domingo, 29 de agosto de 2021

Filosofia radical – os antifascistas sendo fascistas?

 


Amauri Nolasco Sanches Júnior 

A filosofia nasce do espanto. Mas não é um espanto qualquer, era o espanto que tinha uma realidade e esta realidade deveria ter um começo ou um proposito. Um porque de tudo existir. Talvez, quando Tales olhou tudo e constatou que tudo continha alguma medida de água (umidade), tenha concluído que tudo poderia vir da água. Hoje sabemos muito bem, que a fórmula da água é H2O, ou seja, sabemos que existe uma molécula de hidrogênio e duas moléculas de oxigênio para existir esse elemento. Seres orgânicos precisam da água – pelo menos os terráqueos – para viverem e ela é essencial para o planeta Terra. Mas, no mundo grego, a água tinha uma simbologia diferente e poderia conter coisas muitos mais místicas do que cientificas, naquela época.

Tales, talvez, olhou insetos aparecerem em poças d`água ou viu larvas de insetos dessas poças e tenha concluído isto. Talvez, ele tenha visto corpos que se decompunham graças a umidade, mas indo além – como ele disse que tudo tem deuses – que alguns objetos tinham vida e outros objetos não tinham vida. Ou a formação só poderia ser consciente. Na verdade, a filosofia já nasceu da incerteza de não sabemos onde e nem o porquê tudo existe. E, no entanto, a filosofia do ser e a filosofia política começa com Sócrates, Platão e Aristóteles. Talvez, Sócrates tenha visto que não adianta saber a origem de tudo se você não sabe de quem é – que de alguma maneira, não sabem até hoje – e, primeiramente, temos que nos conhecer. Platão, pegando sua educação política por ser descendente da família real ateniense, começou um pensamento politico na sua obra A República. E nessa obra se começa a indagação da realidade com o Mito da Caverna. Ai temos que saber, para entender esse mito platônico, que Sócrates foi julgado e morto graças a quebra dessa certeza da mitologia homérica que, naquele momento, era sagrado. O homem foi criado pelo titã Prometeu e dele recebeu o fogo, que por isso, foi punido.

Sócrates não se conformou, mas não renegou nada – essa ideia veio do pensamento iluminista de renegação da religião. Simplesmente, ele não se conformou com uma explicação, pois, achava que o ser humano era um ser que se conformava demais com as narrativas dadas. Aristóteles, de algum modo, vai retomar essa concepção dizendo que a bondade socrática só pode existir se tiver uma ética prática. A ética não pode ser só teórica. Isso, segundo ele, poderia ser visto dentro da amizade e um bom amigo era aquele que poderia querer o bem do outro amigo. Isso é cidadania. Mas, me parece que a filosofia aristotélica, começa a ser explorada e defendida de um modo que o filósofo não concebeu e ao longo dos séculos, foi usada para justificar sempre aquilo que interessava na época.

Quando na França, depois da revolução, quem era contra sentava a esquerda e quem era a favor a direita, era uma separação didática. Que foi usada em demasia dentro da guerra fria e as coisas ficaram como ficaram. Ser de esquerda, basicamente, é ser a favor de mudanças e ser de direita é ser contra essas mudanças. Não há bem, não há mau. Há uma atitude política dentro de mudanças e não mudanças. Só que o pensamento brasileiro – sim, temos um pensamento – é contraditório, porque nossa cultura é uma eterna dialética sem chegar numa síntese e aí chegamos ao porquê desse texto. Pois, se a filosofia não lhe dará nenhuma certeza da realidade, por que se apegar na certeza de se fazer o bem e o que é melhor para o outro? Por outro lado, podemos ver o pensamento contraditório brasileiro vendo anarquistas defendendo socialistas, expulsando pessoas que não concordam, Nietzsche virando ídolo, pessoas achando que liberalismo esta junto com o conservadorismo e que toda a esquerda é comunista.

Ideologias políticas não são fáceis de explicar e pedem muito estudo, não se aprende em usar uma camiseta ou levantar uma bandeira. São só símbolos e não a ideologia em si. Para defender algo com tanto rigor, temos que estudar esse algo, mesmo que, quando for criticar. Ai que esta, se você não conhece, você não tem nenhum elemento de leitura para fazer uma crítica filosófica e uma crítica madura. Começar a colocar adjetivos para a discussão, não é uma discussão madura e não agrega nada e aí que queria trazer a análise muito mais profunda do que chamar o outro de fascista ou de comunista.

Ser expulso de um grupo de Filosofia e História ao fazer uma análise seria sem nenhum viés ideológico, mostra como somos um povo que levamos muito para o lado pessoal. Primeiro, não acho nada em relação ao escritor Olavo de Carvalho, só acho que tirando as teorias da conspiração que ele adora ficar pondo em voga – a maioria vem dos Estados Unidos e são boatos de concorrentes que querem ferrar tal estabelecimento ou são coisas jogadas ao vento para destruir uma ideologia – ele até seria u pensador melhor do que o Paulo Ghiraldelli Jr e isso é fato, pois, pelo menos, o Olavo tem um nicho a explorar. Junto com os chamados filósofos pops – Karnal, Pondé, Clovis de Barros e Cortella – o Olavo escreve a linguagem que se entende como fácil de se entender, não há referências intermináveis como os livros acadêmicos que falam com os acadêmicos. Os filósofos franceses Luc Ferry e André Comte-Sponville tiveram que aprender também.

O fato dele apoiar ou não o governo Bolsonaro é uma outra análise que deveríamos fazer, mas sem adjetivos desnecessários – que acabam banalizando tanto o termo fascismo como o termo comunismo – e com maturidade. O caso é: existe filosofia sem liberdade? Pois, mesmo na suposta democracia ateniense se teve a morte de Sócrates, assim como outros que não puderam expressar seus pensamentos. Será que existe liberdade? Não sei.

sexta-feira, 27 de agosto de 2021

O Instagram de Platão – as Paralimpíadas é uma realidade?

 


foto de Platão criada por ATomasi [Instagram]



Amauri Nolasco Sanches Júnior

 

Dias desses fiquei no meu Instagram vendo alguns stories e quase nenhum – porque pessoas com deficiência, pouco, mas postam – pessoas postarem sobre as Paralimpíadas. Por que as pessoas postam a hashtag da moda ou jogos olímpicos, mas os paralímpicos não? Talvez, o medo ancestral de se deparar com a fraqueza humana esteja nessa questão que a mídia – grande defensora das minorias – não repercutiu tanto. Quando é contra minorias que tem grande destaque – como os LGBT ou os negros – todo mundo mostra e posta algo como se fosse uma guerra. Não que não temos que rechaçar qualquer preconceito, mas aí mostra quem é ativista e quem só quer “surfar” na onda daquele momento.

