quinta-feira, 15 de novembro de 2018

Paixão e amor – será que estamos confundindo?






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Amauri Nolasco Sanches Junior

Acho que há uma confusão entre paixão e amor. Paixão, etimologicamente, vem do latim “passio – onis”, que deriva de “passus” que é princípio passado de “patī” que tem o significado, sofrer. É um termo usado para um sentimento muito forte em relação a uma pessoa, objeto ou tema. A paixão é uma emoção intensa convincente, um entusiasmo ou um desejo sobre qualquer coisa. Mas, vem do latim já, como sofrer e o sofrimento é dor, você não pode amar quando está doendo alguma coisa. Já amor, vem do latim amor que tem o mesmo significado com o português, que é um sentimento muito nobre e sem sofrer. Muitos estudiosos dizem que o termo amor que é derivado da base AM, de uma língua indo-europeia e essa mesma base, deu origem do termo mãe. Ora, qual amor maior a não ser da mãe? Nenhum.

A questão gira em torno do amor que não tem sofrimento, não sente dor ou qualquer desejo destrutivo ou egoísta, que talvez, vem confundindo até mesmo os filósofos. Platão, por exemplo, dizia que o amor é aquilo que falta em você. Ora, tudo aquilo que te falta é sofrer aquilo que você não tem, e isso, queiramos ou não, traz um sofrimento naquilo que não temos. Mas, podemos ter outras coisas que fazem de você alguém diferente e a humanidade precisa ter uma pluralidade, porque tem a ver com liberdade. Amor tem a ver com liberdade. Se você já tem uma essência definida, se você tem uma personalidade já construída, você já é um ser humano definido. Só que não é bem assim, os gregos antigos (ou helênicos), estavam errados enquanto a isso. Além de sermos seres em construção constante, somos seres que temos liberdade de escolha. Os pensamentos mais modernos e contemporâneos – mais no existencialismo – o ser humano se constrói a partir dos valores sociais que estão inseridos dentro da educação familiar e na educação escolar (que muitas vezes, é exigida pelos próprios pais na escola). Daí, quando você se apaixona – alguns pesquisadores dizem, que a paixão tem dois anos de validade – você tem seus valores que vão ou já formaram, seu caráter e sua subjetividade.

O interessante, voltando aos gregos helênicos, que eles tinham um termo que era “pathos” que significava, paixão. Mas, também, existem outros significados como excesso, catástrofe, passagem, passividade, sofrimento, assupeitamento, sentimento e doença. Ou seja, tudo que gera sofrimento e o apego a alguma coisa. Agora, porque tem um outro lado, sem uma certa paixão (como um tipo de tesão), não podemos amar e continuar amando um outro sujeito. Tem que ter uma certa atração para o amor romântico prevalecer. Porém, há de ter um certo equilíbrio dentro do amor romântico. O problema é o apego. O apego começa a se apegar como o outro é e começa a se espelhar no outro e esquece, muitas vezes, de si mesmo e começa a esquecer de quem você é. Quem somos, verdadeiramente? Será que não é um convite filosófico desde Sócrates e Platão? Entre conhecer a si mesmo, até mesmo, sair da “caverna” da ignorância e sair para o conhecimento e com o conhecimento, ver a realidade de fato. Chegar a verdade (alethéia) é só, segundo Platão, pelo conhecimento. Mas, como dizem, o amor é para ser sentido e não para ser racionalizado.

Só que há um outro problema – filósofo é a mosca varejeira da sociedade – somos seres sentimentais, mas, também, somos seres racionais. Chegamos ao aluno de Platão, Aristóteles, que dizia, que somos racionais e por isso, somos animais políticos. Por outro lado, Aristóteles dizia que o amor verdadeiro é o amor de amizade. Aí chegamos num ponto interessante: o amor não pode nascer numa amizade? Eu já expliquei antes que os gregos viam o ser humano, como um ser definido e já construído em seu caráter (ethos), então, se ele fosse um ferreiro, por exemplo, ele não seria outra coisa a não ser um ferreiro. E para os contemporâneos – que começa com os modernos – o ser humano não tem nenhuma definição, portanto, o amor romântico (que é bastante recente) é uma construção. A família como conhecemos – mesmo a direita se espernear – é uma invenção capitalista contemporânea que inventou a imagem de uma família “perfeita”.

O amor tem que ser perfeito? Não sei. Talvez, nenhum filósofo tenha conseguido chegar na essência da questão. Platão confundiu com paixão (por causa, da sua época). Nietzsche, pulando para a contemporaneidade, confundiu com “putaria”. A liberdade tem que transcender ao senso comum, que acha que ter liberdade é fazer o que queira, mas, nem sempre podemos fazer o que queremos. Se eu não tiver a quantia certa, eu não posso tomar um sorvete. No mesmo modo, se a pessoa não me ama – colocando a questão do amor romântico – por questões de até respeito consigo, eu não poderia amar a pessoa.  Então, pensando assim, não é aquilo que te falta que faria você se apaixonar pela pessoa e sim, aquilo que é correspondido como um “gostoso” bem-estar. Aliás, gostoso é aquilo que te dará prazer, mas, não é qualquer prazer, é o prazer de sentir confortável com a situação ou com que está sentindo. O que é agradável? Entramos na subjetividade.

