Amauri Nolasco Sanches
Júnior
(cidadão brasileiro
com deficiência)
Capacitismo – tradução do inglês ableim – seria a discriminação
junto com o preconceito contra pessoas com deficiência. Ou seja, temos um
momento que a sociedade tem um pré-conceito – uma construção de uma imagem
falsa daquele objeto ou certas características baseadas em um medo social – e discriminação
é uma rejeição social de grupos cuja imagem é construída a partir de muitos
moldes desse pré-conceitos. Uma sociedade capacitista, requer uma total ausência
de qualquer deficiência ou visão que é construída a partir de uma imagem errada
– como acontece na Inglaterra quando mães optam por não ter filhos com síndrome
de Down – de normalidade, são vistas como uma exceção a uma regra estética. Assim,
a deficiência é vista como algo que se pode ser superado ou corrigido – como se
a felicidade esteja na perfeição – por uma, suposta intervenção médica, ou uma
cura religiosa. Um bom exemplo capacitista é se dirigir ao acompanhante e não a
pessoa com deficiência diretamente.
Daí começamos a entender o que eu e muitas pessoas já entenderam
o que se trata o capacitismo, quando lemos reportagens como a da UOL que traz
uma denúncia da Silvia Grecco, atual secretaria da pessoa com deficiência de São
Paulo, que comentário começam a aparecer. Esses comentários são ofensivos contra
os atletas que participam dos jogos da Paralimpíadas de Tóquio. Silvia é mãe de
Nikollas que tem deficiência visual e também espectro autista e compartilhou
uma imagem na tarde dessa quarta-feira (25), em seu Instagram, com comentários preconceituosos
por um usuário da mesma rede. Silvia diz: “"Eu poderia me calar,
menosprezar, ignorar! Mas não consigo..." ao relatar o que aconteceu e ao comentário
feito por esse “moleque”. No print, a secretaria responde a um comentário de um
perfil que se dirigiu as Paralimpíadas como as "Olimpíadas dos retardados
e cotocos" em uma das postagens do portal de notícia do R7 como um "posicionamento
infeliz".
Depois que Silvia Grecco respondeu, o perfil @di_arq_rj
seguiu dizendo que "Você e o Marcos Mion são admiráveis por carregar um
fardo tão grande em suas vidas". O apresentador Marcos Mion – hoje trabalha
da Rede Globo – tem um filho com espectro de autismo, Romeo, e é um grande
ativista. Em seu comentário, Silvia colocou que "Além de tudo, covarde
escreve depois apaga. Mas está aí o print das mensagens. Não sei nem explicar
qual meu sentimento. Pensar que existem pessoas assim! Triste realidade... Viva
nossos Atletas Paralímpicos!". (aqui)
Quando o hate – que em inglês que dizer ódio – diz que as Paralimpíadas
são de pessoas “retardadas e cotocos”, vem na minha cabeça uma falta de
escolaridade e uma falta de convívio. E não é uma coisa só do Brasil, a deficiência
na sua essência, sempre foi um tabu mundial como políticas públicas verdadeiras
e honestas. Se a dois mil anos atrás, no mundo grego éramos mortos jogados em
abismos, na idade média éramos queimados em fogueiras, até os anos 90 éramos escondidos
em instituições e isso que acontece quando crianças com deficiência são excluídas
nas escolas. Pois, o convívio é um aprendizado muito melhor do que mera teoria,
mero papo furado. O filósofo Aristóteles – que sim, defendia eliminação dos “defeituosos”
por misericórdia – dizia que a ética tem que ser praticada e não teorizada. Não
adianta toda uma sociedade achar que deve chorar e aceitar uma pessoa com deficiência
– até doar grana em campanha – e educar um cara assim. Por fim, acho ser um
moleque revoltado que quer seus 5 minutinhos.
Claro, não se pode parar de fazer denuncias e nos perguntar
se o segmento das pessoas com deficiência, estão muito tolerantes com esse tipo
de coisa. Pois, graças a uma política de segregação nas escolas – porque,
segundo o ministro da educação, as crianças com deficiência estão atrapalhando
nas escolas – há muitos ataques na internet contra eventos e contra pessoas com
deficiência. Sim, temos uma sociedade preconceituosa. Ainda se tem uma imagem que
pessoas saudáveis – boa saúde – tenham corpos perfeitos e que tenham movimentos
perfeitos. Herdamos a ideia estética de uma perfeição grega platônica, onde o
corpo perfeito é um corpo harmonioso e que não tenha imperfeição nenhuma, e não
é só moral, é física. Tanto que por muitos anos ou séculos, as pessoas com deficiência
eram consideradas pessoas sem alma nenhuma, ou até mesmo, demônios. Claro, em
algumas culturas – até mesmo a grega – algumas deficiências eram consideradas
sagradas e sacerdotes e videntes eram deficientes.
Por mais que negamos, até as culturas indígenas matavam as crianças
com deficiência – acho que ainda matam – como um castigo dos deuses, por causa
da utilidade do corpo. Muitas imagens são dos remotos tempos em que o ser humano
ainda gatinhava na ciência, onde a racionalidade começa a despertar dúvidas de
alguns conceitos errados. Mas o Brasil sempre se atrasa, porque um povo
ignorante e crédulo é mais fácil de se controlar, e ainda, muitas resoluções e informações
são retidas e ignoradas por crenças que são muito mais absorvidas pela maioria.
Uma cadeira de rodas – como expliquei em um outro vídeo – foi projetada para
carregar pessoas com deficiência, mas, por causa da incorporação delas nos
hospitais, ficaram como objetos de carregar doentes. O medo da imperfeição, o
inconsciente como modo ancestral de medir a realidade, ainda toma conta da
nossa cultura.
E esse medo é bem implícito quando lendas como do Saci Pererê
– que além de ter uma deficiência, ainda é negro – e do Sucupira (tem o pé
virado para trás) é incorporado na cultura e é um espelho como era e, em alguns
casos, somos vistos. Quantas lendas mundiais eram vistas com má formação? Histórias
que as pessoas com deficiência não vivem ou são exploradas? A humanidade da deficiência
ainda demorara para ser percebida e respeitada.
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