Eu desconfio daquelas pessoas que postam sobre o Teleton ou aquelas pessoas que ficam indignadas porque um motorista passou por cima de um gatinho no meio da rua. Isso é um arranca like e atrai um marketing pessoal muito grande. Veja, nada tenho contra marketing pessoal, o problema é ser verdadeiro naquilo que você é ou aquilo que você quer parecer que é. Sempre acaba sendo uma questão de linguagem, porque a realidade e os fatos que compõem essa realidade, são apenas um modo dessa linguagem. Por isso esta na moda o pessoal dizer que tudo não passa de narrativas – qualquer fato histórico acaba sendo uma narrativa – porque o discurso pode convencer aqueles que não tem tanto conhecimento.

Isso me lembra o mito da caverna – que foi sintetizado no filme Matrix – onde seres humanos nascem numa caverna acorrentados e sua realidade vai sendo moldadas por sombras produzida por outras pessoas. Será que toda a realidade é o que pensamos ser ou são as sombras que ensinam que são realidade? Ai está a cerne da ideia que Platão nos colocou, porque ate mesmo dentro da caverna existiam os teóricos das sombras que queriam explicar o que seriam essas sombras. Aliás, a pergunta “o que é a realidade?” foi a pergunta que começou toda a história filosófica, porque algumas pessoas se espantaram com descobertas que as certezas de crenças não deixavam enxergar. Mas, mesmo com essa indagação sobre a realidade, o ser humano ainda insiste em ter certezas de que não sabe ser a verdade, pois, a verdade só pode ser alcançada pele excelência.

Você deve estar se perguntando: o que isso ter a ver com a Paralimpíadas desse ano em Tóquio? Porque essas pessoas que postam coisas dentro de uma outra realidade, na verdade, nem sabem o que é realidade. Talvez, a realidade para elas seja fazer academia ou postar vídeos em piscinas ou em uma outra realidade, que nos faz pensar na mesma caverna de Platão. Não há a realidade e sim uma realidade forjada. Isso não é novo na humanidade. Criamos uma geração narcisista que acha que a realidade é comprar, gravar vídeos bobos, expressar o que a maioria expressa e gostar só daquilo que cabe na sua realidade. Meus posts não têm quase like, porque eu posto opiniões embasadas dentro daquilo que sou e não porque quero like. Na guerra fria tupiniquim – que o Brasil exportou dos yanques – a questão fica muito mais clara.

O hate que disse ser apenas uma “Olimpíada de retardados e cotoco” só expressa a falta de educação e empatia que nossa sociedade se encontra, a imposição da sua realidade perante o outro. A pergunta “o que é a realidade?” se faz necessária quando o preconceito – como forma da expressão do medo e da indiferença – vai se abatendo em realidades que ele vive. A realidade é uma? A verdade existe? Não existe. O que existe são fragmentos de uma realidade que não faz uma verdade, porque o senso comum insiste em construir certezas simplistas. Cômodas. Que só são realidades condicionadas de valores artificiais. São simulacros dentro de uma só realidade e que as pessoas se escondem ali para não ver a realidade da realidade.

Será que a realidade é a realidade? A realidade só é realidade onde você conhece, por isso mesmo, se diz que tudo que você conhece pode ser nomeado. Se pode transcender essa realidade? Talvez, mas você tem que ir muito mais daquilo que está acostumado – a realidade e as linguagens envolvendo essa realidade – e ir a fundo em algumas questões. Eu mesmo, muitas vezes, indago coisas que o segmento das pessoas com deficiência tem em pauta, o que devo ou não consumir, o que devo ou não ler, ser seletivo em alguns assuntos e pautas que todo mundo discute. Eu não tenho a menor vontade, por exemplo, de assistir serie só porque estão na moda, ou gostar ou não de um final só porque a maioria discorda ou concorda. A minha realidade é única e meu gosto faz parte da minha realidade, por outro lado, não quer dizer que vou ficar alheio das várias realidades que estão acontecendo no mundo. As músicas que estão tocando. Os artistas da moda. E até mesmo, postar coisas relevantes dentro de uma informação importante – claro – dentro daquilo que acho importante.

Ai que esta o ponto, o que pode ser importante? O que é a essência da importância da realidade e do conhecimento? Será que a nossa cultura dá importância para o conhecimento?  



quinta-feira, 26 de agosto de 2021

Capacitismo nazifascista invade as Paralimpíadas

 




Amauri Nolasco Sanches Júnior

(cidadão brasileiro com deficiência)

 

Capacitismo – tradução do inglês ableim – seria a discriminação junto com o preconceito contra pessoas com deficiência. Ou seja, temos um momento que a sociedade tem um pré-conceito – uma construção de uma imagem falsa daquele objeto ou certas características baseadas em um medo social – e discriminação é uma rejeição social de grupos cuja imagem é construída a partir de muitos moldes desse pré-conceitos. Uma sociedade capacitista, requer uma total ausência de qualquer deficiência ou visão que é construída a partir de uma imagem errada – como acontece na Inglaterra quando mães optam por não ter filhos com síndrome de Down – de normalidade, são vistas como uma exceção a uma regra estética. Assim, a deficiência é vista como algo que se pode ser superado ou corrigido – como se a felicidade esteja na perfeição – por uma, suposta intervenção médica, ou uma cura religiosa. Um bom exemplo capacitista é se dirigir ao acompanhante e não a pessoa com deficiência diretamente.

Daí começamos a entender o que eu e muitas pessoas já entenderam o que se trata o capacitismo, quando lemos reportagens como a da UOL que traz uma denúncia da Silvia Grecco, atual secretaria da pessoa com deficiência de São Paulo, que comentário começam a aparecer. Esses comentários são ofensivos contra os atletas que participam dos jogos da Paralimpíadas de Tóquio. Silvia é mãe de Nikollas que tem deficiência visual e também espectro autista e compartilhou uma imagem na tarde dessa quarta-feira (25), em seu Instagram, com comentários preconceituosos por um usuário da mesma rede. Silvia diz: “"Eu poderia me calar, menosprezar, ignorar! Mas não consigo..." ao relatar o que aconteceu e ao comentário feito por esse “moleque”. No print, a secretaria responde a um comentário de um perfil que se dirigiu as Paralimpíadas como as "Olimpíadas dos retardados e cotocos" em uma das postagens do portal de notícia do R7 como um "posicionamento infeliz".

