domingo, 15 de agosto de 2021

Deficiência e a construção da normalidade

 





Amauri Nolasco Sanches Júnior

 

Existem muitas perguntas que ainda não foram respondidas. O que se deve ser considerado normal? Nós podemos ter nascido com tais características, mas não nascemos com o conceito moral que essas características podem acarretar. Talvez, muitos pensadores contemporâneos quiseram quebrar algumas dessas características morais, como Simone de Beauvoir que disse que não se nasce mulher. Logico, que biologicamente, se nasce uma mulher, mas existem junto conceitos morais que não deixam a mulher viver como ela quer e há muitas cobranças. A meu ver, o conceito que se carrega junto com a ideia de normalidade, é que acarreta um maior crescimento dos preconceitos e das imposições que uma sociedade pode querer. Será que a deficiência, como uma imagem de doença ou imagem de inútil, é uma visão social?

Quando escrevi aquela reportagem da menina que fez um ensaio fotográfico para alimentar sua autoestima – que teve o apoio da mãe – e foi discriminada por ter uma órtese na perna, a pergunta que deveríamos fazer é o que seria perfeição.  Segundo a Wikipedia, a perfeição caracteriza um ser ideal que reúne todas as qualidades e não tem nenhum defeito, e designa uma circunstância que não possa ser melhorada. Porém, a perfeição é uma ideia, uma condição que não é alcançada, mas deve ser necessária ser almejada e esta é a ética do ser humano. O que seria ética a não ser um conceito ou um caráter? Valores herdados de culturas de milhares de anos ou de valores que vamos construídos dentro de várias morais passadas – dentro dos limites da sua cultura – que constrói uma ética própria. Morais são coletivas, éticas são individuais.

A perfeição é uma ética vazia onde foi idealizada a muito tempo no muito antigo, idealizada por Platão como um ideal a ser alcançado. Como ser alcançado? Como podemos atingir a perfeição? Com a verdade. Mas não é qualquer verdade e sim, a verdade universal dentro de um outro mundo, o mundo das ideias. Se existe o objeto e a sombra desse objeto – causada pela posição da luz – podemos dizer que essas verdades são objetivas (o objeto em si mesmo) e a subjetiva (a sombra produzida). A pergunta de Platão é: será que existe um objeto mais perfeito do que aquele objeto? Ou seja, existiria uma verdade muito mais perfeita e que abrigaria o objeto perfeito. Só que há um problema, pois, a perfeição como percepção dos sentidos é uma verdade subjetiva e não objetiva, porque construirmos a ideia do objeto a partir daquilo que aprendemos. Então, não temos uma outra referência de uma realidade que não seja esta. Onde os objetos não são como achamos que são. Outro problema tido por Rene Descartes, pode ser pertinente: e se um “demônio” disser que aquilo é de um modo e não é daquele modo? Ou melhor, nossos sentidos podem sim, nos enganar. Um condicionamento.

 A ideia de uma perfeição é a ideia que existe uma verdade, que uma condição é a certa e não é bem assim. Não há verdades que são eternas, nem fatos que são absolutos. Claro, não quer dizer que não há nenhuma verdade ou nenhum fato, essa definição de Nietzsche, tem a ver com verdades que podem mudar assim como, fatos podem modificar através com o tempo. Muitos historiadores vão mudando conforme se encontra outros documentos dos fatos históricos, assim como as verdades do mundo, muitas vezes, não são as verdades universais. Se eu derrubar uma pedra de um prédio é uma verdade incontestável, mas, em outra parte do universo ou outro planeta, pode não ser uma verdade. Portanto, as verdades segundo a realidade dependem de quem e como a realidade seja construída.

A órtese da perna da Maria Luiza não, por exemplo, pode definir quem ela é e se ela pode ou não pode jogar um futebol. A construção da deficiência da Malu é uma construção social, pois, não define a essência dela e quem ela é. Porque se constrói uma verdade ou uma realidade a partir daquilo que você aprende, e não aquilo que é de verdade. Mesmo o porquê, o estereotipo da deficiência como doença – mesmo a ciência definindo não ser – é uma construção da imagem da perfeição e o porquê aquilo é perfeito ou não perfeito. E o perfeito é o eficiente, aquele objeto ou alguém útil, aquele que pode ajudar a sociedade a progredir e a nação produzir para gerar mais riqueza e produtos e serviços. Mas, quem disse que Malu, algum dia, não poderia fazer outra coisa ou poderia ser uma modelo fotográfica? Por que não? Há no meio do segmento das pessoas com deficiência, várias modelos fotográficas que ganham a vida com isso, não existe só trabalho braçal ou tarefa, considerada, útil. Ela poderia ser uma escritora, pois, afinal, o livro depende como o autor desenvolve as ideias ou uma história. O trabalho intelectual também é bastante útil para uma nação e, nos últimos tempo, nossa nação renega esse trabalho como se ninguém lesse um bom livro, ou não visse um bom filme.

A perfeição e a normalidade é uma visão a partir de valores que se carrega – até o conceito da deficiência como eficaz e não eficaz – e esses valores, na maioria das vezes, são valores construídos com ideias positivistas. Já escrevi em exaustão o que seria, porque tem a ver com o tecnicismo das nossas universidades e a ideia de que a ciência iria salvar o mundo e o século vinte, provou que não. Assim como todo o conhecimento humano, a ciência é uma ferramenta útil para entender e do entendimento de certos fenômenos para criar tecnologia para adaptar-se aqueles fenômenos. Como a órtese da Malu ou a cadeira de rodas que eu uso, mas também, pode criar armas mais eficientes, mecanismo de espionagem, ou até mesmo, bombas atômicas que criam tensões políticas entre nações. A ciência pode provar, mas o poder dita o discurso e as ideias que podem ser passadas.

A normalidade é o que o poder quer que se pense? Será que existe essa normalidade?


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