quinta-feira, 26 de agosto de 2021

Capacitismo nazifascista invade as Paralimpíadas

 




Amauri Nolasco Sanches Júnior

(cidadão brasileiro com deficiência)

 

Capacitismo – tradução do inglês ableim – seria a discriminação junto com o preconceito contra pessoas com deficiência. Ou seja, temos um momento que a sociedade tem um pré-conceito – uma construção de uma imagem falsa daquele objeto ou certas características baseadas em um medo social – e discriminação é uma rejeição social de grupos cuja imagem é construída a partir de muitos moldes desse pré-conceitos. Uma sociedade capacitista, requer uma total ausência de qualquer deficiência ou visão que é construída a partir de uma imagem errada – como acontece na Inglaterra quando mães optam por não ter filhos com síndrome de Down – de normalidade, são vistas como uma exceção a uma regra estética. Assim, a deficiência é vista como algo que se pode ser superado ou corrigido – como se a felicidade esteja na perfeição – por uma, suposta intervenção médica, ou uma cura religiosa. Um bom exemplo capacitista é se dirigir ao acompanhante e não a pessoa com deficiência diretamente.

Daí começamos a entender o que eu e muitas pessoas já entenderam o que se trata o capacitismo, quando lemos reportagens como a da UOL que traz uma denúncia da Silvia Grecco, atual secretaria da pessoa com deficiência de São Paulo, que comentário começam a aparecer. Esses comentários são ofensivos contra os atletas que participam dos jogos da Paralimpíadas de Tóquio. Silvia é mãe de Nikollas que tem deficiência visual e também espectro autista e compartilhou uma imagem na tarde dessa quarta-feira (25), em seu Instagram, com comentários preconceituosos por um usuário da mesma rede. Silvia diz: “"Eu poderia me calar, menosprezar, ignorar! Mas não consigo..." ao relatar o que aconteceu e ao comentário feito por esse “moleque”. No print, a secretaria responde a um comentário de um perfil que se dirigiu as Paralimpíadas como as "Olimpíadas dos retardados e cotocos" em uma das postagens do portal de notícia do R7 como um "posicionamento infeliz".

Depois que Silvia Grecco respondeu, o perfil @di_arq_rj seguiu dizendo que "Você e o Marcos Mion são admiráveis por carregar um fardo tão grande em suas vidas". O apresentador Marcos Mion – hoje trabalha da Rede Globo – tem um filho com espectro de autismo, Romeo, e é um grande ativista. Em seu comentário, Silvia colocou que "Além de tudo, covarde escreve depois apaga. Mas está aí o print das mensagens. Não sei nem explicar qual meu sentimento. Pensar que existem pessoas assim! Triste realidade... Viva nossos Atletas Paralímpicos!". (aqui)

Quando o hate – que em inglês que dizer ódio – diz que as Paralimpíadas são de pessoas “retardadas e cotocos”, vem na minha cabeça uma falta de escolaridade e uma falta de convívio. E não é uma coisa só do Brasil, a deficiência na sua essência, sempre foi um tabu mundial como políticas públicas verdadeiras e honestas. Se a dois mil anos atrás, no mundo grego éramos mortos jogados em abismos, na idade média éramos queimados em fogueiras, até os anos 90 éramos escondidos em instituições e isso que acontece quando crianças com deficiência são excluídas nas escolas. Pois, o convívio é um aprendizado muito melhor do que mera teoria, mero papo furado. O filósofo Aristóteles – que sim, defendia eliminação dos “defeituosos” por misericórdia – dizia que a ética tem que ser praticada e não teorizada. Não adianta toda uma sociedade achar que deve chorar e aceitar uma pessoa com deficiência – até doar grana em campanha – e educar um cara assim. Por fim, acho ser um moleque revoltado que quer seus 5 minutinhos.

Claro, não se pode parar de fazer denuncias e nos perguntar se o segmento das pessoas com deficiência, estão muito tolerantes com esse tipo de coisa. Pois, graças a uma política de segregação nas escolas – porque, segundo o ministro da educação, as crianças com deficiência estão atrapalhando nas escolas – há muitos ataques na internet contra eventos e contra pessoas com deficiência. Sim, temos uma sociedade preconceituosa. Ainda se tem uma imagem que pessoas saudáveis – boa saúde – tenham corpos perfeitos e que tenham movimentos perfeitos. Herdamos a ideia estética de uma perfeição grega platônica, onde o corpo perfeito é um corpo harmonioso e que não tenha imperfeição nenhuma, e não é só moral, é física. Tanto que por muitos anos ou séculos, as pessoas com deficiência eram consideradas pessoas sem alma nenhuma, ou até mesmo, demônios. Claro, em algumas culturas – até mesmo a grega – algumas deficiências eram consideradas sagradas e sacerdotes e videntes eram deficientes.

Por mais que negamos, até as culturas indígenas matavam as crianças com deficiência – acho que ainda matam – como um castigo dos deuses, por causa da utilidade do corpo. Muitas imagens são dos remotos tempos em que o ser humano ainda gatinhava na ciência, onde a racionalidade começa a despertar dúvidas de alguns conceitos errados. Mas o Brasil sempre se atrasa, porque um povo ignorante e crédulo é mais fácil de se controlar, e ainda, muitas resoluções e informações são retidas e ignoradas por crenças que são muito mais absorvidas pela maioria. Uma cadeira de rodas – como expliquei em um outro vídeo – foi projetada para carregar pessoas com deficiência, mas, por causa da incorporação delas nos hospitais, ficaram como objetos de carregar doentes. O medo da imperfeição, o inconsciente como modo ancestral de medir a realidade, ainda toma conta da nossa cultura.

E esse medo é bem implícito quando lendas como do Saci Pererê – que além de ter uma deficiência, ainda é negro – e do Sucupira (tem o pé virado para trás) é incorporado na cultura e é um espelho como era e, em alguns casos, somos vistos. Quantas lendas mundiais eram vistas com má formação? Histórias que as pessoas com deficiência não vivem ou são exploradas? A humanidade da deficiência ainda demorara para ser percebida e respeitada.



Nenhum comentário:

Postar um comentário