Depois que Silvia Grecco respondeu, o perfil @di_arq_rj seguiu dizendo que "Você e o Marcos Mion são admiráveis por carregar um fardo tão grande em suas vidas". O apresentador Marcos Mion – hoje trabalha da Rede Globo – tem um filho com espectro de autismo, Romeo, e é um grande ativista. Em seu comentário, Silvia colocou que "Além de tudo, covarde escreve depois apaga. Mas está aí o print das mensagens. Não sei nem explicar qual meu sentimento. Pensar que existem pessoas assim! Triste realidade... Viva nossos Atletas Paralímpicos!". (aqui)

Quando o hate – que em inglês que dizer ódio – diz que as Paralimpíadas são de pessoas “retardadas e cotocos”, vem na minha cabeça uma falta de escolaridade e uma falta de convívio. E não é uma coisa só do Brasil, a deficiência na sua essência, sempre foi um tabu mundial como políticas públicas verdadeiras e honestas. Se a dois mil anos atrás, no mundo grego éramos mortos jogados em abismos, na idade média éramos queimados em fogueiras, até os anos 90 éramos escondidos em instituições e isso que acontece quando crianças com deficiência são excluídas nas escolas. Pois, o convívio é um aprendizado muito melhor do que mera teoria, mero papo furado. O filósofo Aristóteles – que sim, defendia eliminação dos “defeituosos” por misericórdia – dizia que a ética tem que ser praticada e não teorizada. Não adianta toda uma sociedade achar que deve chorar e aceitar uma pessoa com deficiência – até doar grana em campanha – e educar um cara assim. Por fim, acho ser um moleque revoltado que quer seus 5 minutinhos.

Claro, não se pode parar de fazer denuncias e nos perguntar se o segmento das pessoas com deficiência, estão muito tolerantes com esse tipo de coisa. Pois, graças a uma política de segregação nas escolas – porque, segundo o ministro da educação, as crianças com deficiência estão atrapalhando nas escolas – há muitos ataques na internet contra eventos e contra pessoas com deficiência. Sim, temos uma sociedade preconceituosa. Ainda se tem uma imagem que pessoas saudáveis – boa saúde – tenham corpos perfeitos e que tenham movimentos perfeitos. Herdamos a ideia estética de uma perfeição grega platônica, onde o corpo perfeito é um corpo harmonioso e que não tenha imperfeição nenhuma, e não é só moral, é física. Tanto que por muitos anos ou séculos, as pessoas com deficiência eram consideradas pessoas sem alma nenhuma, ou até mesmo, demônios. Claro, em algumas culturas – até mesmo a grega – algumas deficiências eram consideradas sagradas e sacerdotes e videntes eram deficientes.

Por mais que negamos, até as culturas indígenas matavam as crianças com deficiência – acho que ainda matam – como um castigo dos deuses, por causa da utilidade do corpo. Muitas imagens são dos remotos tempos em que o ser humano ainda gatinhava na ciência, onde a racionalidade começa a despertar dúvidas de alguns conceitos errados. Mas o Brasil sempre se atrasa, porque um povo ignorante e crédulo é mais fácil de se controlar, e ainda, muitas resoluções e informações são retidas e ignoradas por crenças que são muito mais absorvidas pela maioria. Uma cadeira de rodas – como expliquei em um outro vídeo – foi projetada para carregar pessoas com deficiência, mas, por causa da incorporação delas nos hospitais, ficaram como objetos de carregar doentes. O medo da imperfeição, o inconsciente como modo ancestral de medir a realidade, ainda toma conta da nossa cultura.

E esse medo é bem implícito quando lendas como do Saci Pererê – que além de ter uma deficiência, ainda é negro – e do Sucupira (tem o pé virado para trás) é incorporado na cultura e é um espelho como era e, em alguns casos, somos vistos. Quantas lendas mundiais eram vistas com má formação? Histórias que as pessoas com deficiência não vivem ou são exploradas? A humanidade da deficiência ainda demorara para ser percebida e respeitada.



quarta-feira, 25 de agosto de 2021

O coitadismo global

 

 


Amauri Nolasco Sanches Júnior

 

O nome do texto como um trocadilho não é por acaso, pois realmente o coitadismo está em pauta atualmente. Não que não ache que em algum momento, a humanidade tem uma fase de evoluir e de achar meios de se ter alguma empatia, estou me referindo ao drama que a Globo e outros canais querem sempre promover em cima da deficiência. Sempre alimentando aquela velha história que quem tem uma deficiência – e isso vem de milênios – é um eterno sofredor que faz as grandes ditaduras teológicas ou ideológicas, eliminar nós da face da Terra. E isso não é só de dentro de religiões ou dentro de resoluções políticas – como aconteceu no socialismo soviético ou no nazismo alemão – mas, existem ateus que acreditam na mesma coisa e são cientistas. No caso de o biólogo Richard Dawkins dizer, em 2015, que seria imoral uma mãe ter uma criança com síndrome de Dawn.

Fazendo uma reportagem no portal Blasting News – que quase ninguém nem lê – as fontes sempre salientavam a deficiência e não a capacidade de todo ser humano de superar suas dificuldades. Mas, a do Globo Esporte exagerou com um tom apelativo que sim, beirava ao coitadismo e exemplo de superação. Segundo a reportagem, além do nadador Gabriel Bandeira (21) ter conquistado a medalha de ouro, o outro Gabriel, o Araújo, conquistou a medalha de bronze e escreveram: <<Após a façanha nesta quarta-feira, ele não se conteve e chorou.>>, como um meio de fazer com que o publico se emocione com uma coisa que muitos atletas podem fazer. Ele pode? Claro. Muitas conquistas minhas foram comemoradas comigo se emocionando, mas o tom do jornalista e o tom que não tem diferença nenhuma das do ministro da educação. Além de tratar o rapaz como crianças.

O Gabriel disse:

“- Fico muito feliz, só eu sei o que passei para estar aqui. Foi muito difícil. Essa medalha veio com muito esforço, suor e me deixou com gostinho de quero mais - disse Gabriel, que se emocionou na entrevista concedida logo depois da conquista.”

Por que enfatizar falas como esta como se fosse uma conquista – como válida – uma medalha de bronze? Como eu disse, não condeno ele falar como não condeno o jornalismo dizer aquilo, o ponto é a incapacidade das pessoas de apenas mostrarem isso. E além de ser um modo de se reduzir a deficiência a um modo de superação – como se só isso fosse importante – ainda coloca o deficiente como agente de mostrar a humanidade que só há um caminho, a superação por meio do corpo. E os inúmeros escritores com deficiências? Os trabalhadores que têm que renunciar a um salário da profissão para ganhar bem menos só por causa da deficiência? Me parece uma linguagem fraca – não muito diferente dos programas como o Teleton – que só alimenta a imagem infantil e de doença da sociedade brasileira.

