
Amauri Nolasco Sanches
Junior
Acho que há uma confusão entre paixão e amor. Paixão,
etimologicamente, vem do latim “passio – onis”, que deriva de “passus” que é princípio
passado de “patī” que tem o significado, sofrer. É um termo usado para um
sentimento muito forte em relação a uma pessoa, objeto ou tema. A paixão é uma
emoção intensa convincente, um entusiasmo ou um desejo sobre qualquer coisa. Mas,
vem do latim já, como sofrer e o sofrimento é dor, você não pode amar quando
está doendo alguma coisa. Já amor, vem do latim amor que tem o mesmo
significado com o português, que é um sentimento muito nobre e sem sofrer.
Muitos estudiosos dizem que o termo amor que é derivado da base AM, de uma
língua indo-europeia e essa mesma base, deu origem do termo mãe. Ora, qual amor
maior a não ser da mãe? Nenhum.
A questão gira em torno do amor que não tem sofrimento, não
sente dor ou qualquer desejo destrutivo ou egoísta, que talvez, vem confundindo
até mesmo os filósofos. Platão, por exemplo, dizia que o amor é aquilo que
falta em você. Ora, tudo aquilo que te falta é sofrer aquilo que você não tem,
e isso, queiramos ou não, traz um sofrimento naquilo que não temos. Mas,
podemos ter outras coisas que fazem de você alguém diferente e a humanidade
precisa ter uma pluralidade, porque tem a ver com liberdade. Amor tem a ver com
liberdade. Se você já tem uma essência definida, se você tem uma personalidade
já construída, você já é um ser humano definido. Só que não é bem assim, os
gregos antigos (ou helênicos), estavam errados enquanto a isso. Além de sermos
seres em construção constante, somos seres que temos liberdade de escolha. Os
pensamentos mais modernos e contemporâneos – mais no existencialismo – o ser
humano se constrói a partir dos valores sociais que estão inseridos dentro da
educação familiar e na educação escolar (que muitas vezes, é exigida pelos
próprios pais na escola). Daí, quando você se apaixona – alguns pesquisadores
dizem, que a paixão tem dois anos de validade – você tem seus valores que vão
ou já formaram, seu caráter e sua subjetividade.
O interessante, voltando aos gregos helênicos, que eles
tinham um termo que era “pathos” que significava, paixão. Mas, também, existem outros
significados como excesso, catástrofe, passagem, passividade, sofrimento, assupeitamento,
sentimento e doença. Ou seja, tudo que gera sofrimento e o apego a alguma
coisa. Agora, porque tem um outro lado, sem uma certa paixão (como um tipo de
tesão), não podemos amar e continuar amando um outro sujeito. Tem que ter uma
certa atração para o amor romântico prevalecer. Porém, há de ter um certo
equilíbrio dentro do amor romântico. O problema é o apego. O apego começa a se
apegar como o outro é e começa a se espelhar no outro e esquece, muitas vezes,
de si mesmo e começa a esquecer de quem você é. Quem somos, verdadeiramente? Será
que não é um convite filosófico desde Sócrates e Platão? Entre conhecer a si
mesmo, até mesmo, sair da “caverna” da ignorância e sair para o conhecimento e
com o conhecimento, ver a realidade de fato. Chegar a verdade (alethéia) é só,
segundo Platão, pelo conhecimento. Mas, como dizem, o amor é para ser sentido e
não para ser racionalizado.
Só que há um outro problema – filósofo é a mosca varejeira
da sociedade – somos seres sentimentais, mas, também, somos seres racionais. Chegamos
ao aluno de Platão, Aristóteles, que dizia, que somos racionais e por isso, somos
animais políticos. Por outro lado, Aristóteles dizia que o amor verdadeiro é o
amor de amizade. Aí chegamos num ponto interessante: o amor não pode nascer
numa amizade? Eu já expliquei antes que os gregos viam o ser humano, como um
ser definido e já construído em seu caráter (ethos), então, se ele fosse um
ferreiro, por exemplo, ele não seria outra coisa a não ser um ferreiro. E para
os contemporâneos – que começa com os modernos – o ser humano não tem nenhuma
definição, portanto, o amor romântico (que é bastante recente) é uma
construção. A família como conhecemos – mesmo a direita se espernear – é uma
invenção capitalista contemporânea que inventou a imagem de uma família “perfeita”.
O amor tem que ser perfeito? Não sei. Talvez, nenhum
filósofo tenha conseguido chegar na essência da questão. Platão confundiu com
paixão (por causa, da sua época). Nietzsche, pulando para a contemporaneidade,
confundiu com “putaria”. A liberdade tem que transcender ao senso comum, que acha
que ter liberdade é fazer o que queira, mas, nem sempre podemos fazer o que
queremos. Se eu não tiver a quantia certa, eu não posso tomar um sorvete. No
mesmo modo, se a pessoa não me ama – colocando a questão do amor romântico –
por questões de até respeito consigo, eu não poderia amar a pessoa. Então, pensando assim, não é aquilo que te
falta que faria você se apaixonar pela pessoa e sim, aquilo que é correspondido
como um “gostoso” bem-estar. Aliás, gostoso é aquilo que te dará prazer, mas,
não é qualquer prazer, é o prazer de sentir confortável com a situação ou com
que está sentindo. O que é agradável? Entramos na subjetividade.