Para Sartre, o amor entre casais é uma alienação mútua para se entregar um ao outro, assim, se esquecer o que é. A subjetividade tem a ver com isso. Por que eu tenho que me esquecer de si mesmo, para amar alguém? Lógico que a sua vida não vai ser igual, mas, não pode ser um esquecido de si para o outro te aceitar. Sartre está errado em parte. Porque existem casais que sabem quem são e nem por isso, não se amam. Mais uma vez, se confundiu paixão (egoísmo) e amor (gostoso), porque o amor não pode ser alienado, senão, vira paixão. Se há alienação é apenas uma atração, porque não se tem um sentimento, mas, só corpo, só o material. Aí entra a paixão pelo material e a sociedade e suas convenções, porque essas convenções são morais de anos ou séculos, que funcionaram só naquele momento e agora, pode ser que não funciona mais. Por que as pessoas colocam os bens materiais? Por que o amor tem que ter certas responsabilidades? Ninguém sabe. Porque todos repetem convenções sem saber o porquê daquilo tudo. Só que há uma diferença entre romper as convenções e fazer um bacanal, por exemplo, porque nos dois dos casos, você não está sendo você mesmo e está sendo um gorila.

Ora, gorilas podem amar de outra forma. As linguagens animais são pouco estudadas, são pouco analisadas e não se sabe, se eles têm sentimentos. Eu estou dizendo que os seres humanos se entregam ao instinto, porém, somos seres racionais e sentimentais. A consciência. A consciência é um fenômeno de perceber o outro ou outra coisa, como algo fora de nós mesmos. Num modo cartesiano, a consciência é a percepção de si mesmo, porque o outro começa a ser uma dúvida, uma realidade que pode não existir.  A consciência, também, pode desenvolver um senso de capacidade de avaliar se aquilo é ou não é, prazeroso para nós. Por isso dizemos que eu tenho a consciência que o refrigerante é gostoso, como, que jiló é amargo. A questão é que, quando nós amamos, nós temos a consciência que a pessoa nos agrada e essa consciência, depende muito daquilo que nos atrai. Sartre erra na alienação, porque a alienação é o esquecimento de si mesmo, mas, se esquecemos de si mesmo não podemos amar. Temos que perceber o outro e seus atributos corporais (sexuais), seus atributos sentimentais (amor) e os atributos espirituais (as virtudes), que muitas vezes, são confundidas como morais. Porém, entendo como uma lei moral, uma lei social para a harmonia e não para a individualidade do ser humano.

 Então, acho eu, sou um spinoziano. Para Spinoza, nós temos o “conatus” (esforço; impulso, inclinação, tendência; cometimento), que seria um impulso da vida, como se acordássemos de manhã e a nossa energia tivesse fraca (tristeza) e durante o dia, e essa energia vai nos afastando daquilo que vai te entristecendo. Claro. Tudo que te traz prazer vai te trazer alegria, mas, o conatus de Spinoza também faz parte de uma outra coisa. Para o filósofo, os sentimentos podem diminuir ou aumentar, a energia do conatus e essa energia pode te entristecer ou te alegrar. Mas, depende de nós mesmos se alegrar ou se entristecer e o amor, como tantos sentimentos, pode aumentar o impulso e esse impulso te alegra e te mostra o quanto você pode compartilhar essa alegria com o outro, com a capacidade de compartilhamento. Porque, afinal, o amor entre duas pessoas é compartilhar sentimentos e momentos a toda hora. Mesmo se estiverem em silencio, com as mãos dadas e juntinhos, aquele momento é único e é um compartilhamento daquilo, daquele agora.

E é isso, o amor não é uma prisão, não precisa ser. não é algo que te falta, não é algo que precisa ser uma eterna “putaria”. Existem momentos para a sexualidade e momentos para o carinho, não se precisa separar as duas condições, mas, sempre equilibrar elas.  O equilíbrio mutuo. O equilíbrio que pode levar ao sublime. Os sertanejos (se poderíamos chamar isso de sertanejos), erram em dizer que amor é sofrer, quem sofre não é o amor de se alegrar, de se sentir o gostoso da companhia, no afeto verdadeiro, é apenas acasalamento. O prazer por prazer. Isso nada tem a ver com a moral religiosa – que seria um radical ao contrário – mesmo o porquê, não precisamos ir a um outro extremo. Mas, valores que respeitam a si mesmo como um ser humano, valores que podem conter a verdadeira liberdade de não se importar com os outros. Afinal, é mais liberto aquele que beija mil bocas, ou aquele que beija uma e bem beijada? Precisamos dessa liberdade? Nos encontramos no lixo? Não. Precisamos de uma certa dignidade, um certo respeito consigo. O amor é único, o resto, é só modinha.

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