Como já disse no meu Facebook, o problema do presidente e todo esse pensamento em torno da deficiência – incluindo a linguagem usada no Teleton – é culpa do próprio agente com deficiência que alimenta esse tipo de linguagem e se comporta como criança. Acha que superar é apenas sair, andar de ônibus e aceitar qualquer salário que não corresponde ao curso que fez. Não há nenhum problema de começar por baixo, mas, começar por baixo é uma coisa, aceitar migalhas é outra.




terça-feira, 24 de agosto de 2021

Respondendo o ministro e pastor Milton Ribeiro

 

 

(aqui)

Olá,  senhor ministro,

 

Não sei o senhor, mas eu estou bem porque nunca desistir de estudar e de adquirir conhecimento, mesmo tendo uma deficiência. Sim, senhor pastor, eu tenho uma deficiência chamada paralisia cerebral que, muitas pessoas como o senhor, acham que temos o cérebro paralisado. O próprio Freud – aquele homem de barba com um charuto que descobriu o inconsciente – tem um trabalho sobre ela e tinha dúvidas se era uma deficiência adquirida dentro do útero da mãe ou fora ao nascer (falta de oxigenação cerebral). Sabemos que o imperador Claudio I = padastro de Nero – tinha esta deficiência e conseguiu ser um general hábil e um imperador razoavelmente, bom naquilo que fez. Aliás, Nero tanto gostava dele, que um dos motivos de ter matado a própria mãe, foi ela ter matado ele envenenado. Mas, claro, segundo o senhor, eu não poderia ter aprendido isso sozinho e nem escrito isso nesse texto.

Sabe senhor Ministro, eu estou fazendo bacharelado de filosofia porque sempre gostei de ler os filósofos e bem devagar eu conseguir três diplomas além desse, mas, os empresários pensam igual o senhor, não sabemos trabalhar e não sabemos nem aprender. Chegou ao absurdo do senhor dar esse exemplo:  <<<Imagina uma professora de geografia: “aqui é o rio Amazonas” para uma criança que tem deficiência visual, são elas também.>>>, sendo que a professora poderia descrever o rio amazonas para o aluno cego, poderia a escola ter uma impressora com braile, ou um software com autodescrição. Dinheiro temos, falta vontade política. Em matéria de inclusão de pessoas com deficiência, as coisas sempre vão devagar porque acham que não há voto nosso, acham que não votamos, mas sim, votamos e somos cidadãos como outros quaisquer.

O senhor disse: <<A escolha quem faz é o pai e mãe, é ele quem coloca o filho lá, nenhum diretor tem autoridade de negar a matrícula de uma pessoa que tem deficiência em uma escola pública, elas não podem fazer isso, não é isso que estou falando.>>>. Se tivéssemos uma sociedade instruída e com maior poder de informações, poderia ser um argumento razoável, mas muitos pais são ignorantes e vão na onda daqueles que querem manipular. Olha, não acho que a esquerda foi um “poço de inclusão”, houve inúmeros erros e o Haddad também quis essas “classes especiais”. Acredite, não é o melhor para as pessoas com deficiência estarem em escolas especiais, mesmo o porquê, vai ser um dinheiro a mais que o governo vai gastar. Mas, logico, vocês entendem muito melhor do que a gente, afinal, não entendemos nada.

O senhor ainda disse: <<Não deixando de lado os deficientes, mas olhando também os outros 88% dos alunos que eventualmente podem ter também>>>. Desculpe senhor Ministro, mas não estão pensando em nada, pois, nossa educação escolar é a mais deficitária dos últimos 50 anos e isso o senhor deveria saber. É muito feio colocar a culpa em crianças com deficiência que só querem conviver com as outras crianças uma incompetência que até o regime militar foi insuficiente, porque essa bagunça toda é falta de escola e escolarização de qualidade. O MEC (Ministério da Educação) é caro demais e não consegue resolver coisas bastante simples, fazer escolas e dar uma educação de qualidade.

Por fim o senhor disse: << A criança com deficiência tem que ter um olhar e um cuidado especial e é isso que o nosso governo quer ter, nosso governo quer ter um cuidado especial para com a criança com deficiência>>. Não. vocês estão colocando as crianças com deficiência como crianças especiais e não queremos ser especiais, queremos ser cidadãos brasileiros com deficiência. Acho, bastante idiota – com todo respeito senhor Ministro – que pessoas da sua religião achar que somos coitados porque, segundo a concepção de vocês, somos imperfeitos e não sabemos nos cuidar. Não sabemos o que é a vida. Não sabemos o que fazemos e o que queremos. Existe um vídeo famoso, que deve circular nas redes sociais ainda, um menininho cego que a mãe pede para ele ir na casa da avó pegar uma panela e ele vai. Mesmo a mãe indo atras dele gravando em silencio, ele foi e voltou. Por quê? Porque o ser humano é adaptável senhor Ministro, ele se vira na adversidade. O resto, é só asneiras.

 

Amauri Nolasco Sanches Júnior

Cidadão brasileiro com deficiência




sábado, 21 de agosto de 2021

Ideologia – por que não tenho nenhuma?

 


Ser de esquerda é, como ser de direita, uma infinidade de maneiras que o homem pode escolher de ser um imbecil: ambas, com efeito, são formas de paralisia moral.

José Ortega y Gasset

 

Ortega usa nessa frase “paralisia moral” como formas de ser um imbecil por seguir um lado com tanta paixão. Mas o que seria essa paralisia moral? Na verdade, a edição francesa do livro de Ortega “A Rebelião das Massas”– uma das suas maiores obras – se escreveu hemiplegia moral. Num conceito clínico (médico), hemiplegia é uma paralisia em um lado só do corpo, ou seja, uma pessoa hemiplégica é uma pessoa que é paralitica em um só lado. A meu ver, acho paralisia muito mais adequado, mesmo o porquê, quem  defende um só lado, se defende um todo e se fica paralitico moral como um todo. Não se enxerga as coisas errados que essa ideologia, porventura, pode fazer. Ortega queria dizer também, que o pensamento político – pura e simplesmente – é limitado e só o pensamento filosófico pode ser considerado inato ao ser humano.

E o porquê Ortega coloca na filosofia essa responsabilidade? A filosofia, enquanto ferramenta de reflexão, dúvida dela mesma enquanto pensamento definitivo. Ora, se ela duvida dela mesma, quem dirá esse “cobertor quentinho” que você escolheu para chamar de seu. Na sua natureza mais intima, a filosofia dúvida dos ídolos, das certezas de que se tem de alguma coisa que são incertas. O mundo não há nenhuma certeza, a realidade não tem nenhuma certeza. Tudo é um conglomerado de incertezas e fatos que mudam conforme as coisas vão evoluindo. Por que acreditar em uma só religião, por exemplo? Se há uma Força geradora da realidade (tudo que há), então, não há sentido nenhum em achar que cada “Deus” é o certo a seguir. Mesmo o porquê, na antiguidade, se acreditava em deuses. Se há uma só Força ou consciência, por que tenho que acreditar na sua explicação? Não se filosofa com certezas, se filosofa com dúvidas e com o espanto de perceber que não há certeza nenhuma na vida. Afinal, o que fazemos no mundo além de aprender e compreender a realidade?

