sábado, 21 de agosto de 2021

Ideologia – por que não tenho nenhuma?

 


Ser de esquerda é, como ser de direita, uma infinidade de maneiras que o homem pode escolher de ser um imbecil: ambas, com efeito, são formas de paralisia moral.

José Ortega y Gasset

 

Ortega usa nessa frase “paralisia moral” como formas de ser um imbecil por seguir um lado com tanta paixão. Mas o que seria essa paralisia moral? Na verdade, a edição francesa do livro de Ortega “A Rebelião das Massas”– uma das suas maiores obras – se escreveu hemiplegia moral. Num conceito clínico (médico), hemiplegia é uma paralisia em um lado só do corpo, ou seja, uma pessoa hemiplégica é uma pessoa que é paralitica em um só lado. A meu ver, acho paralisia muito mais adequado, mesmo o porquê, quem  defende um só lado, se defende um todo e se fica paralitico moral como um todo. Não se enxerga as coisas errados que essa ideologia, porventura, pode fazer. Ortega queria dizer também, que o pensamento político – pura e simplesmente – é limitado e só o pensamento filosófico pode ser considerado inato ao ser humano.

E o porquê Ortega coloca na filosofia essa responsabilidade? A filosofia, enquanto ferramenta de reflexão, dúvida dela mesma enquanto pensamento definitivo. Ora, se ela duvida dela mesma, quem dirá esse “cobertor quentinho” que você escolheu para chamar de seu. Na sua natureza mais intima, a filosofia dúvida dos ídolos, das certezas de que se tem de alguma coisa que são incertas. O mundo não há nenhuma certeza, a realidade não tem nenhuma certeza. Tudo é um conglomerado de incertezas e fatos que mudam conforme as coisas vão evoluindo. Por que acreditar em uma só religião, por exemplo? Se há uma Força geradora da realidade (tudo que há), então, não há sentido nenhum em achar que cada “Deus” é o certo a seguir. Mesmo o porquê, na antiguidade, se acreditava em deuses. Se há uma só Força ou consciência, por que tenho que acreditar na sua explicação? Não se filosofa com certezas, se filosofa com dúvidas e com o espanto de perceber que não há certeza nenhuma na vida. Afinal, o que fazemos no mundo além de aprender e compreender a realidade?

Ai que chegamos a filosofia de Ortega: amar a realidade enquanto circunstancia daquilo que somos. A título de exemplo, estou no Brasil e tenho pensadores e uma cultura que foi construída durante quatrocentos e algumas décadas – não sei precisamente – não temos que rejeitar as obras brasileiras por fazer parte da realidade onde eu vivo. Aliás, Nietzsche já tinha dito isso no amor fati, onde temos que aceitar nossa realidade e amar ela como um único momento de comunhão entre você e a realidade. Mas o que seria a realidade a não ser aquilo que você mesmo interpreta como verdade? O próprio Nietzsche disse que não havia verdades absolutas e nem fotos eternas, porque vem mudando conforme os valores mudam. Então, esbarramos sempre em cima das incertezas da vida e a partir dessas incertezas achamos ter descoberto as verdades.

Eu sei que ser de esquerda é ser favorável a uma mudança revolucionária, pois, o socialismo (que chamo de extrema esquerda) é um regime que não deu certo. Mas a direita – o liberalismo clássico e o conservadorismo que nada mais é, do que um ceticismo moderno burguês – tendem a achar que mudanças repentinas são perigosas e muitos acabam sendo reacionários (pessoas que idealizam o passado). Na essência não existe nenhuma diferença entre as duas utopias (até mesmo, o liberalismo acaba sendo uma utopia), porque entre a idealização do passado e idealização do futuro, existe um agora e é ai que esta sua realidade. Por isso que Ortega vai dizer que quem se entrega nessas duas vertentes acaba sendo um imbecil (tolo), pois, no final das contas, o hoje que estamos vivendo. Isso parece muito com os filósofos budistas, onde só existem o agora e nada mais, e assim, evita ansiedade e decepção. E indo mais além – e isso está registrado em vídeo – concordo com o filósofo francês Deleuze, quando ele diz que não há governo de esquerda. Quando a esquerda toma o poder ou são eleitos, viram situação.

A questão da política é muito mais profunda do que uma separação artificial que começou na revolução francesa.




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