemos fazer uma breve ligação do velho testamento). Santo Agostinho nega essa doutrina dizendo que o único Deus é o bem de tudo e não há um outro “deus”, que o mal (prestem bastante atenção), é apenas uma condita maléfica dentro do nosso livre-arbítrio. Ou seja, para Agostinho, não existe o mal como substancia concreta, mas, como vontade perversa do homem enquanto escolha. Vimos isso na frase da sua autobiografia: ““Procurei o que era a maldade e não encontrei substância, mas sim uma perversão da vontade desviada da substância suprema”. Aí chegamos num ponto importante, porque se o pai da igreja cristã, falou de livre-arbítrio e o mal é errar nas escolhas dessa liberdade, por que a igreja hoje prega o mal como uma entidade viva?

O diabo (do latim diabolus, por sua vez do grego διάβολος, transl. diábolos, "caluniador", ou "acusador”), é um título a uma entidade sobrenatural maligna e era um querubim (segundo a tradição judaico-cristã), que era responsável de cuidar do trono de Deus e sentar ao seu lado. Foi expulso do paraíso por causa de seu ciúme (porque era o querubim mais belo do paraíso e o mais querido de Deus), do amor de Deus pelos homens e resolveu tomar o trono de Deus para ser o soberano e destruir a humanidade. O problema que o paraíso como o mundo espiritual não poderia ter uma guerra (já que o espirito é apenas a consciência da matéria pensante e os anjos foram feitos da essência direta de Deus e seu amor), e nem um querubim poderia ter sentimentos tão humanos que poderia ter iniciado uma guerra contra Deus (imagina a desproporção, né?). e outra coisa, isso cria vários paradoxos, como, por exemplo, se Deus sabia do futuro, ele poderia não ter criado esse querubim e ter evitado a guerra, e assim, não ter o mal. Prefiro a explicação que tudo é um TODO.

Depois que a gente fez um resumo da origem do bem e do mal, dentro da igreja cristã (católica e protestante), voltamos a fala do nosso deputado profeta. A minha noiva perguntou: “Por que a deficiência incomoda tanto? ”, e na reflexão dessa pergunta fiz algumas pesquisas e cheguei à conclusão, que estamos regredindo. As igrejas lá fora e a igreja Metodista, tem textos interessantes explicando que pessoas com deficiência (aqui). Cheguei à conclusão que a deficiência incomoda por causa do medo, e também, por causa da ideia de perfeição. As pessoas não querem abrir mão de algumas coisas por causa de pessoas com deficiência, seja numa imprensa, seja num passeio no shopping, seja numa igreja ou em qualquer lugar que passamos. A fala do deputado é a fala de qualquer religioso que se acha no direito de julgar, que ainda acha, que como o judaísmo sempre pregou, a deficiência ser uma maldição e não é. O Eterno, como consciência além do que possamos imaginar, criou tudo como uma unidade e a deficiência e não deficiência, tem que ser experimentada pela alma. Por que? Porque a deficiência (o imperfeito/o material/a substância daquilo que não é) tem que ser experimentada para ser aceita e quebrar o orgulho. Podemos pedir ajuda, podemos ter compaixão, podemos nos sentir muito mais espirituais, muito mais ligados com o Eterno. É o momento, que o espirito aceita as coisas como ela é e não o que elas devem ser, provando a aceitação de si mesmo como perfeição da alma e não a perfeição da matéria. Essas coisas, as religiões cristãs perderam a muito tempo.

Aliás, na verdade, como as religiões tanto judaicas, quanto as religiões cristãs, se tornaram religiões materialistas (nada tem de espirito e sim, de material), abrigaram pessoas que tem medo de fenômenos espirituais. Mas, como os rituais são intensos, as ligações espirituais e os fenômenos acontecem e a maioria não distinguem em fenômenos de sabedoria ou fenômenos de ignorância (não gosto do conceito de superioridade e de inferioridade). Mesmo o porquê, como sou anarquista, eu gosto de muitos conceitos orientais de que toda a realidade pertence a um TODO. Na minha visão (na explicação espiritual da deficiência eu errei, pois, não existe uma deficiência e não deficiência), não existem o bem e o mal, mas, a livre escolha entre caminhos que devemos escolher para ir para a sabedoria ou ficar na ignorância. Ou evoluímos respeitando o outro como é – em aparecia ou em comportamento – ou não vamos poder ir além (transcender), a aparência com a real essência da pessoa em mostrar sua dinâmica da realidade.

Na própria bíblia está em Isaías (45:5 e 7): “Eu sou o senhor e não há nada além de mim”, “Eu formo a luz e crio a escuridão, eu trago a prosperidade e crio a desgraça, eu, o senhor, faço todas as coisas”. Ou seja, não existe duas polaridades e não existe perfeição e imperfeição, porque o cosmo é uma unidade só. Não existe ordem, porque a ordem e a desordem são estados necessários para a evolução da realidade em princípios ativos e não ativos. Portanto, se começamos a acreditar na dualidade, começamos a entra no paradoxo do mal (que Lactâncio atribui a Epicuro, mas, esse paradoxo ou trilema, vem muito antes do filósofo grego). Diz assim: “seria Deus desejoso de prevenir o mal, mas incapaz? Portanto, não é onipotente. Seria ele capaz, mas sem desejo? Então é malévolo. Seria ele tanto capaz como desejoso? Então, por que há o mal? ”. Quem teria feito esse paradoxo, não conhecia a unidade e o erro do ocidente é ter criado a dualidade.

Daí voltamos a pergunta da minha noiva: “Por que a deficiência incomoda tanto? ”. A dualidade também gera a beleza e não beleza, que no fundo, não existe. A felicidade pode transcender o belo (como conceito humano), pode transcender o perfeito, pode transcender o que é certo. Mas, o que seria belo, perfeito e certo? Se o próprio Isaias disse que não há dois Deus, não há duas realidades, não há duas naturezas, então, não há razão da deficiência ser uma maldição do Eterno (muito menos a ideia cármica). Porque a deficiência é uma condição e não um estado, não há razão do Eterno quebrar sua unidade conosco por causa de um corpo deficiente. A felicidade não é e não é feita da perfeição do corpo. Talvez, a deficiência seja um espelho da limitação humana, mas, não limitação da capacidade humana de gerir algo de positivo. A própria deputada foi escolhida da ONU para participar de uma representação das pessoas com deficiência. Portanto, não cabe uma deficiência dizer se uma pessoa é ou não é, mas, o caráter de fazer ou não algo pelo próximo.

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