Ai que chegamos a filosofia de Ortega: amar a realidade enquanto circunstancia daquilo que somos. A título de exemplo, estou no Brasil e tenho pensadores e uma cultura que foi construída durante quatrocentos e algumas décadas – não sei precisamente – não temos que rejeitar as obras brasileiras por fazer parte da realidade onde eu vivo. Aliás, Nietzsche já tinha dito isso no amor fati, onde temos que aceitar nossa realidade e amar ela como um único momento de comunhão entre você e a realidade. Mas o que seria a realidade a não ser aquilo que você mesmo interpreta como verdade? O próprio Nietzsche disse que não havia verdades absolutas e nem fotos eternas, porque vem mudando conforme os valores mudam. Então, esbarramos sempre em cima das incertezas da vida e a partir dessas incertezas achamos ter descoberto as verdades.

Eu sei que ser de esquerda é ser favorável a uma mudança revolucionária, pois, o socialismo (que chamo de extrema esquerda) é um regime que não deu certo. Mas a direita – o liberalismo clássico e o conservadorismo que nada mais é, do que um ceticismo moderno burguês – tendem a achar que mudanças repentinas são perigosas e muitos acabam sendo reacionários (pessoas que idealizam o passado). Na essência não existe nenhuma diferença entre as duas utopias (até mesmo, o liberalismo acaba sendo uma utopia), porque entre a idealização do passado e idealização do futuro, existe um agora e é ai que esta sua realidade. Por isso que Ortega vai dizer que quem se entrega nessas duas vertentes acaba sendo um imbecil (tolo), pois, no final das contas, o hoje que estamos vivendo. Isso parece muito com os filósofos budistas, onde só existem o agora e nada mais, e assim, evita ansiedade e decepção. E indo mais além – e isso está registrado em vídeo – concordo com o filósofo francês Deleuze, quando ele diz que não há governo de esquerda. Quando a esquerda toma o poder ou são eleitos, viram situação.

A questão da política é muito mais profunda do que uma separação artificial que começou na revolução francesa.




quinta-feira, 19 de agosto de 2021

Bolsonaro não quer educação

 

 


Amauri Nolasco Sanches Júnior

 

Inventaram um “inclusivismo” para explicar uma incompetência do Ministério da Educação – que hoje virou tudo ideológico – que o seu ministro, Milton Ribeiro, disse que as crianças com deficiência atrapalham quem não tem nenhuma deficiência. Sabemos que existem muito lobby das entidades famosinhas e muitas reclamações de pais que não aguentam ver seus filhos convivendo com o diferente, porque para eles, o diferente é uma parte anormal da sociedade. Mas o que seria normal ou anormal? Mesmo o porquê, a questão da deficiência foram muito bem resolvidos em outros países que enxergaram ser muito mais barato educar um povo a aceitar o diferente do que sustentar essas minorias para agradar uma pequena parte dessa sociedade. Não aceitam o que não concordam ser certo ou errado. A triste notícia é que não existe nada normal ou anormal, nada certa ou errada, porque o diferente só é a ignorância e o medo de se conviver com aquilo que é considerado diferente.

Me parece que o ministro Ribeiro usou essa expressão para mostrar que existe uma ideologização na questão, e até concordo que em certo sentido, há sim uma certa ideologização dessa questão. Mas o problema começa quando ao invés de resolver esta questão ficam arrumando culpados e assim, ficam empurrando com a barriga. Aliás, numa analise muito mais profunda, já deveriam ter resolvido isso a muito tempo atrás. Os outros países, resolveram isto nos anos 90, o Brasil não consegue resolver uma coisa simples como esta porque querem o caminho muito mais cômodo e não querem gastar. O próprio MEC é o maior orçamento que existe na união, com suas secretarias caras e uma grade escolar vagabunda e que não educa ninguém (nem quem tem deficiência e nem quem não tem deficiência).

A questão é que não há nenhum inclusivismo assim como, não há inclusão, pois, não nascemos no meio do mato, sozinhos e sim, nascemos na sociedade. Indo muito mais além – porque não dizer ter a ver com a linguagem – me parece que incluir fica meio uma coisa excluída, e isso, visivelmente, é uma forma de capacitismo. Você dizer que pessoas com deficiência devem ser incluídas, pressupõe que não somos pessoas (porque o termo pessoa já carrega um peso de ser cidadão) e que por conta da deficiência não somos socialmente viáveis. Mesmo o porquê, não existe uma só deficiência e não existe um padrão (arrisco a dizer que não existe um só segmento). A esquerda hereditária – do politicamente correto – transformou tanto o conceito de deficiência em uma classe, que tem gente que acha que existe uma cultura surda. Não, não existe cultura surda, assim como não existe uma cultura cadeirante.

Mas, devemos sempre colocar que há discriminação por acharem que sim, não somos capazes. O termo capacitismo vem da tradução do inglês ableism e é pautado em uma construção social de se ter um corpo padrão considerado perfeito colocando como normal e de uma sublimação da capacidade de uma pessoa diante da sua deficiência. Ou seja, tem a ver com a capacidade e a aptidão – seria a disposição inata ou adquirida para uma determinada coisa – que as pessoas com deficiência podem ter. isso não tem nada a ver com ideologias (esquerda ou direita), isso tem a ver com a visão que o ser humano tem de o corpo ser útil ou ser inútil. Coitado e não coitado. Dai entramos no pensamento utilitarista que o corpo do meu filho pode ser útil (perfeito) e pode ser um cidadão, ele tem uma deficiência (imperfeito) e não tem nenhuma utilidade para a sociedade. Quais atletas trazem mais medalhas de ouro nas paraolimpíadas? Quem melhor trabalha para mostrar que é capaz?

Campanhas como o Teleton fomenta a visão capacitista que não somos capazes de fazer nada, a aptidão daquele cargo não seria para nós que não somos “independente”. A equipe que tanto o ministro coloca como uma barreira para a professora educar – que a solução deveria ser dele – é a visão da criança com deficiência ter que “depender” de alguém e que não sabe fazer nada. Claro, numa forma bastante profunda, existem deficiências que exige maior atenção e uma maior atenção. Isso não quer dizer que não tenham capacidade, não tenha um desempenho bom.

domingo, 15 de agosto de 2021

Deficiência e a construção da normalidade

 





Amauri Nolasco Sanches Júnior

 

Existem muitas perguntas que ainda não foram respondidas. O que se deve ser considerado normal? Nós podemos ter nascido com tais características, mas não nascemos com o conceito moral que essas características podem acarretar. Talvez, muitos pensadores contemporâneos quiseram quebrar algumas dessas características morais, como Simone de Beauvoir que disse que não se nasce mulher. Logico, que biologicamente, se nasce uma mulher, mas existem junto conceitos morais que não deixam a mulher viver como ela quer e há muitas cobranças. A meu ver, o conceito que se carrega junto com a ideia de normalidade, é que acarreta um maior crescimento dos preconceitos e das imposições que uma sociedade pode querer. Será que a deficiência, como uma imagem de doença ou imagem de inútil, é uma visão social?