Para Sartre, o amor entre casais é uma alienação mútua para
se entregar um ao outro, assim, se esquecer o que é. A subjetividade tem a ver
com isso. Por que eu tenho que me esquecer de si mesmo, para amar alguém?
Lógico que a sua vida não vai ser igual, mas, não pode ser um esquecido de si
para o outro te aceitar. Sartre está errado em parte. Porque existem casais que
sabem quem são e nem por isso, não se amam. Mais uma vez, se confundiu paixão
(egoísmo) e amor (gostoso), porque o amor não pode ser alienado, senão, vira
paixão. Se há alienação é apenas uma atração, porque não se tem um sentimento,
mas, só corpo, só o material. Aí entra a paixão pelo material e a sociedade e
suas convenções, porque essas convenções são morais de anos ou séculos, que
funcionaram só naquele momento e agora, pode ser que não funciona mais. Por que
as pessoas colocam os bens materiais? Por que o amor tem que ter certas
responsabilidades? Ninguém sabe. Porque todos repetem convenções sem saber o porquê
daquilo tudo. Só que há uma diferença entre romper as convenções e fazer um
bacanal, por exemplo, porque nos dois dos casos, você não está sendo você mesmo
e está sendo um gorila.
Ora, gorilas podem amar de outra forma. As linguagens
animais são pouco estudadas, são pouco analisadas e não se sabe, se eles têm
sentimentos. Eu estou dizendo que os seres humanos se entregam ao instinto,
porém, somos seres racionais e sentimentais. A consciência. A consciência é um fenômeno
de perceber o outro ou outra coisa, como algo fora de nós mesmos. Num modo
cartesiano, a consciência é a percepção de si mesmo, porque o outro começa a
ser uma dúvida, uma realidade que pode não existir. A consciência, também, pode desenvolver um
senso de capacidade de avaliar se aquilo é ou não é, prazeroso para nós. Por isso
dizemos que eu tenho a consciência que o refrigerante é gostoso, como, que jiló
é amargo. A questão é que, quando nós amamos, nós temos a consciência que a
pessoa nos agrada e essa consciência, depende muito daquilo que nos atrai. Sartre
erra na alienação, porque a alienação é o esquecimento de si mesmo, mas, se
esquecemos de si mesmo não podemos amar. Temos que perceber o outro e seus
atributos corporais (sexuais), seus atributos sentimentais (amor) e os atributos
espirituais (as virtudes), que muitas vezes, são confundidas como morais. Porém,
entendo como uma lei moral, uma lei social para a harmonia e não para a
individualidade do ser humano.
Então, acho eu, sou
um spinoziano. Para Spinoza, nós temos o “conatus” (esforço; impulso,
inclinação, tendência; cometimento), que seria um impulso da vida, como se acordássemos
de manhã e a nossa energia tivesse fraca (tristeza) e durante o dia, e essa
energia vai nos afastando daquilo que vai te entristecendo. Claro. Tudo que te
traz prazer vai te trazer alegria, mas, o conatus de Spinoza também faz parte
de uma outra coisa. Para o filósofo, os sentimentos podem diminuir ou aumentar,
a energia do conatus e essa energia pode te entristecer ou te alegrar. Mas,
depende de nós mesmos se alegrar ou se entristecer e o amor, como tantos
sentimentos, pode aumentar o impulso e esse impulso te alegra e te mostra o
quanto você pode compartilhar essa alegria com o outro, com a capacidade de
compartilhamento. Porque, afinal, o amor entre duas pessoas é compartilhar
sentimentos e momentos a toda hora. Mesmo se estiverem em silencio, com as mãos
dadas e juntinhos, aquele momento é único e é um compartilhamento daquilo,
daquele agora.
E é isso, o amor não é uma prisão, não precisa ser. não é
algo que te falta, não é algo que precisa ser uma eterna “putaria”. Existem momentos
para a sexualidade e momentos para o carinho, não se precisa separar as duas condições,
mas, sempre equilibrar elas. O equilíbrio
mutuo. O equilíbrio que pode levar ao sublime. Os sertanejos (se poderíamos chamar
isso de sertanejos), erram em dizer que amor é sofrer, quem sofre não é o amor
de se alegrar, de se sentir o gostoso da companhia, no afeto verdadeiro, é
apenas acasalamento. O prazer por prazer. Isso nada tem a ver com a moral religiosa
– que seria um radical ao contrário – mesmo o porquê, não precisamos ir a um
outro extremo. Mas, valores que respeitam a si mesmo como um ser humano,
valores que podem conter a verdadeira liberdade de não se importar com os
outros. Afinal, é mais liberto aquele que beija mil bocas, ou aquele que beija
uma e bem beijada? Precisamos dessa liberdade? Nos encontramos no lixo? Não. Precisamos
de uma certa dignidade, um certo respeito consigo. O amor é único, o resto, é só
modinha.
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