Quando escrevi aquela reportagem da menina que fez um ensaio fotográfico para alimentar sua autoestima – que teve o apoio da mãe – e foi discriminada por ter uma órtese na perna, a pergunta que deveríamos fazer é o que seria perfeição.  Segundo a Wikipedia, a perfeição caracteriza um ser ideal que reúne todas as qualidades e não tem nenhum defeito, e designa uma circunstância que não possa ser melhorada. Porém, a perfeição é uma ideia, uma condição que não é alcançada, mas deve ser necessária ser almejada e esta é a ética do ser humano. O que seria ética a não ser um conceito ou um caráter? Valores herdados de culturas de milhares de anos ou de valores que vamos construídos dentro de várias morais passadas – dentro dos limites da sua cultura – que constrói uma ética própria. Morais são coletivas, éticas são individuais.

A perfeição é uma ética vazia onde foi idealizada a muito tempo no muito antigo, idealizada por Platão como um ideal a ser alcançado. Como ser alcançado? Como podemos atingir a perfeição? Com a verdade. Mas não é qualquer verdade e sim, a verdade universal dentro de um outro mundo, o mundo das ideias. Se existe o objeto e a sombra desse objeto – causada pela posição da luz – podemos dizer que essas verdades são objetivas (o objeto em si mesmo) e a subjetiva (a sombra produzida). A pergunta de Platão é: será que existe um objeto mais perfeito do que aquele objeto? Ou seja, existiria uma verdade muito mais perfeita e que abrigaria o objeto perfeito. Só que há um problema, pois, a perfeição como percepção dos sentidos é uma verdade subjetiva e não objetiva, porque construirmos a ideia do objeto a partir daquilo que aprendemos. Então, não temos uma outra referência de uma realidade que não seja esta. Onde os objetos não são como achamos que são. Outro problema tido por Rene Descartes, pode ser pertinente: e se um “demônio” disser que aquilo é de um modo e não é daquele modo? Ou melhor, nossos sentidos podem sim, nos enganar. Um condicionamento.

 A ideia de uma perfeição é a ideia que existe uma verdade, que uma condição é a certa e não é bem assim. Não há verdades que são eternas, nem fatos que são absolutos. Claro, não quer dizer que não há nenhuma verdade ou nenhum fato, essa definição de Nietzsche, tem a ver com verdades que podem mudar assim como, fatos podem modificar através com o tempo. Muitos historiadores vão mudando conforme se encontra outros documentos dos fatos históricos, assim como as verdades do mundo, muitas vezes, não são as verdades universais. Se eu derrubar uma pedra de um prédio é uma verdade incontestável, mas, em outra parte do universo ou outro planeta, pode não ser uma verdade. Portanto, as verdades segundo a realidade dependem de quem e como a realidade seja construída.

A órtese da perna da Maria Luiza não, por exemplo, pode definir quem ela é e se ela pode ou não pode jogar um futebol. A construção da deficiência da Malu é uma construção social, pois, não define a essência dela e quem ela é. Porque se constrói uma verdade ou uma realidade a partir daquilo que você aprende, e não aquilo que é de verdade. Mesmo o porquê, o estereotipo da deficiência como doença – mesmo a ciência definindo não ser – é uma construção da imagem da perfeição e o porquê aquilo é perfeito ou não perfeito. E o perfeito é o eficiente, aquele objeto ou alguém útil, aquele que pode ajudar a sociedade a progredir e a nação produzir para gerar mais riqueza e produtos e serviços. Mas, quem disse que Malu, algum dia, não poderia fazer outra coisa ou poderia ser uma modelo fotográfica? Por que não? Há no meio do segmento das pessoas com deficiência, várias modelos fotográficas que ganham a vida com isso, não existe só trabalho braçal ou tarefa, considerada, útil. Ela poderia ser uma escritora, pois, afinal, o livro depende como o autor desenvolve as ideias ou uma história. O trabalho intelectual também é bastante útil para uma nação e, nos últimos tempo, nossa nação renega esse trabalho como se ninguém lesse um bom livro, ou não visse um bom filme.

A perfeição e a normalidade é uma visão a partir de valores que se carrega – até o conceito da deficiência como eficaz e não eficaz – e esses valores, na maioria das vezes, são valores construídos com ideias positivistas. Já escrevi em exaustão o que seria, porque tem a ver com o tecnicismo das nossas universidades e a ideia de que a ciência iria salvar o mundo e o século vinte, provou que não. Assim como todo o conhecimento humano, a ciência é uma ferramenta útil para entender e do entendimento de certos fenômenos para criar tecnologia para adaptar-se aqueles fenômenos. Como a órtese da Malu ou a cadeira de rodas que eu uso, mas também, pode criar armas mais eficientes, mecanismo de espionagem, ou até mesmo, bombas atômicas que criam tensões políticas entre nações. A ciência pode provar, mas o poder dita o discurso e as ideias que podem ser passadas.

A normalidade é o que o poder quer que se pense? Será que existe essa normalidade?


Mãe desabafa nas redes sociais após filha com deficiência sofrer cyberbullying




quinta-feira, 12 de agosto de 2021

Liberdade e bullying – vamos conversar sobre isso?

 


"Chorei bastante porque, na verdade, venho de uma crescente. Não foi um ato em si que me incomodou porque eles já vinham acontecendo, foi um estopim. Isso deu um start para falar porque, inclusive, vou ser voz e outras pessoas podem se identificar comigo"
(empresária Mariana Alves falando do bullying que sua filha sofreu para o G1)


 

Maria Luiza (Malu), de apenas 13 anos, fez um ensaio fotográfico para melhorar sua autoestima já abalada graças a uma órtese numa perna – que o diagnostico não teve uma definição – e numa sala de vídeo de um aplicativo e entregam conhecidos e comentaram sua perna (aqui). A questão é: o bullying e o cyberbullying é um processo da própria educação que se dá a essa geração? Ou é um processa da coisificação enquanto educação por meio online, que se fica protegendo o jovem do mundo de fora e se quer, cada vez mais, que fique num aplicativo? Porque, indo e não indo na liquidificação das coisas e dos sentimentos – Baumam usa muito Marx, porém, a questão vai muito além da desvalorização – chegamos em uma conclusão é que, a educação não é só ler e escrever ou valores familiares, mas o mundo e as coisas lhe darão também esses valores. Os aplicativos ensinam que o mundo e as pessoas que não nos servem ou nos contraria – isso começa na reforma protestante de Martinho Lutero – precisa ser “deletado”, porque não se pode ser triste ou magoado.

Estamos vivendo em tempos que as pessoas são obrigadas em serem felizes, serem satisfeitas e outras coisas mais, mas o mundo não é assim. A questão da felicidade é que, a felicidade não existe em si mesmo, mas momentos alegres que podem ser construídos ou pode ser conquistado, nunca imposto. A impostura de uma alegria – como a ditadura da alegria ou da felicidade – é a cobrança de ser vitorioso (como acontece numa cultura protestante) que faz o jovem fazer escolhas muito mais práticas e muito mais usual. Esse usual é um grande problema no mundo contemporâneo. Gera ansiedade e depressão e ainda, muito pior, desincentiva o estudo intelectual e gera uma cobrança de perfeição. Daí nossa herança grega, a perfeição.

Será que existe perfeição? A perfeição tem a base de uma aparecia – no sentido de idealização – perfeita de não tem nenhum defeito. Ou seja, seria uma forma sem nenhuma imperfeição e isso cai na verdade (platônica). A verdade, enquanto uma forma de objeto, é uma realidade objetiva e uma verdade subjetiva. Verdades objetiva é o objeto em si mesmo, por exemplo, e a verdade subjetiva é a qualidade que damos ao objeto. Caneca é objetiva por existir e ser pega, o azul é subjetiva que é uma qualidade única (ou não). Mas, será que existe além da caneca e a sombra da caneca, uma caneca muito mais perfeita? Muito mais além do mero objeto? A perfeição caracteriza um ser que poderia reunir uma coisa idealizada com todas as qualidades e não teria nenhum defeito, e mostra uma circunstância que não possa ser melhorada.

Num modo histórico, a questão do estudo da perfeição começa com um termo do filósofo Aristóteles – que pesquisou várias questões – “entelecheia” (enteles que quer dizer completo e telos, que quer dizer, fim, proposito e echein, ter) que seria um trabalho ativo para a realização de um alvo, que é intrínseca à mesma coisa. Mas é também esse alvo, uma espécie de estágio em que a organização que teria alcançado todas as suas potencialidades, e consequentemente, alcançou a perfeição. E herdamos isso no cristianismo – já que o cristianismo absorveu muito da filosofia aristotélica – por meio dos jesuítas. O entelecheia que Aristóteles cunhou traz a tona uma questão interessante: qual seria o alvo dessa investigação? Pois, a perfeição não existe de uma forma estética e muito menos, numa forma intelectual. O pensar – segundo nossa cultura – é algo inútil, não produz nada e não tem serventia,

Malu – como é chamada pela sua mãe – não é imperfeita, mas a nossa sociedade a perfeição tem uma utilidade. Segundo um dos comentários – que vários sites mostraram – o conhecido tinha perguntado se ela poderia jogar futebol. Por que ela tinha que jogar futebol? Por que a sociedade acha que jogar futebol é importante? Além do mais, uma das modalidades que se teve destaque dentro das paraolimpíadas foi o basquete de cadeiras de rodas, que ainda é destaque. Existem vários esportes de cadeirantes ou o pessoal de muletas. Por que a sociedade insiste em uma visão estereotipada da perfeição? Quantas pessoas ainda usam meios religiosos como base para curar uma coisa que você vai ter que conviver, de aceitar e viver da melhor maneira possível.

 

Amauri Nolasco Sanches Júnior




terça-feira, 10 de agosto de 2021

Cesar do Bananal

 

 

Estátua de Júlio Cesar - fundador de Nyon. Cidade de Nyon - França


Amauri Nolasco Sanches Júnior

 

Dias desses – como assinei o HBOMaz – fiquei assistindo o seriado Rome e fiquei observando que, sim, somos muito parecidos com eles. Mas, tem uma única diferença, somos muito mais incompetentes. Essa patética demonstração de força do nosso mais novo “Cesar do Bananal” – tivemos um “Stalin do Bananal” – não nos traz nenhuma dúvida como o Brasil é uma piada pronta dentro do cenário político mundial. Realmente, agora entendi o alerta climático da ONU (Organização das Nações Unidas), quando vi a fumaça que esses tanques estavam soltando no desfile. Patético. Cafona. Não cabe mais num mundo de hoje, onde a tática política de demonstrar força é outra e isso me lembra A Arte da Guerra.

Uma das lições do livro milenar é: <<Se você conhece o inimigo e conhece a si mesmo, não precisa temer o resultado de cem batalhas. Se você se conhece, mas não conhece o inimigo, para cada vitória ganha sofrerá também uma derrota. Se você não conhece nem o inimigo nem a si mesmo, perderá todas as batalhas>>. Ou seja, o filósofo da guerra chines Sun Tzu, quer dizer que não tem como ganhar guerras políticas, guerras de batalhas ou coisa parecida, se você não conhece seu oponente, não conhece a si e sua força e nem conhece o que é mais sagrado, a si mesmo e sua própria força. Ou seja, essa história que se você não conhece não tem importância, é tudo furada.

Mas, voltando a série, tem uma hora que Cesar – depois de conquistar a Galia (França) – começa querer ser o governante e começa uma marcha ate a cede, a cidade de Roma. A decima terceira legião atravessou o Rubicão – um rio que fica na fronteira – e chega ate o território romano e os senadores seguem Pompeu para a Grécia. Cesar entra na cidade sem muito esforço, afinal, ninguém se opunha a força de seu exército. Todos nós que sabemos de história sabe muito bem, que Júlio Cesar foi traído e assassinato. Ate existem teorias que remontam um mundo se Júlio Cesar não tivesse sido assassinado, poderíamos ter um outro mundo e poderíamos nem ter tido uma idade média. Mas, indo além das distopias históricas, o fato é que ele foi assassinado, seu sobrinho Otavio vingou a morte dele e foi o primeiro imperador romano.

A política tomou rumos bem mais ditatoriais como as democracias gregas ou as monarquias, também, gregas. Onde reis tinham que seguir ritos, tinha muito mais ligação territorial e cada cidade poderia ser autônoma, mesmo falando a mesma língua ou ter a mesma cultura. A questão é bem mais profunda do que se pensa ou se teoriza, pois, tem a ver quem somos e o que a cultura transforma na nossa consciência. Por isso concordo com Sócrates, você tem que conhecer a si mesmo para conhecer o universo. O que seria o universo? A realidade? Nossa consciência do mundo e das coisas. Consciência, a meu ver, tem a ver com o que percebemos e como interpretamos essa realidade. O mundo são os fatos e as coisas são os objetos que convivemos com eles. Ou seja, no momento que conhecemos os fatos (ações do tempo) podemos avaliar quais fatores ou coisas (objetos) que causaram isso.

O fenômeno da consciência é um fenômeno de percepção a partir das suas ideias e seus valores, pois, se estou vendo um frasco de álcool gel na minha frente é porque aprendi o que é álcool e o formato (ou a condição gel). O aprender é construir uma linha entre a ignorância e o conhecimento. Conhecimento de si mesmo é conhecer dentro de si a capacidade de aprender, saber os valores que te regem. Quando se coloca religiões, ideologias ou coisas do tipo, não se está pensando ou agindo como você é, você é regido por coisas banais que não vão beneficiar nem a você e nem os outros. Não se precisa ficar repetindo um valor para saber que você tem esse valor ou conhecimento. E por outro lado, ser seguro de si não é demonstrar poder, você exala poder e sabe o que tem que ser feito.

Quando se diz que devemos ter isso em mente, só sabemos conhecendo a si mesmo.



segunda-feira, 9 de agosto de 2021

O jogador nº 1 – vamos falar do medo da realidade?

 




Amauri Nolasco Sanches Júnior

 

O que é real? É uma das questões mais comentadas de todos os tempos e que, não há uma única resposta. Uns poderiam responder que o real é aquilo que vimos, sentimos e sabemos que existem. Outros como o filósofo francês Rene Descartes (1598 – 1650) dizem que, as sensações podem te enganar e você pode esta vivendo em uma situação que não seja real. Afinal, como disse Platão em um dos diálogos da sua obra “A Republica”, vivemos em uma caverna acorrentados, vendo sombras feitas por outros homens. Talvez, podemos interpretar que Platão tenha colocado uma questão bastante interessante: será que estamos presos numa realidade que não é realidade? Daí a arte, como o próprio Platão fez, começa fazer com o que os seres humanos questionem e debatam algumas dessas ideias.

Dias desses eu assisti com minha sobrinha, um filme chamado “O Jogador Nº 1” que mostra um mundo construído virtualmente para esconder o mundo destruído da realidade. Essa questão foi abordada também no filme “Matrix”, onde as máquinas guerrearam com os humanos e depois, quando ganharam, usaram os humanos como fonte de energia. No caso do “O Jogador” os seres humanos viviam num caos governados, praticamente, por corporações desde as guerras das mídias sociais (polarização?). Mas o que eu me dei conta do próprio filme é que, ao final – quando o protagonista ganhou o jogo – o backup da consciência do fundador do jogo – um nerd que nasceu nos anos 80 do século XX e o filme se passa em 2045 – disse que ele fez o jogo por ter medo do mundo real. Quantas pessoas tem medo do encarar a realidade como ela é?

Claro, o idealizador não tinha medo da realidade, tinha medo das pessoas e o que elas achavam dele. Muitas pessoas que gostam de conhecer – pelo menos no meu tempo de garoto – eram hostilizados por gostarem de estudar, serem estudiosos. Chamavam essas pessoas de nerds, que eram pessoas vistas como muito intelectuais e que se interessavam por assuntos que a maioria não estava nem aí. Que, claro, eram discursos para desincentivar o estudo, porque, sabemos, o poder nunca gostou de um povo que estudasse.  O mundo virtual – que começou com filmes de ficção cientifica e os vídeos games – começou a estar em voga e ditar as regras.

O termo virtual vem do latim “virtus” que quer dizer força, poder. Ou seja, a força quer dizer algo realizador, pois, tudo que tem força não precisa de nada para realizar algo. Pode realizar aquilo que te convém. Por exemplo, uma simples semente tem uma força dentro dela, que se junta com outras forças, pode produzir uma arvore. Já o poder pode se relacionar com a capacidade de interferir em algo. Ora, tudo aquilo ou aquele que tem o poder de interferir ou agir sobre o outro – seja uma pessoa ou uma coisa – pode interferir a um processo. Como, por exemplo, um pai tem poderes de interferir sobre o processo educacional do seu filho. Porém, virtus também tem a ver com a virtude o que nos leva para as proximidades da moral, pois, a virtude pode ser entendida como uma força interior que mobiliza as pessoas na prática da ação socialmente aceita. Digamos que a virtude se contrapõe à ausência de uma qualidade específica que se aproxima o virtuoso do justo e aquele sem virtude do fraco ou o mau caráter.

Em inúmeras cenas, mostra a virtude como tema chave da saga do protagonista. Mas, também mostra que podemos ter amizades reais vindas do mundo virtual, porque se potencializaram em verdade. Verdade e realidade são termos chaves da filosofia metafisica. A verdade como realidade tem, a meu ver, duas vertentes: uma é a verdade objetiva (como realidade do objeto em si mesmo); e a verdade objetiva (alguma qualidade e como aparência). Mas, a verdade como objetiva pode ter outras questões, assim como, as verdades objetivas. Por quê? Mesmo que você perceba um objeto como real, ele pode não ser realidade e apenas uma ilusão. Daí podemos colocar uma outra questão: o mundo virtual é real? Será que as páginas do meu World são reais ou são apenas páginas virtuais? Porque temos a ilusão de achar, que tudo que é virtual, necessariamente, são coisas online e não é bem assim. Como técnico de informática, deve esclarecer que tudo que existe num computador é virtual. Afinal, o termo informática vem de informação automática e informação – que veio do latim informare – tem o significado -in- (em) e formar que quer dizer formar ou aspecto.

Ora, tudo que nos chega como informação está formando nossa mente como algo que existe, algo que, potencialmente, pode ser real. Mas – usando o senso comum – as páginas do meu world não podem ser tocadas e se não podem ser tocadas, não são reais. Por outro lado, eu posso imprimir essas páginas e eu toco nelas. A questão é: são as mesmas páginas? Será que ao imprimir vão ser aquilo que eu escrevi dentro do software? Talvez sim, talvez não. O objeto percebido é percebido só por causa de um sentido só – a visão – porque eu estou vendo as margens da página e o formato da página e seu, pelo menos na tela no notebook, que ela existe. Assim como a mesa onde estou – que na verdade, é uma bancada em uma prateleira – existe porque minhas coisas estão em cima dela (incluindo o notebook). Mas, isso poderia assegurar a realidade? Não, de certo. Mas pode ser um convite é reflexão. Ao medo daquilo que não podemos controlar.

Pensando o que disse o fundador do jogo no filme – que era nerd – cheguei a conclusão que ele tinha medo do mundo real, porque ele não pode controlar. Podemos controlar um jogo porque sabemos que vai acontecer, num mundo real não sabemos o que fazer. Muitas pessoas que têm medo do mundo real, tem medo do mundo que não pode saber o que vai acontecer, não tem nenhuma certeza. Mesmo num jogo de corrida, por exemplo, que você pode bater e perder o jogo. Mesmo assim, sabemos o que o ambiente do jogo fara. Esse é o problema, as gerações que nasceram com esta tecnologia não estão conseguindo encarar o mundo real, por causa, exatamente, da incerteza. E isso é muito ruim. Isso vai construir uma humanidade que vai tratar o outro como um mero objeto, vai ter medo do mundo real.

No próprio filme, o fundador do mundo virtual pede para terem um momento no mundo real, pois, não se pode ter certeza de nada, mas esse mundo é o verdadeiro.